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Notas do Autor (Capítulo 1 - Remake)


Dez anos é uma vida, né? Quer dizer, praticamente uma vida. Muitas coisas aconteceram nos últimos dez anos. Quando eu publiquei o primeiro capítulo de AeJ, em Dezembro/2015, eu tinha acabado de começar a faculdade. Não cheguei a terminá-la. E aí, muitas outras coisas aconteceram na vida pessoal e na profissional. Apesar de tudo, certas coisas jamais deixaram seus lugares: O Aventuras em Johto e a Aliança Aventuras.

Estamos meio longe do final da história, no momento em que digito essas palavras, acabei de publicar o último capítulo da terceira temporada, o de número 75. E então, já que terminamos uma temporada inteira, por que não voltarmos para o começo? Eu às vezes me lamento por não ter concluído essa história ainda, por N motivos. Mas, acho que tudo tem a sua hora. Talvez, se eu tivesse terminado ela antes, não teria esse timming de refazer os primeiros capítulos ao mesmo tempo que eu terminei uma temporada (risos). E esse capítulo, como todos os outros, só existe por causa da Aliança e dos meus amigos que tenho nela. Em especial, ao Canas, de Sinnoh, e ao ShadZ, de Hoenn, que me acompanham desde antes do AeJ tomar forma. Não sei como é para eles, mas revisitar o começo depois de tanto tempo me traz uma nostalgia muito grande. Menção honrosa também pra Jolly, autora do Aventuras em Unova, que foi muito importante na realização desse projeto.

Falando em Sinnoh, como sempre, foi AeS que me deu a ideia de fazer esse remake. Escrevi o remake do primeiro capítulo de AeS, lá em 2021, quando os remakes de Diamond and Pearl (Brilliant Diamond/Shining Pearl) foram anunciados por ter um grande carinho pelo universo que o Canas escreveu. Até hoje, quando nos reunimos (e é com tanta frequência que eu tenho certeza que logo menos ele vai mandar me expulsar), sempre falamos de Sinnoh e dos personagens de lá. E é com esse mesmo carinho que eu também decidi refazer os primeiros capítulos, não por achar que eles são ruins... Mas, como os próprios jogos ganharam remakes, por que não fazer o mesmo com essa história? Tomar a liberdade de mexer em algumas coisinhas aqui e ali só para desencargo de consciência... 

A essência continua a mesma, mas eu espero que, nessa nova versão, você possa acompanhar não só a evolução do autor que te escreve, mas também a dos personagens que a estrelam. Muitos deles ganharam novos nuances em suas personalidades, quase um novo contorno, para deixar claro as suas motivações. Quando eu comecei essa história, eu perdi muito detalhe querendo focar numa história rápida. Com a experiência, acho que hoje eu posso fazer, sim, uma história que mantém a agilidade do roteiro, mas também ganha detalhes importantes para que cada vez mais você continue mergulhando nela junto com esses personagens.

Espero continuar contando com você pelos próximos dez anos. O que serão deles? Jamais saberemos. Acho que teremos que descobrir juntos. ;)


See ya!

 

Capítulo 01 [Remake]

 



Havia muitas coisas a serem consideradas quando se morava em uma cidade grande, como Saffron. Em certo ponto, você pode pensar que cidades grandes tendem a serem muito mais violentas do que as cidades do interior do país, o que não deixa de estar correto. Existem prédios altos que podem te causar dores no pescoço ao tentar ver o quão altos eles são. Há o problema das filas. Muitas filas. Filas para tudo o que você imaginar: Para estacionar, para pagar alguma coisa no caixa do supermercado, fila para depositar um dinheiro no banco... Sem falar no barulho. Ah, o ensurdecedor barulho do tumulto da cidade grande! Buzinas dos carros nas ruas e avenidas enquanto Machoke auxiliava no trânsito, helicópteros e aviões nos céus disputando espaço com Pidgeots e Fearows, falatório e gritarias nas calçadas. É muito pouco provável que você encontre paz e tranquilidade morando em uma cidade grande, como Saffron.

Mas, em compensação, a poucos metros de você existe uma padaria, uma loja de departamentos, um Centro Pokémon ou até mesmo um esconderijo da máfia, uma cova de ladrões. Você nunca saberia dizer.

Principalmente se o tal esconderijo da máfia tivesse como endereço justamente o interior do edifício da maior empresa da região de Kanto, a Silph Company.

O relógio batia seis e dezessete da manhã. Os primeiros raios de sol já começavam a tomar espaço pelo opaco céu azul-escuro que aos poucos começava a se clarear. No interior dos apartamentos residenciais do centro, muitos despertadores começavam a tocar de forma ininterrupta, acordando quem dormia para o novo dia que se iniciava — muitos, inclusive, lutando em vão para não deixar aquele resquício de sono ir embora. Do lado de fora das janelas, as ruas já começavam a ficar tumultuadas com os carros saindo das garagens e se dirigindo aos escritórios para mais um dia tedioso de trabalho, encontrando-se mais uma vez nos engarrafamentos que já se tornaram rotina para os moradores da capital.

Seria mais um dia normal como qualquer outro, se aquele não fosse um dia atípico, onde um som atípico ressonava, justamente, do prédio da Silph Company. Um alarme estridente chamava a atenção de quem por coincidência passava por ali próximo. Provavelmente seria um falso alarme de incêndio —alguém deve ter colocado fogo no tapete de novo.

Havia, sim, uma certa correria no interior do edifício. Mas era devido à tentativa desesperada de conter alguém ao invés de um incêndio.

As luzes piscavam de forma frenética enquanto um exército de homens e mulheres com um uniforme totalmente preto que se destacava não apenas pela boina cafona, mas pela letra “R” rubra bem grande na região do tórax, corria a toda velocidade pelos corredores apertados, que, sem tempo para esperar os elevadores, avançavam pelas escadas de emergência em direção ao último andar do prédio.

Os agentes que já se encontravam no último andar apressavam o passo rumo à Sala de Pesquisas J, local de onde o alarme havia sido disparado. A porta estava aberta.

O interior da sala era amplo e dava vista para a cidade inteira através de uma janela panorâmica. Incrivelmente, quem olhava para ali dos outros prédios, não conseguia ver o interior daquele laboratório pelo fato dos vidros serem espelhados. O pé direito tinha pelo menos quatro metros de altura.

Pelo chão, uma bagunça indescritível. Havia diversos tipos de papéis espalhados, pedaços de vidro quebrado, mesas reviradas, armários caídos, lousas e cavaletes destruídos e, pelas paredes outrora cheias de prateleiras repletas de itens e objetos de pesquisa que se encontravam caídos, misturados e espalhados em uma bagunça sem fim, buracos, como se algo ou alguém tivesse dado socos nelas.

Mas nenhum detalhe daquela sala chamava mais a atenção do que os cientistas desacordados espalhados pelo chão. Ou será que, na verdade, eles foram derrubados? Essa hipótese foi levantada quando um dos agentes da Equipe Rocket rapidamente avançou até um deles e, ao virar para examiná-lo, notou o olho roxo e pelo menos três dentes quebrados.

Uma mulher com o uniforme preto entrou na sala e retirou a boina da cabeça. Ela estava boquiaberta. Olhava para todos os lados da área e as sobrancelhas arqueadas ilustravam a sua expressão de surpresa.

 

— Mas que merda foi essa que aconteceu aqui? — perguntou ela, quase em um sussurro antes de voltar à atenção ao grupo que se aglomerava nas portas da sala. —Chequem as câmeras de segurança imediatamente!

 

O som de algo caindo no chão chamou a atenção da mulher e do grupo próximo à porta. Ninguém até então havia notado que tinha mais alguém ali presente. Uma grande porta de armário que estava aberta escondia-a. Os agentes imediatamente sacaram suas PokéBolas e adentraram a sala.

A garota deveria ter por volta de seus quinze anos de idade. Ela era realmente uma jovem muito atraente, cujo corpo sinuoso e desenvolvido estava escondido por baixo de um vestido negro que, diferente dos outros agentes, não trazia a letra “R” púrpura no tórax. O que exibia no lugar, porém, era um chamativo decote, fazendo questão de exibi-lo ao jogar os longos cabelos amendoados para trás, deixando a visão de qualquer um ali presente livre para admirá-la. A calça legging que vestia, em contraponto, era na cor branca — a mesma cor de suas luvas — e seus olhos azuis eram tão lindos quanto duas safiras e que disputavam naquele momento com o céu o título de azul mais bonito. O mar ficaria invejado.

A garota foi cercada. No entanto, um sorriso sádico em seus lábios demonstrou que ela não se sentia intimidada.

 

— Bom dia, galera! Foi mal, eu acho que causei um pouco demais aqui. Mas eu juro que foi sem querer!— e deu um sorriso travesso.

— Amy... O que você está fazendo? Você sabe que o acesso aqui é restrito... Como você entrou? — perguntou a mulher em um misto de raiva e surpresa.

— Oops! Deixei cair uma coisa — a garota abaixou e, ao subir de volta, causou espanto.

 

Em suas mãos, havia uma PokéBola, muito distante de ser uma PokéBola comum. Na parte de cima, ela era dourada, como uma grande jóia que brilhava ao toque dos raios de sol que adentravam na sala. A parte debaixo era prateada, como uma aliança, reluzindo como milhares de mini-cristais contrastando com a luz do dia que invadia o andar sem pedir licença.

Amy não tinha pressa. Mesmo estando cercada, puxou do armário uma bolsa transversal, vestiu-a e colocou o objeto dentro dela.

 

— O que pensa que está fazendo? Devolva isso imediatamente! — um dos homens de preto que estavam presentes gritou para a menina.

 — Sabe o que é? Eu juro que iria adorar fazer isso, mas é que não vai dar, não — a cada resposta debochada de Amy, o grupo rangia os dentes de raiva ou apertavam as PokéBolas com força. A verdade é que boa parte deles queria era apertar o pescoço dela.

— Não seja idiota, Amy... Você não quer fazer isso... — a mulher que havia retirado sua boina falava devagar, mostrando as duas mãos para a menina para demonstrar que não tinha intenções de acionar alguma PokéBola.

 

A jovem a encarou com uma expressão de curiosidade. Colocou o braço esquerdo em cima do decote e apoiou o direito nele, segurando o queixo utilizando o polegar e o indicador.

 

— Hmm... Será mesmo que eu não quero? — era irritante a forma que a garota falava. Ela emulava uma voz aguda, como se falasse com uma criança pequena.

— Não tem mais escapatória, senhorita Amanda. Por favor, devolva isso já — pediu um terceiro homem, também vestido de preto.

— Não nos faça de idiota! — rosnou um quarto, partindo para cima da garota.

 

De dentro do armário com a porta aberta, saltou um Pokémon bípede. Tinha o corpo arredondado, os pêlos de cor bege que o cobriam eram todos arrepiados e embaraçados como se não fosse penteado há, pelo menos, uns seis meses. Os músculos dos braços de cor marrom contraíam músculos grandes e presos, tanto nos pés, quanto nos tornozelos, algo que se assemelhava a algemas de metal.

O símio atacou o homem e o nocauteou dando-lhe um soco no rosto.

Então havia sido desse jeito que aqueles corpos espalhados pela sala haviam sido derrubados.

Os agentes da Equipe Rocket assustaram-se com o súbito ataque do Primeape de Amy. A garota, no entanto, parecia muito tranquila. Olhou para o vestido para se certificar de que não havia nenhum tipo de poeira sobre o tecido.

O grupo, que além de estar bloqueando as saídas da sala, também entupia o corredor daquele andar com a chegada dos agentes espalhados pelo prédio, espremeu-se além do batente e invadiu a sala, correndo em direção à Amy. Primeape se preparou para atacar os oponentes quando uma voz feminina ecoou firmemente pelo lugar.

 

— Parem!

 

Como se tivessem levado um choque, todos os agentes ali presentes congelaram. Amy, que até então sustentava um sorrisinho debochado, mudou de expressão ao ver a mulher passar pela porta. Até a garota pareceu temer aquela figura.

Seu uniforme era diferente dos demais. Era de manga longa, justo e elegante, na cor branca, e ostentava o escudo rubro da Equipe Rocket acima do seio direito. Ia até abaixo dos joelhos e, assim como Amy, desenhava uma certa sensualidade, apesar de mais contida, com um corte lateral mostrando parte das pernas.  Era possível notar sua presença de longe não apenas pelo olhar imponente, confiante e ameaçador, mas pelos cabelos vermelhos volumosos que eram sua marca registrada. Caminhava a passos lentos, mas seus passos eram marcados pelo eco do impacto de suas botas brancas cano alto pelo ambiente, carregando um ar de imponência.

Ah, sim. Ela era a perfeita definição da palavra “imponência”.

 

— Ela não tem para onde fugir. Eu não entendi ainda o porquê de a situação não ter sido controlada.

 

Por algum motivo, Amy começou a rir. A mais velha com cabelos vermelhos sentiu saltar uma veia na têmpora. Diferente da menina, ela não via graça alguma naquela situação.

 

— Você não sabe a loucura que está cometendo, Amy... — disse ela baixinho, contendo o ódio e a vontade de explodir em cima daquela pirralha.

— Nossa, parece que eu estou ficando importante por aqui, né? Pra você ter vindo até aqui me ver... — respondeu Amy com uma piscadela.

 

O deboche da menina estava esgotando a paciência de todos os presentes.

 

— Eu vou falar apenas uma vez — disse a ruiva entre dentes. — Devolva a PokéBola GS imediatamente.

 

Amy olhou alguns instantes para o rosto da mulher ruiva à sua frente parecendo se divertir com a expressão furiosa em seu rosto. Abaixou os olhos para a mochila e voltou a retirar a esfera bicolor dourada e prateada, o que causou diversas exclamações audíveis e sussurros misturados entre os agentes. Ela olhou para a cápsula e a estendeu em direção à mulher, que observava atentamente.

 

— Você quer, velha? — a jovem abriu um sorriso provocador. — Então vem pegar!

 

Tudo aconteceu em um piscar de olhos. Amy disparou para o lado esquerdo da sala enquanto seu Primeape correu para o outro, arrancando a porta do armário e arremessando em direção aos agentes da Equipe Rocket, causando um novo tumulto entre os homens e mulheres que tentaram se desviar daquele grande objeto em um piscar de olhos enquanto a menina pulava os obstáculos no chão da sala em direção à janela panorâmica.

 

— PEGUEM-NA! — berrou a mulher ruiva apontando para a adolescente.

 

Dezenas de estampidos começaram a ser ouvidos quando os Pokémon dos capangas da organização começaram a ser liberados de suas cápsulas. A menina já sabia quais tipos de criaturas os agentes portavam, já os viu em ação antes. Logo, não precisou desviar a atenção para saber que atrás dela se encontravam hordas de Golbat, Raticate, Arbok e Weezing, aproximando-se perigosamente dela.

Apesar da sala ser ampla, os Pokémon tinham a locomoção reduzida pelos obstáculos colocados nela. Tanto os corpos, quanto a mobília destruída no chão, tudo era motivo para que eles batessem entre si enquanto tentavam desviar, o que lhes custou preciosos segundos.

O Primeape de Amy pegou o resto do único armário que permanecia de pé e o arrancou da parede como se arrancasse uma simples folha de um caderno qualquer e ergueu-o sobre a cabeça. Subiu em cima do que restara de uma mobília que jazia quebrada no chão e arremessou com força em direção ao vidro da janela panorâmica, destruindo-o por completo. Pôde-se ouvir segundos depois vindo lá debaixo o som de um impacto seco de algo amassando metal com vidros quebrando e um alarme de carro soando. Amy, por sua vez, arremessou a PokéBola GS para o lado de fora do prédio, o que a fez ouvir um coral de vozes atrás dela berrando um sonoro “NÃO!”.

A garota olhou para trás com uma segunda PokéBola em mãos. Desta vez, a esfera era a bicolor comum, em vermelho e branco.

 

— Bye, bye, panacas! — exclamou a menina com um sorriso enquanto retornava seu Pokémon para a sua cápsula.

 

Sem hesitar, Amy saltou do parapeito da janela e a última visão dos capangas da Equipe Rocket no último andar do prédio foi o corpo da garota despencar em direção ao solo.

A mulher de cabelos ruivos apressou-se em chegar à janela quebrada, mas foi surpreendida quando uma ave de rapina materializou-se no ar e, em alta velocidade, pegar a garota no lombo e em seguida, voar rente ao solo e com o bico, pegar a esfera dourada e prateada antes de este tocar no chão.

Amy e Pidgeot desapareceram por detrás do prédio da Silph Company e não ouviram as maldições e xingamentos que eram lançados aos quatro ventos pela mulher ruiva que ficara para trás.

 

— Idiotas! — ela se virou nervosa para os agentes que estavam com ela, se entreolhando, perdidos. — Vão atrás dela, ela não pode fugir! Nós precisamos daquilo!

Ele já foi avisado, Ariana.

 

Um homem alto e robusto tomou a frente. Ele não se diferenciava dos demais agentes apenas pela calma com que entrava na sala ou pelo ar calculista com que analisava a situação através dos seus olhos azuis, mas também pelo uniforme, branco, como o da mulher ruiva no parapeito. O sol que nascia servia de holofote aquele homem, já que um facho de luz caía exatamente sobre onde ele estava, como se tivesse sido combinado entre ele e os deuses dos céus. A blusa de manga longa estava perfeitamente alinhada, sem falar na calça social, tão bem ajustada que parecia ter sido até mesmo moldada para seu corpo. Quase era possível ver o reflexo de seu belo rosto se ele olhasse para os sapatos, engraxados com primor. Nem mesmo seu cabelo acinzentado tinha um fio sequer fora do lugar. Mantinha o peito estufado e as mãos nas costas, olhando toda a bagunça com atenção, até repousar os olhos em Ariana.

 

— Você não deveria estar aqui — ela disparou para ele.

— É, mas agora estou. Assim como boa parte do prédio — ele respondeu. — Não se preocupe, ela não irá muito longe. Logo menos teremos aquela peste de volta em nossas mãos.

 

Ariana olhou para o céu que começava a se colorir em um tom de rosa.

 

— Ótimo. Por isso eu gosto de você, Archer. Nunca poupa ninguém.

 

...

 

A cidade já começava a ficar intransitável, principalmente naquela hora da manhã em que as pessoas tentavam chegar ao trabalho. Amanda Green tentava se esconder no meio da multidão que acessava o metrô, tentando proteger a bolsa transversal da aglomeração que tentava passar as catracas. Ela sabia que em poucos minutos, os jornais estariam noticiando que o prédio da Silph Company fora invadido e que um móvel fora jogado do último andar do edifício, atingindo o carro de algum trabalhador azarado da empresa. Para evitar problemas, pegar o metrô compensava bem mais do que dar a brecha de sair voando pelo céu sendo vista por testemunhas. Apesar de considerar ser bem mais interessante ser admirada como um Articuno, às vezes compensava mais sair pelo underground como um Dugtrio.

Além do mais, seria muito difícil da Equipe Rocket sair uniformizada daquele jeito pelas ruas atrás dela. Desde que a organização caiu há três anos e os integrantes se viram obrigados a trabalhar no submundo, a polícia abordava qualquer um que vestisse o uniforme preto, mesmo que por brincadeira. Podia até mesmo se acusar de apologia ao crime. Eram novos tempos, não valia o risco.

Amy não baixou a guarda nem mesmo quando finalmente atravessou a catraca e se dirigiu para a plataforma para esperar o próximo trem. Mantinha a mochila transversal firme, segurava-a contra o corpo para evitar que ela se enganchasse nas pessoas ao redor. A passos lentos, ela seguia firme para a passarela em meio ao mar de gente que fazia o mesmo. Estranhamente, parecia haver bem mais pessoas do que de costume. Com certeza, algum problema na linha causara o tumulto.

Não esperava, porém, que tropeçaria em um homem alto que utilizava um sobretudo negro que estava parado no caminho da jovem. Apesar daquela hora da manhã o sol não estar tão forte, foi possível notar que ele também cobria a cabeça com um chapéu fedora.

 

— Opa! Me desculpa aí, tio, eu... — e parou de forma abrupta ao olhar para o rosto dele. O sorriso sumiu de seus lábios e um arrepio lhe percorreu a espinha.

 

Amy já havia visto outras vezes aquele olhar de autoridade. Mas ela jamais imaginaria que o dono por trás dele seria tão ousado. Ele era um homem alto. Mais do que a sua altura, chamava a atenção o seu olhar cansado, como se não tivesse uma boa noite de sono há dias. O homem mantinha as mãos nos bolsos do sobretudo e em nenhum momento fez contato visual com ela — não que precisasse. Ela se sentia constrangida só de estar diante da sua presença. Presença essa que simplesmente anulava qualquer outra ao redor deles, como se simplesmente só existisse os dois ali presentes.

 

— Amy... — chamou o homem. A voz grave ressonando baixo, só para ela ouvir.

 

A adolescente respirou fundo e olhou ao redor. Notou outras pessoas próximas a ela que, aparentemente, também esperavam o próximo trem. Algumas delas utilizavam boinas. Boinas essas que ela sabia de onde vinham. Droga. Ponto para eles. Procurou os painéis no teto que mostrava quanto tempo restava para a chegada da próxima locomotiva: Vinte segundos.

Ela olhou para o homem de sobretudo negro ao lado dela. Entre eles, dois homens de boina que os comprimiam, impedindo a passagem. E não era pelo fato da estação estar lotada.

Pelo menos a especialidade dela era dar trabalho às pessoas.

 

— Sim...? — ela respondeu de forma meiga e com um sorriso travesso, justamente para provocar o homem enquanto tentava ganhar tempo.

— Você vai mesmo abandonar a Equipe Rocket? Eu confiei em você.

— Ora titio... Você não imaginou mesmo que eu ia ficar com um bando de otários como vocês, né? Sou muita areia pra esse caminhãozinho!

 

Amy notou que Giovanni pareceu desconfortável com a resposta, mexendo o pescoço levemente de um lado para o outro.

No painel, quinze segundos para o próximo trem.

 

— Amy, apenas devolva o que você pegou e retorne imediatamente para seu posto na organização. Já chega dessas brincadeiras imaturas!

 

O sussurro ressoou como uma ameaça. Nove segundos para o próximo trem. Já era possível ouvir sua aproximação com os freios sendo acionados.

 

— Parece que não temos mais tempo, titio — respondeu Amy. — Você sabe que eu adoro um pequeno desafio, mas fica pra próxima.

 

Cinco segundos. O trem vai desacelerando e a composição finalmente vai se deslocando até o fim da plataforma.

Quatro segundos. O cérebro de Amy começa a processar as coisas de forma tão rápida que as coisas ao seu redor parecem desacelerar, como o trem a alguns poucos metros a sua frente.

Três segundos. O trem para completamente e as portas começam a se abrir.

Dois segundos. Ela sente alguém pegar em seu ombro para impedi-la de se mover em direção ao trem. Não é Giovanni.

Um segundo. Ela resolve agir.

 

— ASSÉDIO! ESSE HOMEM ESTÁ ME ASSEDIANDO!

 

O berro que Amy soltou foi o bastante para que dezenas de pessoas olhassem em direção a ela, o que, por um breve instante, foi o suficiente para fazer com que seja lá quem fosse seu captor tirasse as mãos de seus ombros, permitindo que ela se agachasse e desse alguns passos engatinhados para a frente, o bastante para chegar até a porta do metrô e entrasse no vagão.

Ao olhar para a janela, viu Giovanni afastando-se em direção às catracas de saída enquanto guardas da estação tentavam abrir espaço entre as pessoas para conter o tumulto que se iniciara. Um dos homens de boina estava sendo segurado por outras quatro pessoas que, apesar de já não ser possível ouvir o que diziam, pelas suas expressões, com certeza tiravam satisfações com ele.

Um sinal sonoro apitou no vagão. As portas se fecharam e o trem começou a tomar velocidade rumo à próxima estação. Amy, sentindo que a qualquer momento seu coração iria sair pela boca, cruzou seu olhar com Giovanni pela última vez quando o trem virou o túnel subterrâneo em direção à Estação de Pewter.

Do lado de fora, a manhã brilhava límpida, sem nenhuma nuvem no céu. Giovanni, com seu chapéu fedora e sobretudo esvoaçante, seguia pela calçada sendo seguido por uma terceira pessoa, que removeu a boina e a jogou em uma lata de lixo próxima.

 

— Chefe, devemos dar um jeito de segui-la?

— Não — respondeu Giovanni de forma seca, como querendo se desviar do assunto. —Com certeza nós iremos reencontrá-la. Ela virá até nós. E eu mesmo ensinarei uma lição a ela. Amanda Green não sabe com quem está mexendo.

 

O homem assentiu com a cabeça e virou a esquina na próxima quadra enquanto Giovanni seguiu a calçada, rumo ao desconhecido.

 

***

 

Os jornais locais até informariam sobre os eventos ocorridos no prédio da Silph Company, mas sem dar a atenção devida para o evento, classificado apenas como um “caso sob sigilo policial”, pois naquela manhã seria transmitido do Planalto Índigo uma batalha emblemática que era o assunto do momento. O Desafio ao Campeão, como foi chamado, exibiria a batalha do Líder atual da Liga Pokémon, Gary Carvalho, que estava invicto há três anos contra um desafiante misterioso. Havia apostas de que o tal desafiante era Lance, o antigo campeão que agora estava retornando ao posto, mas o mistério por trás da identidade verdadeira do treinador era o que causava frisson entre todos.

O campo de batalhas era no interior do castelo construído no topo da montanha que dividia duas regiões, dois países distintos: Kanto e Johto. O castelo era enorme, erguido por entre as montanhas que formavam as principais cordilheiras da região. As muralhas de pedra que formavam suas colunas robustas eram preparadas para resistir tanto à passagem do tempo do exterior quanto aos intensos combates que aconteciam no interior da construção. Ao passar pelos grandes portões principais, um grande salão amplo com um imenso, largo e grosso tapete vermelho convidava os treinadores a repor itens essenciais com quiosques de lojas de departamentos conhecidas ou recuperar a energia dos Pokémon de sua equipe com a filial local do Centro Pokémon. Dividido em alas, cada área da Liga Pokémon era construída em um andar diferente com campos de batalha diferentes e a batalha contra o Campeão costumeiramente era no penúltimo andar do castelo, em um grande salão com corrimões dourados que guiavam a um campo de batalha grande, contornado por plataformas que emitiam feixes de luz que faziam parte do grande evento, o espetáculo conhecido como batalha Pokémon.

De um lado do campo, um rapaz de cabelos castanhos cujos fios eram arrepiados para cima e para os lados, dando-lhe uma expressão enérgica, apesar da expressão séria e exausta. A camiseta estava encharcada de suor e a capa cinza que vestia demonstrava estar pesada sob seus ombros. Do outro, um homem ruivo que também ostentava um visual parecido: Cabelos arrepiados e uma capa que esvoaçava energicamente, como asas prestes a alçar vôo. O blazer laranja que usava em cima da camiseta preta fazia parecer que o homem trajava pele de dragão, cujas escamas brilhavam ao refletir os holofotes dispostos no campo de batalha. A máscara que cobria seu rosto se assemelhava ao rosto de um Dragonair coberto de cristais. Ele com certeza exibia pompa.

Na televisão, a narração era dada por uma dupla de comentaristas. O primeiro homem descrevia as ações de forma enérgica.

 

— O atual campeão já teve quatro dos seus seis Pokémon derrotados, está suando para manter seu Blastoise de pé! Do outro lado da arena, o desafiante vindo da Cidade de Blackthorn mantém em pé seu segundo Pokémon, Dragonite, que não dá sinais de que cairá tão cedo! Que batalha intensa, senhoras e senhores!

— Realmente, Don, dá pra ver que o atual campeão não estava preparado para as estratégias que o desafiante trouxe para essa batalha — comentou a segunda voz, analítica, aparentando estar mais tranquilo do que o colega.

 

Milhões de pessoas assistiam a batalha ao vivo pela televisão em diversas cidades pelo país. Inclusive no interior de Johto, numa cidadezinha chamada New Bark, que diferente de muitas capitais, não tinha muito movimento, sequer turistas. Ao invés de caos e buzinas em engarrafamentos, a paz e a tranquilidade reinavam em absoluto naquele pedacinho de chão.

Era tudo tão tranquilo que naquela hora da manhã havia poucos estabelecimentos abertos. Entre os endereços arborizados com calçadas curtas beirando as ruas de paralelepípedo, casas baixas com muros coloridos, portas de madeira e janelas floridas, podia-se ver o Mercadinho do Antônio, com frutas verdinhas e frescas expostas para o lado de fora, recém-colhidas; a padaria da Senhora Kim, que abria todos os dias pontualmente às seis horas da manhã com a primeira fornada já assada e, claro, o Bar do Seu Alcides. Diferente da padaria da Senhora Kim ou do Mercadinho do Antônio, sempre impecáveis para receber seus clientes, o bar do Seu Alcides parecia abandonado. A última pintura que ele fez na fachada do estabelecimento foi há pelo menos vinte anos. Em cima da entrada, sequer era possível ler as letras garrafais “BAR DO ALCIDES” em um amarelo berrante que agora estava quase invisível. As portas de correr enferrujadas mantinham aberto o bar que era ponto de encontro na cidade. No balcão que dava de frente para a rua, havia uma estufa de vidro onde eram expostos lanches naturais e salgados de que já estavam ali há tanto tempo que até estavam com aparência esquisita. O balcão de mármore ainda resistia ao tempo, apesar de ter tempo que não recebia uma boa limpada. Crostas de sujeira se impregnavam em cada canto possível entre os azulejos trincados da decoração e os bancos de alumínio enferrujados tinham pedaços de material faltando.

Mesmo assim, o ambiente ainda era propício para duas pessoas se reunirem em silêncio enquanto assistiam a batalha sendo transmitida por uma televisão de tubo pequena colocada em um suporte na parte de cima da parede, na parte superior do balcão. Um deles mantinha uma vassoura na mão e olhava de forma estática para a tela. Era um senhor, já por volta dos 70 anos de idade, calvo, cujos cabelos acinzentados nas laterais da cabeça eram desarrumados, como se tivessem o hábito de não serem penteados pela manhã. As roupas surradas mostravam furos causados por traças. Na calça jeans tinham manchas.  Ele, porém, não parecia ligar para o estado das vestes. Afinal de contas, seu Alcides, o dono do bar, já vira tanta coisa acontecer que estar com roupas impecáveis para tocar o estabelecimento com certeza não era uma prioridade.

Em contrapartida, havia um garoto de treze anos sentado em um dos bancos de acrílico. Em relação à bancada de mármore, era baixinho. Seu tórax mal passava da altura do balcão. Os cabelos azul-petróleo eram rebeldes e tinha uma longa franja que chegava à ponte do seu nariz. Usava uma camiseta lisa na cor azul e shorts xadrez amarelo. Seus chinelos balançavam incessantemente no apoio para os pés. Estava tão vidrado na partida que não conseguia colocar na boca o canudo da lata de refrigerante que bebia, então seus lábios formaram um biquinho que não puxava líquido algum.

Quando o Blastoise de Gary foi declarado fora de combate e restava apenas um Pokémon para ele, o silêncio no bar foi quebrado pelo mais velho.

 

—Você acha que ele ainda tem alguma chance de virar o jogo? — perguntou Alcides, apoiado na vassoura, coçando o queixo. — Nem parece que é o mesmo garoto que enfrentou o Red anos atrás.

 

Antes de responder, o garoto puxou pelo canudo uma última vez o que restara refrigerante da latinha. Um barulho alto e irritante surgiu por conta do recipiente vazio, seguido por um breve arroto.

 

— Faz tempo que o “neto do Carvalho” não mostra a que veio. Parece que se esconder atrás do fato de ser parente de alguém importante é o que resta pra ele — disse. — Pode perceber que as últimas partidas dele foram ganhas todas na sorte. Com um campeão desses no cargo, até eu que nunca tive um Pokémon na vida tenho chance de ganhar também.

 

Alcides soltou ar pelo nariz e revirou os olhos. Era engraçado ouvir uma criança daquela idade falar como um adulto, como se realmente soubesse do que estava falando.

 

— E do que você entende de batalhas Pokémon, Ethan?

— Com certeza mais do que você, velhote.

 

Alcides segurou o cabo da vassoura com força, como uma arma.

 

— Ah, pronto! Cadê a sua educação, moleque? Quem você pensa que é pra me chamar de velho! Sua mãe não lhe ensinou a respeitar os mais velhos?

 

Ethan colocou a lata vazia de refrigerante em cima do balcão de mármore, pulou do banco em direção ao chão e encarou o dono do bar com uma expressão debochada e as duas mãos na cintura.

 

— Estamos falando de batalhas Pokémon ou de como a minha mãe me educou? E por que eu não posso chamar o senhor de velho? O senhor é velho, seu Alcides. Quando o senhor nasceu, New Bark ainda era só Bark!

 

Alcides levantou a vassoura e partiu em direção a Ethan, que começou a correr em direção à calçada e entrou de volta no bar tentando se desviar do velho. Ele não admitia crianças mal educadas em seu estabelecimento. E Ethan adorava dar respostas atravessadas a velhos que enchiam o saco.

Uma garota caminhava alegremente pela calçada. Ela parou de forma abrupta ao ver a cena que acontecia no Bar do Alcides. Ethan, ao sair outra vez do bar para correr na calçada, também parou ao dar de cara com a menina. Logo, fechou a cara. Tudo nela o irritava. A começar pelo macacão azul de alças largas cafonas que em nada combinava com a camisa de manga longa vermelho escarlate que ela usava. Sem falar nos cabelos castanhos amarrados em maria-chiquinhas. Quem ainda amarrava o cabelo em maria-chiquinhas e ainda botava uma boina branca em cima? O tipo típico de vizinhas chatas e cafonas. E aquele era exatamente o caso de Lyra, a vizinha chata e cafona de Ethan.

Alcides também parou. Mas no caso dele, foi devido ao cansaço. Um senhor da idade dele não dava conta de correr atrás de pivetes por muito tempo.

 

— Ora, ora, ora... Se não é o Ethan caçando encrencas com o doce Senhor Alcides de novo! — disse Lyra olhando Ethan de cima a baixo com um forte desdém no olhar.

— Ora, ora, ora se não é a trouxa da Lyra de novo — respondeu Ethan de forma debochada.

 

Lyra não gostou do comentário do rapaz.

 

— Que tipo de cavalheiro você é? Não é assim que se fala com uma dama!

— E eu lá tenho cara de Rapidash pra ser cavaleiro? Eu não sou cavalo, eu sou menino!

— Um menino idiota! — exclamou Lyra dando a língua.

 

Ethan fechou os punhos e a cara.

 

— Eu é que não vou ficar aqui sendo obrigado a ouvir esse tipo de absurdo vindo desse tipinho de gente, ta legal? Eu vou pra casa que eu ganho mais.

— Não vai, não! — exclamou Alcides. — Antes você vai pagar o guaraná que você tomou!

— Pendura na conta, velhote — respondeu Ethan já virando de costas, rumo à saída.

— “Pendurar na conta”? Você sabe em quanto já está a sua conta comigo? Hein?

 

Um toque telefônico fora ouvido. Do braço de Lyra, um relógio. Ou o que Ethan pensou que fosse um relógio. Na verdade, era um relógio, mas era também um telefone. E um mapa. E um rádio. Era o Pokémon Gear, um dispositivo eletrônico moderno que estava na moda entre os jovens ultimamente. Jovens que tinham condições de ter um, o que não era o caso de Ethan. Era um dos motivos pra ele detestar Lyra também. Ela sempre aparecia com algum trambolho de última geração para se exibir por aí.

A menina atendeu e a voz do outro lado da linha fez Ethan paralisar onde estava.

 

Lyra? Está me ouvindo? Alô, Lyra?

— Oi, tio Elm! Estou sim.

Você já comprou os pães que eu pedi?

— Ah, ainda não... Eu estou chegando na padaria da Senhora Kim.

Ah, sim... Olha, eu preciso que você retorne o mais rápido possível. Estou precisando de ajuda com alguns Pokémon aqui.

 

Lyra surpreendeu-se quando Ethan brotou em sua frente, agarrando seu braço e levando-o até próximo da boca.

 

— Professor Elm? Professor Elm! Aqui é o Ethan! O senhor lembra de mim?

Ethan? — chamou a voz do outro lado da linha. — O nosso vizinho?

— Sim, eu mesmo! Posso ajudar o senhor com os Pokémon também? Por favor!

Ah, claro que sim! É sempre bom contar com ajuda de alguém disposto como você!

 

Lyra fechou a cara.

 

— Tio, o senhor quer mesmo esse garoto ajudando a gente? — indagou a garota. — Ele nunca foi no laboratório, como que ele pode ajudar? Ele é bagunceiro!

— Eu não sou, não! — retrucou Ethan.

— É sim! — exclamou Alcides no interior do bar.

 

Elm riu ao telefone.

 

Se ele está querendo se aproximar dos Pokémon é essencial começar do básico. E aqui no laboratório, você pode fazer isso com segurança. Estarei aguardando você e a Lyra.

— Mas... Mas... — balbuciou a menina.

Não se esqueça dos pães, querida! — orientou Elm antes de desligar.

 

***

 

O nome “Tohjo” era formado pela última sílaba do nome “Kanto” e a primeira parte do nome “Johto”. O rio que banhava a Rota 27 ganhara esse nome porque, assim como a montanha que dividia as duas regiões, começava em Johto e seguia seu fluxo até terminar na região de Kanto. Assim como seu nome, os dois países vizinhos, unidos pela mesma cordilheira, eram como as sílabas, que mesmo separadas e retiradas de dois nomes distintos, uniam-se sob um só, como o Rio Tohjo e a montanha que o cercava.

Histórias que terminavam em Johto costumavam ter continuidade em Kanto, e vice-versa. Naquela manhã, o sol brilhava a pino, o céu estava azul e não havia qualquer motivo para aquele rapaz estar andando com um capuz pelas margens do rio, em direção a um cais onde diversas embarcações descansavam embaladas pelo movimento das águas. O rapaz não era muito alto, mas andava com rapidez, desviando das pedras e das atenções. Tentava conter, com relativa frustração, que uma mecha do seu cabelo ruivo escapasse pelo capuz preto e entregasse sua verdadeira identidade. É como dizem, as paredes têm ouvidos e as janelas, olhos. Todo cuidado é pouco.

Um velho marinheiro repousava em seu barco pesqueiro. Não era um barco muito grande, mas tinha tamanho bastante para que ele pudesse deitar de corpo rechonchudo inteiro. Mantinha um quepe no rosto para proteger os olhos da forte luz do sol e repousava a cabeça em um grosso blazer branco, talvez usado por ele em dias de navegação no frio.

Portanto, o marinheiro não percebeu o garoto encapuzado aproximando-se de seu barco.

 

— Bom dia — chamou ele, sem obter resposta.

 

O marinheiro levantou no susto quando sentiu algo sendo jogado no barco, entre suas pernas. Agora era possível ver seu rosto. A barba branca por fazer e as olheiras indicavam que aquele homem não dormia há dias.

 

— O que pensa que está fazendo?! — perguntou o marinheiro em um tom de irritação, tentando acomodar a luz do dia através dos seus olhos com o auxílio das mãos.

— Preciso chegar em New Bark e quero que o senhor me leve com seu barco.

— Eu tenho barco pesqueiro, não um iate, moleque. Eu carrego peixes, não gente.

— Eu não estou pedindo um favor. Eu estou pagando para que o senhor me faça um serviço.

 

O homem olhou entre as pernas e viu um maço grosso de cédulas de dinheiro. Rapidamente levantou-se e pegou-o, contando-o imediatamente.

 

— Mas isso é... Muito dinheiro! Onde você conseguiu isso, menino? Você roubou?

— O dinheiro não é roubado, não se preocupe. E então? Vai me levar até onde eu pedi ou não? — perguntou o rapaz encapuzado.

 

O marinheiro olhou desconfiado para o rosto do garoto que pareceu desconfortável, descendo ainda mais o capuz para esconder o que podia da sua face. Mas, após alguns segundos, deu um sorriso amarelo.

 

— Claro, claro, meu jovem. Podemos ir até New Bark sem problemas. Suba, por favor.

 

...

 

O laboratório do professor Elm começava a partir de um casarão com dois andares. A construção era de madeira e o telhado verde trazia um charme rústico que apenas uma construção do interior do país conseguia exibir. A escolha da cor era interessante, pois quase a fazia se fundir e camuflar com as árvores do bosque bem ao fundo da propriedade que beijavam os pés da montanha que se erguia imponente.

Havia um belo gramado amplo onde alguns Pokémon que Ethan não sabia o nome se encontravam brincando entre si. Lyra, como sempre querendo fazer o papel de sabichona, dissera que aqueles Pokémon eram dois Sentret e dois Hoppip. Eram quatro ao todo e, ainda por cima, pareciam formar dois pares de casais. Ethan não conseguiu imaginar um casal de Pokémon namorando. Eles iriam botar o quê? Ovos? Até parece.

Apesar de tudo, ele não conseguiu esconder a euforia de estar vendo Pokémon tão de perto.

 

— Eu só tinha visto esses Pokémon pela Rota 29, quando às vezes eu vou com a minha mãe em Cherrygrove! O único Pokémon que eu convivo é o Sandshrew dela, então é interessante ver outros assim de pertinho!

— Meu tio Elm costuma ter vários exemplares de Pokémon no laboratório por causa das pesquisas dele, eu mesmo já vi um montão deles! — exclamou Lyra estufando o peito e colocando as duas mãos na cintura, em um ar convencido. Ethan fechou a cara.

 

Ah, sim. Era sempre bom mostrar para Ethan que ela sim tinha motivos para se achar superior nas coisas, apesar de saber que as discussões entre eles eram apenas por conveniência. Ele provocava, ela respondia. E assim a relação dos dois foi sendo construída.

Lyra subiu as escadas que davam para a porta principal e tocou a campainha. Chegou a olhar para o interior do local através das amplas janelas e logo abriu um sorriso ao notar alguém se aproximando.

O homem que abriu a porta era alto, magro e esguio. Seus cabelos eram curtos e castanhos e levemente espetados e tinha também um nariz fino cujos óculos de aros redondos deslizava teimosamente por ele. Ethan notou que ele, como um bom cientista, vestia um jaleco branco por cima da roupa, que era uma camiseta verde lisa e calças cáqui que, olhando melhor, era um conjunto bem... Brega.

Ele esqueceu, porém, qualquer detalhe sobre as vestes do professor quando este lhe dirigiu um sorriso simpático.

 

— Bom dia, Ethan! Seja bem-vindo ao meu laboratório. Por favor, entre!

 

A sala de entrada era ampla. As janelas grandes permitiam a entrada de luz natural que mostravam sem nenhum pudor que o interior do laboratório era uma bagunça organizada. Nas mesas de madeira, papéis e pastas jaziam abarrotados, livros estavam abertos com anotações e equipamentos de pesquisa, como tubos de ensaio e aparelhos de medição. Computadores estavam ligados e as telas exibiam arquivos de texto que Ethan não conseguiu ler sobre o que eram. Ele nunca havia visitado o laboratório de Elm, mesmo ficando a poucas quadras de sua casa, então tudo era novidade para o garoto. Seguia o corredor em direção aos fundos da casa e admirava-se com quadros de Pokémon, prateleiras que exibiam PokéBolas dos mais diversos tipos, lombadas de livros gastas, diagramas e anotações em lousas, entre outras coisas.

Mas, talvez a coisa mais impressionante que havia dentro do laboratório fosse uma estátua de médio porte exibida no centro do lugar, após o corredor de imagens e prateleiras. Esculpida na imagem, duas aves distintas que se cruzavam como se estivessem em um confronto no ar. Um dos Pokémon era majestoso, cujas asas enormes lembravam mãos abertas, tinha uma cabeça pontiaguda, pescoço fino e se assemelhava a algo como um pássaro que se fundiu com um dragão. Suas costas mostravam protuberâncias que, junto com seu corpo liso, passavam a sensação de ser uma criatura aerodinâmica.

A segunda figura parecia com uma fênix. Suas asas pareciam um estandarte, como um pavão, possuía um bico curto e uma longa crista emplumada no topo da cabeça e longas penas na cauda. Seu olhar, mesmo sendo apenas uma estátua, eram penetrantes e, de alguma forma, pareciam vivos.

Na base, uma breve inscrição: “Aqui se encontram representados, segundo descrições das antigas populações de Johto, o Guardião dos Mares, Lugia, e o Guardião dos Céus, Ho-Oh”.

 

— O que acha? — perguntou Elm para o garoto.

— ELES SÃO DEMAIS! — exclamou Ethan com um berro, antes de se desculpar, constrangido. — Eles existiram mesmo?

— É o que eu ando querendo descobrir. Lugia e Ho-Oh são objetos de estudo da minha atual pesquisa. Diz a lenda que eles originaram outros Pokémon lendários e sequer precisaram de ovos pra isso — disse o professor.

 

Ethan parou por alguns segundos para refletir sobre o que havia ouvido.

 

— Então os Pokémon são originados... De ovos? — perguntou o menino. — Então quer dizer que quando a minha mãe me faz um pão com ovo... EU TÔ COMENDO UM POKÉMON?!

 

Ethan começou a sentir ânsia de vômito. Elm, no entanto, foi mais rápido.

 

— Não, não! Os ovos que nós humanos comemos não tem nada a ver com os ovos que os Pokémon colocam ao se reproduzir! — E sentiu um alivio imediato quando Ethan respirou fundo e pareceu se acalmar. Pelo menos não haveria vômito de crianças no chão do laboratório. — A reprodução dos Pokémon é a minha área de pesquisa. Gostaria de saber de onde eles vêm.

 

Atrás de Elm, algo chamou a atenção de Ethan. Era uma mesa de madeira próxima a uma janela grande onde três PokéBolas descansavam. Comparado com grande parte do laboratório, era até engraçado ver que aquelas simples cápsulas estavam impecáveis.

 

— E aquilo ali?— perguntou o garoto apontando para as três esferas sobre a mesa.

— São três Pokémon que estou cogitando entregar para três novos treinadores Pokémon.

— Pokémon?! Posso ver? — os olhos do menino brilharam.

— Claro! Lyra, você poderia colocar eles pra fora, por favor?

 

A menina meneou com a cabeça meio a contragosto, mas se dirigiu à mesa e pegou com cuidado a primeira PokéBola, apertando seu botão central de trava.

O primeiro Pokémon era um ser quadrúpede com um longo corpo de pêlos curtos verde-claro e uma única folha verde grande no topo de sua cabeça, que era proporcionalmente maior do que seu corpo. No seu pescoço, havia brotos verde-escuros e encarava Ethan com curiosidade, através de seus grandes olhos vermelhos brilhantes. Um suave cheiro de grama emanava de sua folha.




 — Essa é a Chikorita, um Pokémon do tipo Grama — apresentou Lyra. — Ela usa a folha da cabeça dela pra checar a umidade do ar e a temperatura do ambiente e, além de ser um Pokémon muito gentil, adora absorver os raios do sol. Tipo fotossíntese.

— Caramba Lyra, você realmente entende muito de Pokémon — elogiou Ethan sem perceber o que tinha feito por estar focando a atenção no Pokémon a sua frente. — Prazer em conhecer você, Chikorita!

 

Lyra ficou levemente envergonhada. Resolveu então respirar fundo e seguir para a segunda PokéBola.

Um raio vermelho materializou no chão um segundo Pokémon. Dessa vez, a criatura era bípede e seu corpo era repleto de pêlos azulados na parte superior que também tinham quatro círculos vermelhos em suas costas e, aparentemente, seu ventre e toda a parte inferior de seu corpo não tinha pêlo algum, era possível ver que a sua pele era cor de creme. Seus olhos eram fechados, não se podia ver suas pupilas, mas mesmo assim Ethan teve a impressão de que aquele Pokémon era um pouco mais tímido que Chikorita. Seus braços curtos balançavam de forma inquieta, como se estivesse ansioso para sair logo dali.

 


— Este é Cyndaquil, um Pokémon do tipo Fogo — anunciou a menina. — Ele é um pouco mais tímido. Tá vendo os círculos nas costas dele? É de onde ele consegue explodir chamas para usar seus golpes, como o Ember. Parece até que ele usa uma carapaça de espinhos, é muito legal!

— Olá, Cyndaquil, muito prazer! — cumprimentou Ethan com brilho nos olhos. — Você é muito da hora!

 

Quando a terceira cápsula se abriu, um terceiro Pokémon surgiu completamente diferente dos outros dois. Ele era bastante hiperativo, saltava no lugar sob as duas pernas e parecia muito feliz de estar fora da PokéBola. Ele parecia um crocodilo pequeno e as mandíbulas abertas em um sorriso exibiam dentes afiadíssimos. Ostentava manchas pretas ao redor dos olhos, uma mancha em um formato que se assemelhava à letra “V” em um amarelo chamativo que se estendia até seus bracinhos e uma fileira de espinhos vermelhos nas costas que iam até a ponta de sua cauda.




 — Este é o Totodile, um Pokémon do tipo Água — comentou a menina. — Eu falei pro meu tio que esse Pokémon é completamente maluco... A mandíbula dele é forte porque ele morde tudo e a todos sem exceção. Acho que até o treinador que ficar com ele deve ficar atento pra não ter dor de cabeça...

 

Ethan agachou-se para cumprimentar o Pokémon.

 

— Olá, Totodile. É um prazer conhecer você!

 

O garoto levou a mão para tentar acariciar a cabeça da criatura que tentou abocanhar de brincadeira a mão do menino, que foi pego de raspão.

 

— Ai! — exclamou o garoto.

— Eu avisei... — comentou Lyra para o colega com uma expressão de julgamento.

 

Elm caminhou até a mesa e retornou os três Pokémon para as suas respectivas PokéBolas, colocando-as novamente de forma impecável em cima da mesa próxima à janela.

 

— Fico feliz que você não tenha medo dos Pokémon, Ethan. Parece até que você já lida com eles há algum tempo.

— Eu gosto de Pokémon! Minha mãe era treinadora e tem o Sandshrew dela que mora com a gente. Estar perto de outros tipos me faz imaginar quantos outros Pokémon existem pelo mundo. Seria legal ver todos um dia. Em New Bark não tem nada pra fazer!

 

O professor riu com o comentário do menino.

 

— O mundo Pokémon é muito grande e bem maior do que New Bark. Mas saber que você gosta deles já me deixa tranquilo para contar com a sua ajuda no laboratório.

— Com qual tipo de Pokémon você precisa de ajuda, professor Elm? — perguntou Ethan.

— Ah, sim. São os Pokémon lá do jardim. Vocês poderiam vir comigo, por favor?

 

O trio caminhou tranquilamente pelos corredores em direção à sala de entrada do laboratório. Ethan admirou-se uma segunda vez pela estátua e seguiu com um sorriso no rosto.

No entanto, um barulho de vidro quebrando chamou a sua atenção.

 

— O que foi isso? — perguntou Elm, retornando com os dois jovens para o local de onde tinha ouvido o som do suposto vandalismo.

 

Havia alguém em frente à mesa onde instantes antes, as três PokéBolas de Cyndaquil, Chikorita e Totodile estavam sendo exibidas. Não se conseguiu ver seu rosto, ele usava um capuz preto para esconder sua identidade. Ao ouvir passos se aproximando, logo tratou de voltar por onde tinha entrado: Uma janela grande que dava para o exterior do laboratório.

Foi Ethan quem primeiro viu a figura sair pela janela, mas foi Lyra quem apontou que estava faltando uma PokéBola em cima da mesa, para desespero de Elm.

 

— N-não pode ser! Roubaram um Pokémon! — exclamou o professor em desespero. — Rápido, vamos até o lado de fora para ver se conseguimos alcançá-lo!

 

Mas, quando se deu conta, viu Ethan correr em direção à mesa e pegar uma outra PokéBola. Lyra gritou pelo seu nome, mas o garoto correu em direção à janela e se jogou em direção à rua.

Ele caiu torcendo o pé no processo. Seu pulso arranhou e alguns pedaços de vidro arranharam suas canelas e braços, mas ele pareceu não sentir dor. Viu a figura encapuzada correr em disparada pela calçada e ergueu-se rápido para persegui-la como pôde.

 

— AÍ, DEVOLVE ESSA POKÉBOLA, SEU LADRÃOZINHO SAFADO! — berrou o garoto.

 

Que vacilo. O rapaz encapuzado fora visto.

Ele continuou correndo o mais rápido que pode, abrindo grande distância em relação ao seu perseguidor.

Ethan começou a sentir o peso de não ter um porte atlético. Seu gás estava acabando e ele via o ladrão encapuzado se afastar cada vez mais.

O garoto apertou o botão central da PokéBola e liberou seu Pokémon. Qual foi sua surpresa ao ver Cyndaquil materializar-se em sua frente? O Pokémon aparentou estar confuso.

 

— Cyndaquil, a gente mal se conhece, mas aquele cretino ali acabou de roubar um parceiro seu do laboratório e precisamos dar um jeito nisso! — exclamou Ethan para a criatura a sua frente que pareceu entender a urgência da situação, assentindo com a cabeça.

 

Das costas do Pokémon, uma explosão de chamas ardeu e fez Ethan soltar uma exclamação sonora. Cyndaquil correu em disparada na direção do ladrão encapuzado e chamas ardentes foram disparadas de sua boca.

Acontece que o capuz do ladrão era longo. Vinha até um pouco abaixo de suas coxas e o fogo de Cyndaquil pegou em seu tecido. Levou alguns instantes para que o rapaz percebesse o que aconteceu e, em desespero, removesse-o de sua cabeça.

Foi quando Ethan viu que o ladrão tinha longos cabelos ruivos e lisos, bagunçados pelo capuz que o cobria e pelo vento que soprava. Vestia roupas que se assemelhavam a um uniforme de cor azul-escuro de gola alta e com listras verticais em vermelho na jaqueta do uniforme. A calça estava chamuscada pelo golpe direto que levara. O capuz se desfazia em chamas na calçada e Ethan percebeu que ele era um pouco mais velho e mais alto que ele.

Mas o olhar de ódio que o garoto deu ao encarar Ethan mudou o foco da sua atenção.

 

— Eu vou fazer você se arrepender de ter se metido onde não foi chamado.

 

O ruivo apertou o botão central da cápsula da PokéBola e um brilho vermelho tomou a forma de um Pokémon que fez Ethan e Cyndaquil hesitarem por um instante.

Quando Totodile apareceu, ainda mantinha a postura hiperativa, pulando sobre as duas patas. Mas, ao perceber Cyndaquil e Ethan do outro lado da rua, sua expressão ficou sombria.

Ele estava pronto para o combate.

 Quem é o misterioso ladrão ruivo e qual é o seu objetivo com Totodile? Como Ethan e Cyndaquil se sairão em seu primeiro combate juntos? As respostas virão com as próximas Aventuras em Johto!

 

 

TO BE CONTINUED...




 

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