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Capítulo 57




POKÉMON P.O.V. (Point Of View)

— Vocês têm certeza de que essa é a coisa certa a se fazer, né? — questionava Wobbuffet enquanto via seu treinador afastar-se cada vez mais.
— É necessário sim. Sei que é dolorido pra nós, mas precisamos fazer isso — respondeu Quilava.
— Aceitem que nosso mestre só quer saber da namorada e pronto. Nós apenas somos um empecilho na vida amorosa dele e vocês sabem disso. — Pupitar permanecia de costas, sem fazer qualquer tipo de contato visual com seus companheiros.

Ainda chovia. Cada gota de chuva caía com violência no chão, como se quisesse transpassar o calcário que formava o asfalto pelo qual aquelas criaturas caminhavam, e representasse a tristeza furiosa dos corações daqueles Pokémon, que viam seu agora ex-treinador se afastar para longe deles. Um turbilhão de pensamentos passava pela mente de cada um deles que não sabiam o que fariam dali em diante.

Foi Sandslash quem quebrou o silêncio.

— Eu não acho que a mestra Amy concorde com isso... E ainda acredito que ao notar o que o mestre Ethan fez, ela com certeza será uma das responsáveis por fazê-lo vir atrás de nós.

Wobbuffet concordou balançando a cabeça. Pupitar, no entanto, continuava irredutível.

— Vir atrás de nós... Vocês ainda têm coragem de pensar em voltar a serem treinados por ele? Onde vocês enfiaram o orgulho de vocês? Amigos, ou estamos juntos e crescemos juntos ou nós iremos parar no fundo do poço. E é para onde esse humano vai nos levar.

Sandslash aproximou-se do Pokémon.

— Se nós chegamos até aqui, foi porque nós estivemos juntos e crescemos juntos. Mas não foi sozinho, foi com o mestre Ethan. Apesar de todos os erros dele, nós nunca viramos as costas.
— Mas ele virou as costas pra nós. Quando eu mudei de forma, ele não pareceu ligar. Eu não queria ter evoluído, eu não me sinto confortável nesse corpo, entende? Eu me sinto preso, eu estou preso, Sandslash. E quando eu mais precisei do mestre a quem eu dediquei a minha vida, eu fui completamente ignorado por causa de uma humana... Você sabe o quanto isso doeu?
— Quando o mestre Forrest abandonou seus Pokémon, eles juraram lealdade e foram atrás dele — relembrou Wobbuffet.
— Mas o mestre Forrest pensou que não era digno de treinar Rocky e os outros, é uma situação completamente diferente. — Pupitar encarava seus companheiros esforçando-se para fazê-los entender seu ponto de vista. — Eu não acredito que nosso treinador goste da gente.

A equipe de Pokémon se entreolhou.

— E o que você sugere fazer? — perguntou Quilava.
— Vamos nos tornar mais fortes. Sozinhos — respondeu Pupitar.

Nidorino falou pela primeira vez.

— Estou de acordo. Apesar de que eu ainda acredito que o mestre possa vir a se redimir conosco.
— Eu não sei o que dizer, pessoal... Eu só quero participar de uma boa batalha assim que possível. — Magneton não parecia se incomodar nem com a chuva, nem com a situação.
— Precisamos nos manter juntos. E o nosso dever é ser leal ao nosso mestre, é pra isso que nascemos nesse planeta. — Sandslash olhava cada amigo no olho, falando de forma firme.
— E quando a lealdade não se mostra recíproca? Devemos seguir até o final do abismo e esperarmos ser jogados de lá? — Perguntou Pupitar de forma séria.
— Somos Pokémon, não é? Temos poderes que devemos usar para nos proteger em último caso — respondeu Sandslash.

Parece que pela primeira vez naquela discussão, todo o grupo concordava.

***

— Meu filho, você é um idiota! — Aquelas palavras ecoaram pelo corredor. Ethan sentia suas orelhas arderem, queimarem como se estivessem pegando fogo. — Como assim você abandonou seus Pokémon? Moleque, eu não te criei pra ser um frouxo!

A voz zangada de dona Marieta falava havia dez minutos ininterruptos pelo telefone.  Ethan apenas encolhia os ombros enquanto ouvia o sermão, sem chance de dar resposta. Quando sua mãe parou para respirar, o garoto achou uma brecha para se defender.

— Eu só não quero ser um treinador fracassado, mamãe.

Marieta friccionava de forma circular a ponte do nariz com o dedo indicador e polegar enquanto era possível ver uma veia pulsando em sua têmpora. Ela deu um suspiro profundo e virou para a tela, encarando o garoto.

— Meu filho, você não nasceu pra ser fracassado. Você pode ser o que você quiser, você sempre terá o meu apoio. Mas, sempre se preocupe em fazer as coisas direito. Não foi pra isso que você saiu de casa, e não foi pra isso que eu deixei você sair de casa. Se você quiser voltar pro colo da mamãe, não vai ter problema nenhum, mas lembre-se de fazer isso com consciência, com plena convicção. Abandonar seus Pokémon não é a melhor maneira de fazer isso e eu só não te dou uma surra porque Blackthorn ainda fica a alguns quilômetros de New Bark. Dê um jeito de pedir perdão aos melhores amigos que você tem e nunca mais, e repito, NUNCA MAIS faça uma burrada dessas de novo, você tá me entendendo? Não vai ter cidade que separe sua bunda do meu chinelo, moleque! Agora dá licença que o meu jantar está quase pronto. Beijos, te amo. Corrija sua cagada.

E desligou o telefone.

Ethan ainda ficou encarando a tela por alguns instantes antes de suspirar e levantar do banquinho almofadado onde estava. O garoto então se dirigiu para o lado de fora do Centro Pokémon e olhou para o céu, coberto de nuvens espessas que ainda derramavam gotas de chuva em seu rosto. A grossa garoa não impediu que Ethan caminhasse pelas ruas, mesmo com a ausência de um guarda-chuva. As pessoas que passavam por ele não pareciam se preocupar com isso, estando mais focadas em chegar às suas casas quentinhas e descansar de um dia tedioso e feio.

O principal pensamento do garoto era saber como ele reencontraria seus Pokémon. Ele nunca havia estado em Blackthorn antes, então, não conhecer a cidade era um fator que atrapalharia logo de cara. Também não poderia contar com a polícia, afinal, deveria ter alguma lei no Mundo Pokémon que mencionava ser crime abandonar uma equipe inteira e ele não gostaria de passar o resto de seus dias dentro de uma cela fria e suja. Se bem que Forrest também estaria com ele, não é? 

Forrest abandonou seus Pokémon também e não foi crucificado como Ethan está sendo. Como o mundo é injusto...

A chuva começou a cair mais forte. Ethan caminhava sem rumo nas ruas da cidade até ouvir seu nome sendo chamado por uma voz conhecida.

— Ethan! Que engraçado nos encontrarmos novamente!

E aquele timbre de voz fez o garoto, inconscientemente, se encolher entre os ombros e fazer uma careta.

Ao virar-se, deu de cara com Eusine, com um guarda-chuva, caminhando em sua direção. O garoto se aliviou ao ver que, ao menos daquela vez, ele não estava seminu — o que fez o garoto dar um suspiro de alivio.

— E aí, cara... Tudo bem?
— Eu que te pergunto. Você sabe que tá chovendo, né?
— Não fazia a menor ideia... — respondeu Ethan em um tom irônico.

Eusine pareceu não se importar e deu uma risadinha.

— Tenho um lugar pra nós. Se importa? — perguntou o homem estendendo o guarda-chuva para que o garoto pudesse se proteger.

Caminharam por alguns minutos em silêncio pelas ruas de Blackthorn, até que Eusine guiou Ethan para uma barraquinha amarela em uma das esquinas que aos poucos diminuía o fluxo do tráfego de veículos e pedestres. O cheiro de salsicha impregnava o ar e o vapor até que causava certo conforto no menino, que estava encharcado. O vendedor entregou dois cachorros-quentes para Eusine, que estendeu um para Ethan, que ergueu a sobrancelha de forma surpresa.

— Pega. Você deve estar com fome.
— Eu não trouxe dinheiro...
— Já paguei, relaxa.
— Como eu vou poder pagar você depois?
— Melhor comer antes que esfrie.

Ethan encarou Eusine por alguns segundos antes de finalmente ceder. Discutir com o rapaz era claramente lutar uma guerra em que sairia derrotado.

Os dois caminharam até a proteção de um toldo que fazia fachada de uma das lojas próximas e sentaram-se no chão. Calados, os dois terminaram de degustar o lanche e soltaram um suspiro de satisfação. Foi Eusine quem puxou assunto.

— Então, de barriga cheia, eu posso te perguntar: Por que você tava andando por aí na chuva? Deve ter sido alguma coisa bem complicada pra tirar você do sério assim.

Ethan encarou Eusine com curiosidade. Era estranho o homem querer saber sobre o que estava acontecendo na vida do garoto, afinal, eles mal se conheciam.

— Olha, Eusine... Sem querer ofender ou ser grosseiro, mas por que você se importa?
— Você me lembra muito um amigo meu. O jeito de andar, a franja despenteada... Mas principalmente seu boné, do mesmo modelo e marca que ele utilizava quando viajávamos juntos. Toda vez que eu te vejo, eu me lembro dele.

Houve um momento de silêncio antes de Ethan retomar a conversa.

— O que aconteceu com o seu amigo?
— Sabe que eu não sei? Deve ter morrido. Seria bom.

Ethan arregalou os olhos.

— Ué! Por quê?
— Não desejo o mal dele, mas é porque depois que terminamos nossa jornada Pokémon e eu passei a pesquisar ainda mais sobre o Suicune, ele desapareceu. Deve ter se mudado pra outra região do mundo, feito jornada lá. Ele nunca foi do tipo que aceitou ficar muito tempo parado, tava sempre procurando o que fazer, sempre a encontrar um novo desafio para se superar. Apesar do temperamento forte dele, eu sei que ele era uma boa pessoa. Sabe, garoto, sempre que puder, valorize os amigos que você tem. Quando ninguém estiver presente, tenha certeza que eles estarão lá.
— Sabe que você é a segunda pessoa a falar de amizade comigo hoje?
— Que pena, não gosto de chegar depois.
— Eu acho que sou um amigo muito ruim.

Eusine deu um sorrisinho.

— Por que acha isso?
— Eu abandonei meus Pokémon, por causa disso meu melhor amigo e minha namorada me odeiam.
— Por que você abandonou seus Pokémon?
— Porque eu sou um péssimo treinador. Eu mal consegui controlá-los na minha última batalha de Ginásio! Eu devia era nunca ter saído de casa.
— Voltar pra casa vai te fazer corrigir seus erros e se tornar uma pessoa, amigo, treinador e namorado melhor?
— Não. Por isso eu ia pra casa, assim eu me escondia debaixo da cama pra sempre.
— Fugir dos seus problemas não vai resolver nada. Eles ainda vão existir, e você vai continuar sendo fraco.
— Obrigado pelo apoio — disse o garoto com ironia.
— Ficar bravo não vai resolver nada também. Você sabe que eu tenho razão.

Ethan suspirou.

— Eu gostaria de dizer que você está errado...
—Sabe de uma coisa? Nós até que somos bem parecidos.

O garoto arregalou os olhos.

— Somos? Por quê?
— Porque nós dois, quando colocamos algo na cabeça, não tiramos de jeito nenhum. Eu, desde criança, sempre fui apaixonado pelo Suicune. Desde então, passei a acreditar que um dia irei capturá-lo e treiná-lo, ele será só meu. A lenda desta criatura não é fascinante por si só? Três Pokémon que morreram dentro da Torre Queimada, sendo ressuscitados pelo benevolente Ho-Oh, o grandioso pássaro dos céus, e que agora despertos com certeza estão à procura de um mestre que possa treiná-los e torná-los mais fortes, enquanto aguardam o retorno da criatura que os criou para que pudessem banir todo o mal do planeta. Você deve imaginar que todos aqueles que eu um dia conheci duvidaram deste meu sonho, não é?

Ethan riu.

— Admito que eu também sou bastante cético quanto a isso. Poxa vida, é um Pokémon Lendário! Nas vezes que o encontramos, você não pensou duas vezes em querer passar por cima de nós só para poder ter uma chance de batalhar contra ele!
— Exato garoto. Não leve para o lado pessoal, mas não é só você. Eu passaria por cima do mundo, se pudesse, só para conseguir capturar esse Pokémon. Suicune é meu sonho de vida, e eu, apesar de reconhecer certos exageros nesses longos vinte e cinco anos que o persigo não me arrependo nem um dia sequer de ter lutado para que isso pudesse se concretizar.

O garoto permaneceu em silêncio por alguns instantes, refletindo sobre o que Eusine estava dizendo. Apesar de Ethan o achar um completo lunático, ele até que era inteligente.

— Posso te fazer uma pergunta? — Eusine questionou a Ethan.
— Pode.
— Você disse que abandonou seus Pokémon porque você não conseguiu vencer sua batalha no Ginásio... Sua equipe por acaso tem alguma culpa nisso ou a responsabilidade por não ter preparado seus companheiros da forma devida é toda e exclusivamente sua?
— Não necessariamente... Mas eu ouvi hoje na sauna que existe um certo tipo de treinamento Pokémon em Hoenn que o treinador abandona seu Pokémon quando ele perde. Eu acho que me levei pela frustração e acabei fazendo igual...
— O método Nuzlocke é a coisa mais ridícula que eu já ouvi na minha vida.

Ethan encarou Eusine como se tivesse levado um soco.

— Você conhece?
— Claro que sim! Eu tenho contatos na Liga Pokémon, garoto. Eu acho que quem segue o Método Nuzlocke é um fraco. Você ter que abandonar seu Pokémon por que ele perdeu uma vez? Isso é ridículo! Eu acredito que quando se perde uma batalha, não se perde a guerra. Você e sua equipe devem se fortalecer para que se possa vencer na revanche. Perder não é ruim, ruim é agir como um derrotado.

Ethan encarou a palma das próprias mãos antes de se levantar bruscamente e sair correndo. Eusine permaneceu sentado com seu sorrisinho de canto de boca.

— Esse garoto ainda vai pegar uma gripe se continuar insistindo em sair sem guarda-chuva...

***

As ruas da cidade de Blackthorn ficavam cada vez mais desertas. A cada passo que o garoto dava em direção ao Ginásio, ele olhava para os lados, procurando qualquer sinal visual de seus Pokémon, mas não havia um qualquer. O garoto arfava de cansaço, arqueou-se e repousou as mãos nos joelhos, enquanto sentia o suor escorrer pelo rosto e um calor invadir o interior de seu corpo. O clima úmido e frio que fazia na cidade até tentava aliviar a temperatura que o garoto sentia, mas a adrenalina não o permitia descansar. Ele ergueu-se e olhou para os lados mais uma vez, mas nenhum de seus Pokémon parecia estar próximo. Ouviu passos correndo em sua direção e deparou-se com jovens treinadores que mantinham na face um sorriso de satisfação. Enquanto Ethan recuperava o fôlego, não pôde deixar de ouvir a conversa que aqueles treinadores mantinham entre si de forma apressada.

— Cara, esses Pokémon selvagens da Rota 45... De onde será que eles surgiram?
— Nem sei, cara, mas se os boatos estiverem corretos, eles estão lá. Tem até Quilava! Nossa, imagina um Typhlosion no meu time? Eu vou arrasar na Liga Pokémon!

Ethan arregalou os olhos.

— Não pode ser...

E lutando contra a exaustão, o garoto correu tentando alcançar os dois treinadores que passaram por ele há poucos instantes.

***

A Rota 45 não se diferenciava muito da paisagem montanhosa que era predominante naquela parte da região de Johto. Ela era construída por entre uma cordilheira que separava o norte da região do sul, onde cidades costeiras como New Bark e Cherrygrove foram construídas e que eram destinos inevitáveis para os viajantes que prosseguiam por ela, afinal, o caminho em declive era o último passo para onde os treinadores Pokémon costumavam passar antes da Liga Pokémon, que acontecia no continente vizinho, Kanto.
Por outro lado, havia a entrada para a Caverna Escura, um caminho por dentro da montanha que levava à Violet em meio a encontros com Pokémon raros. Àquela hora da noite tais caminhos costumavam estar tranquilos, mas naquele dia em específico o movimento era grande. Treinadores e Pokémon vasculhavam cada canto da rota à procura de raríssimas criaturas que de uma hora para outra, apareceram nas redondezas. As águas do rio que fluíam da cidade de Blackthorn às margens dos caminhos sinuosos eram a única fonte sonora naquela área. O silêncio era total para que fossem localizados os Pokémon que os últimos boatos diziam que podiam ser encontrados ali.

— Encontrei! — exclamou um dos treinadores, apontando para Quilava, que tentava se esconder por entre a vegetação.

O grupo correu para onde o garoto apontava. O Pokémon de fogo fora acuado com os humanos em volta, sem ter para onde correr. Acendeu as chamas em suas costas como forma de ameaça, mas não pareceu assustar os treinadores. Um ThunderShock rasgou o céu, chamando a atenção de todos.

Faísca se aproximava lentamente. Apesar de sua expressão sempre se manter a mesma, com seus três olhos encarando os oponentes sem demonstrar qualquer tipo de emoção, correntes elétricas faiscavam dos imãs nos extremos de seu corpo — ele estava furioso. Sand, Wobbuffet e Imperador o acompanhavam caminhando em posição de ataque, prontos para defender Quilava de qualquer tentativa de ataque.

Um dos treinadores, porém, não pareceu temê-los.

— Aí galera, se combinar certinho, todo mundo aqui hoje vai descolar um Pokémon maneirão pra equipe... — sorriu maliciosamente, sacando uma PokéBola do bolso.

Em um piscar de olhos, uma dezena de Pokémon atacavam por todos os lados. Quilava e seus companheiros tentavam se defender da maneira que conseguiam, um tentando cobrir as desvantagens do outro. Os Pokémon disparavam seus golpes e se preocupavam apenas em não atingir uns aos outros em fogo amigo. Apesar da desvantagem numérica, os oponentes iam recebendo danos consideráveis em seus corpos, para angústia e raiva de seus treinadores.

— Granbull, faça picadinho desses imbecis! — bradou um dos treinadores.
— PAREM!!! — berrou a voz de Ethan.

Por alguns segundos, o tempo parou. Ao se virarem, os treinadores e seus Pokémon depararam-se com o garoto quase desmaiando e arfando de cansaço.

— Esses... São... Os meus... Pokémon!
— Aí otário, se quiser capturar eles, você vai ter que auxiliar na batalha como todo mundo, sacou? — comentou uma treinadora.

Ethan reuniu todo fôlego que ainda tinha e tentou ignorar a forte pontada que sentiu na região do diafragma e correu na direção da vegetação onde a aglomeração permanecia. Furou o bloqueio humano e parou de costas para Quilava, de frente para os treinadores, abrindo os braços para protegê-lo.

— Ninguém... Chega... Perto... — murmurava o garoto.
— Aí, maluco, o que você tá pensando? — um dos garotos vociferou de forma ameaçadora para Ethan. — Você quer morrer?

Quilava e os outros Pokémon da equipe encaravam Ethan incrédulos. Aquele garoto humano, poucas horas atrás, havia dispensado-os. Agora, estava ali, defendendo-os de outros treinadores que queriam capturá-los.

— Ei, eu te conheço! Você não é aquele moleque do Lago dos Magikarp? Você apareceu na TV! — exclamou uma das treinadoras.
— Pode crer! Você tava na treta contra os Rockets junto com a Elite 4 também, em Mahogany, semana passada! — lembrou outro garoto.
— Agora tudo faz sentido... Esses Pokémon são seus!

Ethan confirmou com a cabeça.

— Você abandonou eles? — Os questionamentos continuavam.
— Eu cometi um erro. Eu joguei nas costas deles uma responsabilidade que era só minha — respondeu o garoto de forma firme.

Um dos garotos aproximou-se de Ethan e cospiu em seu rosto.

— Você é um treinador repugnante! Seus Pokémon merecem coisa melhor do que um lixo como você, conosco com certeza eles serão devidamente treinados como merecem.

Ethan passou o antebraço direito no local da cospida e deu um sorriso sádico.

— Só por cima do meu cadáver.

O garoto socou o treinador com toda força que conseguiu reunir. Logo, os demais partiram para cima e se juntaram à pancadaria. Ethan era um só e começou a apanhar daquela dúzia de outros treinadores que o espancavam cheios de raiva, um deles o socou e o derrubou no chão na medida que outros dois começaram a chutá-lo nas costelas e suas partes baixas. A briga então se estendeu para os Pokémon que trocavam golpes entre si, uma confusão generalizada tomava conta da Rota 45.

Quilava correu para  tentar defender seu treinador, mas os demais Pokémon fizeram um cerco contra e o impediram de continuar. Sandslash tentou furar o bloqueio e acabou sendo agredido por um Hitmontop. Magneton tentou paralisá-los até que se acalmassem, mas a presença de um Donphan dificultava a situação.

Os arruaceiros que se declaravam como treinadores só pararam a investida quando puderam ouvir a sirene da polícia ressonar cada vez mais próxima. Eles pararam de agredir Ethan, largando-o sangrando e quase inconsciente no chão para desaparecerem dali antes que as autoridades chegassem e começassem a fazer perguntas com risco de os abdicar de seus títulos como treinadores.

— Isso ainda não acabou, seu bosta. A gente vai se ver de novo — disse um dos rapazes antes de chutar com força a cabeça do garoto, desmaiando-o em definitivo.


TO BE CONTINUED...

Notas do Autor (Capítulo 56)



Bem, geralmente as notas do autor a gente costuma acessar depois que lê o capítulo. Há spoilers, então, não digam que eu não avisei!


Quem diria que, depois de algum tempo, teríamos  de volta tanto um capítulo novo, quanto as Notas do Autor. Oficialmente, temos o ano de 2020 inaugurado aqui no blog. Confesso que é sempre uma alegria quando eu consigo trazer capítulo novo, porque apesar de eu gostar de escrever, eu tenho uma séria dificuldade em manter o foco, afinal, é tanta coisa pra fazer que eu acabo deixando tudo pra depois...

Nesse capítulo nós temos a estimada a última Batalha de Ginásio do Ethan. Mas, diferente do que talvez vocês estivessem esperando, ela não é o foco do capítulo. Ele, inclusive, foi escrito na casa do Canas, nas férias de fim de ano enquanto jogávamos Pokémon Shield e ele tirava onda com a minha cara porque eu apanhava pra zerar Zelda: The Wind Waker. Em dois dias, tomamos vergonha na cara, saímos da procrastinação e resolvemos escrever. Ele pra Matéria e Sinnoh 2.0 (sim, eu faço ele escrever). Foi ele que batizou o nosso novo personagem, Duster, rival do Ethan.

Falando em Ethan... Que cagada a dele, hein? Ele tinha só UMA função e acabou criando um ENORME problema de relacionamento (definitivo?) com sua equipe de Pokémon. Assim, foi-se a oportunidade que ele tinha de conseguir sua última insígnia e adia, por tempo indeterminado, a vaga pra entrar na Liga Pokémon. Afinal, parece que a Clair só vai lutar com ele de novo quando, e se, o Ethan recuperar a confiança de novo de seus Pokémon.

E, cá pra nós, o tapa que ele tomou da Amy foi muito bem merecido. Ele perdeu os Pokémon, perdeu a namorada, os amigos e agora, tá sozinho pelo mundo. Até quando ele vai segurar a barra? Não faço a menor ideia...

Vamos descobrindo juntos o desenrolar de toda essa problemática...

Espero que você continue se surpreendendo!

See ya!

Capítulo 56





Cidade de Blackthorn, Centro Pokémon, quarto 25, sexta-feira, dia 7 de Junho, 11:24h.

Ethan continuava a olhar as seis PokéBolas em cima do criado-mudo ao lado de sua cama. Milhares de coisas passavam em sua cabeça, mas a principal de todas elas era: Como ele havia perdido o controle de seus Pokémon? Por que eles passaram a não obedecê-lo? O que ele havia feito de errado? O pior de tudo isso era saber que era em Blackthorn que seu último desafio se encontrava antes de enfrentar a Liga Pokémon no começo do ano que vem. Justo agora, seus companheiros insistiam em não lhe dar ouvidos.

A última vez que o garoto ficara dessa maneira havia sido há algumas semanas, quando enfrentou a Equipe Rocket em seu esconderijo subterrâneo na Cidade de Mahogany, onde viu Pryce quase perder a vida. Apesar da vantagem em saber que a líder do Ginásio de Blackthorn, Clair, havia lutado a seu lado naquele dia e saber que ela utilizava o Tipo Dragão, o fato de não ter o controle de seus Pokémon há alguns dias o deixava preocupado.

Será que ele seria deixado na mão justo naquele momento crítico?

O garoto suspirou, levantou-se da cama, recolheu suas PokéBolas e retirou-se do quarto, deixando-o completamente vazio. Amy e Forrest não se encontravam presentes ali desde as primeiras horas da manhã, mas Ethan estava com a cabeça cheia demais para se importar para onde seu amigo levava sua namorada.

Ethan ainda calçava seus chinelos brancos e pela primeira vez não se importou em sair com os cabelos desarrumados do Centro Pokémon — o que seria motivo de sermão por parte de dona Marieta, caso ela visse aquilo. A cidade era cercada por montanhas, o que a fazia ser tocada constantemente pelo vento que soprava para o sul, onde em uma breve olhada no mapa geográfico da Região de Johto, podia-se notar a localização da Cidade de New Bark, terra natal do garoto, e de onde se dizia partir para as demais localidades da região, como um grande funil natural. Blackthorn ainda mantinha as características histórias do vale onde foi fundada, como um grande rio que cruzava a cidade de um canto ao outro, acompanhado por uma vasta floresta que rasgava as construções de pedra e granito da cidade e onde os prédios não eram mais altos do que as montanhas que a cercavam. O sol podia ser visto de qualquer lugar e sempre havia uma árvore em cada esquina para aliviar o calor que fazia.

Porém, não seria a beleza da cidade histórica ou o belo dia quente que faria Ethan mudar seu humor.

O garoto caminhava seguindo as placas que indicavam a direção da Toca do Dragão, um ponto turístico famoso da cidade que reunia os maiores treinadores de Blackthorn. Todos eles exibiam seus Pokémon do Tipo Dragão e treinavam juntos, disputando e medindo forças como adolescentes inconsequentes bancados pelos pais. Ao perguntar para Forrest o que ele poderia fazer para se reaproximar de seus Pokémon, a resposta foi simples.

— Você já pensou em fazer um programa junto com eles?

O garoto olhou o moreno com uma expressão confusa. Sentou-se na cama em seu quarto no Centro Pokémon e olhou para os amigos. Amy estava debruçada na janela, olhando a chuva leve que caia e as nuvens cinzentas que cobriam as montanhas que enfeitavam a paisagem para todo lugar que se via. Forrest permanecia deitado, de barriga para cima e as mãos cruzadas, debaixo de sua cabeça.

— Como assim?
— Você só tem usado seus Pokémon em batalha ultimamente. Quando foi a última vez que você, sei lá, brincou com eles? — questionou Amy.

Ethan não respondeu.

— Você reclama que seus Pokémon se tornaram desobedientes, mas você mesmo não parece se esforçar para ganhar o respeito deles — comentou Forrest.

O garoto cruzou os braços, incomodado com o comentário.

— E o que vocês querem que eu faça?
— Não somos nós que temos que resolver isso por você, cara. Mas, eu posso te dar uma luz. Sei que aqui na cidade tem um lugar próximo do Ginásio chamado “Toca do Dragão”. Por que não passa um tempo com seus Pokémon lá? Fiquei sabendo que eles têm umas saunas maneiras — disse o moreno.

Perdido em pensamentos, Ethan mal notou quando alcançou a entrada da Toca do Dragão. Havia duas entradas principais: A maior delas, por onde Ethan deveria entrar, era a exclusiva dos visitantes, onde a fila de pessoas dentro das lojinhas de lembrancinhas e apetrechos se estendia por alguns metros. A segunda, era uma porta menor, protegida por dois Machokes, que impediriam qualquer pessoa não-autorizada a prosseguir pelo o que for que estivesse atrás dela.

O garoto entrou pela porta principal e se orientou pelas placas em direção à sauna. Viu que estava no caminho certo quando percebeu uma nuvem de vapor tomando conta dos corredores. Para se usar a sauna, o usuário tinha de ir a um balcão do lado de fora das salas onde se encontravam as saunas propriamente ditas. Apesar de ter em um primeiro momento se assustado com o valor da sessão, o garoto retirou a carteira e efetuou o pagamento.

A recepcionista o orientou a ir tirar as roupas em um vestiário próximo. Ethan assim o fez, saindo da cabine apenas sem a camiseta, vestindo seus shorts e o par de chinelos brancos.  Foi alertado pela recepcionista de que teria de entrar no espaço descalço, então o garoto colocou o calçado nas sapateiras disponíveis próximas à porta. Ethan respirou fundo e sacou suas seis PokéBolas do bolso. Quilava, Sandslash, Wobbuffet, Pupitar, Magneton e Nidorino se encararam antes de olhar para seu treinador que os observava ansioso.

— Bem, trouxe vocês aqui para que possamos relaxar. Afinal, a última batalha de Ginásio está chegando e acho que estamos todos bem estressados... Então, por que não entramos nessa sauna? Não se preocupem, Sand e Pupitar, é sauna seca, vocês não vão se molhar.

O garoto entrou na sala e os seis Pokémon o seguiram. Era uma sala espaçosa, com bancos de madeira, muita fumaça e pouca umidade. O cheiro de citronela foi a mensagem de boas-vindas recebida por eles. Ethan timidamente escolheu um lugar para se sentar, haviam outras pessoas na sala. Passou de cabeça baixa, não percebeu um velho conhecido reparando em sua chegada.

— Até você veio pra cá, garoto?

Ethan parou abruptamente. Ao olhar para a fonte daquela voz, ele não deixou de soltar uma exclamação alta.

— Eusine?!

O homem estava seminu, vestindo uma cueca roxa com a imagem de Suicune estampada. Uma toalha branca jazia sob seu pescoço enquanto gotas de suor escorriam em cada centímetro de sua pele. O homem levantou-se e se dirigiu ao garoto.

— Você está de folga também? A última vez que ouvi falar de você, você estava trabalhando com a Equipe Rocket.
— Eu só vim... Passar um tempo com meus Pokémon... — respondeu Ethan, constrangido.

O suado Eusine aproximava-se cada vez mais do garoto, que dava um passo para trás a cada um pra frente dado pelo homem. Os Pokémon de Ethan pareciam se divertir com a cena.

— Foi muito bom te ver, a propósito. Eu descobri que Suicune foi visto nos arredores da cidade e vim atrás dele como sempre. Mas como ninguém é de ferro, claro que eu acabei tirando umas horinhas pra cuidar da pele. Sabe como é, às vezes dá trabalho ser bonito — gabou-se o homem, dando uma risada forçada.
— É, né? — respondeu Ethan.
— Deu meu tempo. Nos vemos por aí, garoto.

O homem deu as costas e Ethan não pôde deixar de reparar na cueca roxa encavada por entre as nádegas do homem, que sorria satisfeito.

— Eu acho que vou passar mal... — comentou Ethan sentindo um forte enjoo, antes de se sentar no seu banco de madeira.

***

Cerca de quinze minutos da sessão já havia se passado. Ethan estava suado e cansado, como se tivesse corrido uma maratona. Quilava e Pupitar eram os Pokémon que mais se sentiam confortáveis naquele ambiente, enquanto Wobbuffet não esboçava reação alguma, apesar de estar claramente derretendo.  Tudo estava na maior tranquilidade quando a porta da sala de sauna se abriu. Um rapaz jovem, de cabelos esverdeados, porte atlético e abdômen definido chamou a atenção de Ethan quando sentou ao seu lado. Trazia consigo um Pokémon enorme, bípede e crocodiliano, com seu corpo repleto de escamas azuis. Possuía mandíbulas grandes e poderosas, alinhadas com várias presas afiadas. Três dentes eram visíveis, mesmo com suas mandíbulas fechadas, sendo dois na mandíbula inferior e um na parte superior. Seus olhos eram vermelhos com manchas pretas ao redor e sulcos acima deles e sua mandíbula inferior era amarelada.




O treinador reparou na atenção demasiada que Ethan dava ao seu Pokémon.

— Você gostou do Feraligatr? O nome dele é Richard. O meu é Duster.
— Meu nome é Ethan. Seu Feraligatr é muito maneiro, é a primeira vez que vejo um de perto!

Duster olhou para os Pokémon de Ethan, que se aproximaram do treinador olhando para o Feraligatr.

— Que equipe legal essa sua. Vocês devem ter passado por muitas batalhas. Quantas insígnias você tem? Três?
— Na verdade, são sete — respondeu Ethan.
— Sete? E seu Quilava não virou um Typhlosion ainda? — debochou o treinador.

Ethan olhou para seus Pokémon e viu que eles esperavam uma resposta.

— Pois é, né? Acho que eu não tenho me dedicado tanto assim como treinador... — respondeu o garoto, visivelmente sem graça.
— Richard foi meu primeiro companheiro. Já coletamos todas as oito insígnias, estou passando um tempo aqui antes de prosseguir pra Área de Treinamento da Toca do Dragão, onde os maiores treinadores da cidade se reúnem para lutar pesado. Até a Clair, a líder do Ginásio bonitona, frequenta por lá. Se quiser, eu posso te dar umas dicas pra fazer seu Quilava evoluir rapidinho.
— Claro! Seria ótimo! — exclamou Ethan, empolgado.

Quilava, no entanto, fechou a cara. Grunhiu para seu treinador em sinal de insatisfação. O mestre a quem ele se fortalecia estava ignorando totalmente a forma que ele se sentia. Quilava não estava pronto pra evoluir e estava tudo bem. Seus amigos de equipe evoluíram por Ethan para ajudá-lo em batalhas, assim como ele próprio tempos atrás, e agora o discurso havia mudado bem à sua frente.

A Equipe de Pokémon de Ethan já não havia concordado com a postura do treinador quando Pupitar havia evoluído a força recebendo influência das ondas radiotransmissoras do Lago dos Magikarp. Ethan deixou sua equipe no Centro Pokémon e foi atrás de Amy, nem havia se importado o bastante com o Pokémon. Após aquele dia, Pupitar se fechou, não tinha mais o mesmo afeto por Ethan como antigamente. Foi uma traição. Pupitar não pôde contar com Ethan quando mais precisou, então seu treinador não iria mais contar com ele.

Os Pokémon se entreolhavam incomodados. Por mais que tentassem chamar a atenção de seu mestre, Ethan continuava a prestar atenção em Duster e seu papo de evolução.

— Sabe Ethan, nós que somos treinadores Pokémon devemos sempre estar dispostos a sair de nossa zona de conforto. Quanto mais Pokémon nós pegarmos e quanto mais versátil for nossa equipe, mais vitórias nós conquistamos. Eu sigo um método que aprendi com um amigo em Hoenn: Quando eu perco uma batalha, eu mando meu Pokémon pro laboratório e pego outro pra colocar no lugar. Assim, eu construí uma equipe imbatível e invencível! Richard manteve seu recorde, nunca perdeu uma batalha.
— E como isso foi possível?
— Richard sabe que pra ser o melhor do mundo, ele precisa me dar ouvidos. Eu sou o treinador dele, se ele me ouve, vence as lutas.

Ethan olhou para seus Pokémon e os viu totalmente sérios. O garoto suspirou e, em tom de desabafo, comentou com o rapaz ao seu lado.

— Como seria legal eu ter um Pokémon como o Richard na minha equipe... Um Pokémon que sempre me ouviria nas batalhas e nunca me deixaria na mão.

Quilava pareceu tomar um soco no estômago. Wobbuffet, de braços cruzados, balançou a cabeça para o treinador de forma negativa, claramente em desacordo. O relógio na sala tocou, anunciando que os vinte minutos da sessão de Ethan haviam se esgotado. A Equipe de Pokémon de Ethan saiu imediatamente da sauna enquanto o garoto e Duster trocavam telefones.

***

Durante a tarde, Ethan voltou a se encontrar com Amy e Forrest no Centro Pokémon antes da batalha de Ginásio do garoto, marcado para as cinco horas da tarde. Sentados na cantina, nenhum dos três parecia disposto a puxar conversa. Aquele clima já era bastante comum, afinal, Ethan sempre ficava nervoso antes de suas batalhas de Ginásio.

— Como foi hoje na sauna? Você e seus Pokémon se entenderam? — perguntou Amy.
— Foi legal. Estamos bem, prontos pra batalhar pela insígnia — respondeu o garoto, com a boca cheia de arroz e strogonoff de frango.
— Tomara mesmo. Fico feliz por você ter ouvido nossa sugestão e corrido atrás de resolver seu problema de relacionamento com sua equipe o quanto antes — disse Forrest.
— Não se preocupe, cara. Não tem como dar errado — respondeu Ethan com um sorriso.

Cidade de Blackthorn, Ginásio local, quinta-feira, dia 7 de Junho, 17h.

Dois Dragonites encaravam imponentes qualquer um que caminhava em direção aos portões que davam acesso ao Ginásio da cidade. Apesar de terem sido esculpidas em pedra, o escultor, de alguma maneira, conseguiu colocar no olhar de cada estátua uma chama ardente e ameaçadora que as fazia vivas. Na questão arquitetônica, aqueles Dragonites davam um toque muito elegante às paredes de tijolos que separavam a rua do jardim que dava para o interior da construção enorme. Os vitrais na janela se destacavam por seu tamanho, os vidros eram tão limpos que se podia ver de longe o reflexo do céu plúmbeo que pairava pelas cabeças de todos os que passeavam por ali. O vitral mais bonito, de longe, era o do frontão do prédio, que tinha o formato de uma flor com oito pétalas — que talvez representasse o último desafio de um treinador que já possuía as outras sete insígnias, caso de Ethan, que se encontrava parado na frente do endereço, com receio de entrar.



Amy aproximou-se de Ethan e pegou em sua mão direita, apertando-a com firmeza. Forrest segurou o ombro esquerdo do amigo e também o apertou de forma firme. Ethan olhou para os dois e os viu dar um sorriso encorajador, o que o fez sentir certo frio na barriga.

O trio avançou em direção à porta de entrada do Ginásio e entraram pela porta.

Era possível de se ver o campo de batalha do saguão principal, uma visão arrebatadora já que talvez estivesse havendo uma confusão sensorial devido ao ar condicionado estrategicamente posicionado, pois o campo era cercado por lava de vulcão. As paredes de alvenaria eram feitas de vidro, o calor deveria ser insuportável, mas quem estava ali não sentia a transição do extremo calor.

— Sejam bem-vindos ao Ginásio Municipal de Blackthorn. Pelo horário, acredito que o senhor seja Ethan, o desafiante de hoje.

Ele vestia uma roupa de treino púrpura, com luvas e botas na cor amarela e uma capa esvoaçante na cor vermelha. Tinha um olhar severo e checava fichas em uma prancheta que trazia consigo, aonde constavam os dados de Ethan. 

— Sim, sou eu. Muito prazer — cumprimentou o garoto. — Estes são Amy e Forrest.
— Não há menção de desafio pra nenhuma Amy ou algum Forrest — checou o rapaz na lista que carregava consigo.
— Ah, nós não vamos desafiar o Ginásio também, viemos apenas assistir a batalha — disse Amy.
— Ah, sim... É que as coisas no Ginásio de Blackthorn são diferentes. Aqui, toda batalha da nossa líder, Mestra Clair, requer que vocês tenham comprado ingressos em nossas bilheterias para poder assistir as batalhas do dia — explicou o homem olhando em sua prancheta. — E ao que me consta aqui, todos os ingressos disponíveis para a batalha do senhor Ethan estão esgotados, infelizmente. As batalhas da Mestra Clair são sempre concorridas, como devem saber.

Ethan, Amy e Forrest se olharam, espantados.

— Isso quer dizer que nós não podemos assistir a batalha dele? — questionou Forrest.
— Claro que podem — comentou o rapaz, para um breve suspiro de alivio do trio. — Vocês compraram seus ingressos?
— Não — respondeu Amy, recebendo um olhar surpreso de Ethan.
— Então, infelizmente, vocês terão de saber do resultado após a batalha de seu amigo. Senhor Ethan, por favor, siga pelo corredor e pegue o elevador. Mestra Clair entrará em campo exatamente em três minutos. Vocês dois, me acompanhem, por favor.

Amy e Forrest acompanharam o recepcionista pelo corredor que dava para o lado de fora do Ginásio.

— Você não pode fazer isso! — bradou Ethan.

O recepcionista se virou com um sorriso cínico.

— Claro que posso, é o meu trabalho. Por favor, se dirija ao seu lugar. Caso você não apareça cinco minutos após a Mestra Clair se posicionar em campo, é considerado desistência do desafiante. O Ginásio Municipal de Blackthorn não precisa de você, mas você precisa da insígnia dele. A decisão é sua, senhor Ethan.

O garoto fechou os punhos com força.

— Está tudo bem, Ethan. Foi como você disse pra nós, não tem como dar errado. Estamos com você — disse Amy com um olhar sereno.

Forrest concordou, balançando a cabeça de forma afirmativa com um sorriso no rosto.

Os dois continuaram seu caminho para fora do Ginásio enquanto Ethan demorou alguns segundos para tomar a iniciativa de seguir até o elevador.

Clair, a Líder do Ginásio de Blackthorn, já estava posicionada no seu lado do campo. Ethan nem reparou de imediato, o calor que estava fazendo era comparável à sauna que estava frequentando mais cedo. Não, com certeza o calor era muito maior. Ele começou a suar assim que chegou ao seu lugar de treinador no campo de batalha. Na sua frente, a alguns metros de distância, a mulher de longos cabelos azulados que mantinha sua pose imponente reforçada por sua capa negra que balançava de forma hipnótica para os lados. O olhar de Clair era o mesmo que o desafiante lembrava ao vê-la lutando no Quartel-General da Equipe Rocket — sério, frio, que não permitia que lessem seus sentimentos ou intenções. Clair era uma muralha, muito diferente de seu primo, Lance, que apesar da seriedade, se permitia ser um pouco simpático, apesar do gosto pelo humor negro que tanto causava críticas entre os colegas da Liga Pokémon.

— Achei que tinha desistido, desafiante — comentou Clair.
— Que calor... — reclamava Ethan. — Como você consegue ficar com essa capa presa no seu pescoço?
— Treinadores de Pokémon do tipo Dragão precisam ser fortes, resistentes e habilidosos, tal qual as criaturas que nós domamos. Eu sou a maior Mestre de Dragões do mundo. Posso bater de frente com a Elite 4 inteira. Você querer me desafiar já mostra que você tem coragem... Mas não me toca. Como Líder de Ginásio, meu dever é testar suas habilidades. E como treinadora... Eu vou mostrar que os meus Pokémon são imbatíveis em todos os cenários. Eu usarei apenas três Pokémon, fique à vontade pra usar quantos você quiser. Dragonair!

Clair arremessou sua primeira PokéBola. De dentro dela, saiu Pokémon de corpo longo e serpentino que possuía pelo corpo escamas azul celeste e uma parte inferior branca. Possuía um focinho arredondado, olhos roxos ovais que faziam Ethan sentir calafrios e um pequeno chifre branco na testa. Em cada lado da cabeça havia uma asa pequena na cor branca e que formava um redemoinho em sua base. Três esferas azuis de cristal adornavam seu corpo, sendo uma no pescoço e duas na cauda.

Ethan estava tenso. Ele não tinha seus amigos para poder dar apoio e quando olhava para cima, via várias pessoas o encarando, claramente torcendo para a Líder de Ginásio. Pela primeira vez, ele estava completamente sozinho.

O garoto pegou sua primeira PokéBola e a arremessou no campo de batalha. De dentro dela, saiu Quilava. O Pokémon de Ethan encarou seu oponente e ergueu-se, ficando em uma postura ereta.

— Lava, use o Flame Wheel!

As chamas das costas de Quilava, no entanto, não arderam. O Pokémon continuou a encarar seu oponente sem dizer uma palavra.

Clair ergueu o cenho.

— Já que seu Pokémon não ataca... Eu assim farei. Thunder Wave!

O Dragonair de Clair lançou de seu chifre um raio elétrico na direção de Quilava, que recebeu todo o impacto diretamente, sem perder sua postura. O Pokémon de Ethan ficou paralisado, sentiu todos os seus músculos se contraírem, mas não iria ceder. Permaneceu ereto, encarando com seu oponente com respeito. 

— Quilava, por favor... Eu preciso de você. Lava Plume!

Jamais se saberia se era por causa da paralisia que o acometeu ou se por teimosia, mas o Pokémon de Ethan novamente não se moveu.

— Seu Pokémon não o obedece e você quis me desafiar. Como você tem coragem? — questionou Clair ao garoto.
— Retorne, Quilava. Pupitar, eu te escolho!

Quilava retornou para a PokéBola e Pupitar tomou o campo de batalha. Encarou o oponente do outro lado do campo e o cumprimentou, retornando em seguida para a PokéBola.

Ethan abriu a boca, sem reação.

— Seus Pokémon não estão a fim de lutar. Essa luta está encerrada — anunciou Clair.

O treinador arregalou os olhos. Ao seu redor, o público começou a vaiá-lo pela primeira vez em sua carreira.

— Como assim? Espera, eu tenho meus outros Pokémon! Deve estar acontecendo algum equívoco...
— Então trate de resolver esse equívoco. Você não tem condições de batalhar pela insígnia do Ginásio. Volte quando, e se, tiver um bom desafio a oferecer.

O suor se misturava às lágrimas de frustração que escorriam pelo rosto de Ethan. O garoto fechou os punhos com força e ouviu Clair passar pela porta. Ele voltou para o elevador e caminhou pelo corredor, sentindo os cochichos daqueles que assistiram a batalha. Sentindo o rosto queimar de vergonha, ele manteve-se firme e caminhou até a porta de saída.

O vento tocou seu rosto e aliviou o calor que sentia. O misto de frustração e raiva tomava conta de seu corpo que não cessou ao sentir as primeiras gotas de chuva caindo do céu.  O garoto sacou suas seis PokéBolas e liberou seus Pokémon

— Vocês estão insatisfeitos comigo como treinador. Então, acho que devemos resolver esse problema de uma vez. Procurem um treinador melhor, vocês merecem.

Os Pokémon se entreolharam, mas não fizeram nenhuma objeção. Wobbuffet pareceu hesitar por um instante, mas permaneceu ao lado dos companheiros. Ethan encarou esperançoso cada um de seus Pokémon, mas sentiu-se desolado ao ver que Pupitar liderou o grupo para longe dele.

Aquele era o fim da jornada Pokémon do garoto.

***

Cidade de Blackthorn, Centro Pokémon, quarto 25, quinta-feira, dia 6 de Junho, 18:17h.

Ethan chegou completamente ensopado no quarto onde estava hospedado no Centro Pokémon. Amy e Forrest conversavam, mas foram surpreendidos com a chegada do garoto.

— E aí, cara! Como foi sua batalha, você conseguiu a insígnia? — perguntou Forrest entusiasmado.
— Não — respondeu Ethan, entrando no banheiro para tomar banho.
— Não? Poxa vida, meu bem... Que chato... Mas tenho certeza que você vai conseguir na próxima vez. Como se saíram Quilava e os outros? — questionou Amy.
— Não sei, eles não lutaram, daí resolvi abandoná-los.

O silêncio só foi quebrado pela água do chuveiro tocando o piso do box.

— Desculpa, eu não ouvi direito. Você fez o quê? — a voz incrédula de Amy fora abafada pela grossa parede que dividia o banheiro do quarto.
— Eu dei release nos meus Pokémon, quer que seja mais claro? Vai ser melhor eles encontrarem um novo treinador. Foi nosso acordo — respondeu Ethan do chuveiro.

A porta do banheiro foi aberta com violência.

— VOCÊ FEZ O QUÊ?! — Amy estava furiosa. Ela não se importava se Ethan estava nu, ela queria matá-lo.
— Você tá brincando, né? — perguntou Forrest, em seguida, logo atrás de Amy.

Ethan tentou se virar no box, tentando cobrir suas partes íntimas como podia.

— Ow, eu tô pelado! — reclamou o garoto.
— VOCÊ ABANDONOU SEUS POKÉMON, VOCÊ É LOUCO? VOCÊ É UM IDIOTA, VOCÊ É PATÉTICO! — a garota arremessou um vidro de sabonete no box do chuveiro e o quebrou em diversas partes.
— Calma, meu amor, eu posso capturar outros! — respondeu Ethan assustado.

Aquele comentário foi a gota d’agua.

Um trovão ribombou do lado de fora. A violência do barulho não foi nada comparado com o tapa que Amy deu no rosto de Ethan. Ela estava com os olhos vermelhos, a veia em sua testa pulsava e seus dentes rangiam.

— Você vai dar um jeito de trazer cada um dos seus Pokémon de volta e eu não ligo como você vai fazer isso. Você é um babaca infantil que não sabe sequer como se relacionar com a sua equipe. Dá seu jeito — ameaçou a garota.

Ethan estava ofegante. Ele nunca havia visto a namorada agir daquele jeito, nem mesmo enfrentando a Equipe Rocket. Será que ele havia ido tão longe assim?

— Você quer que eu vá atrás dos meus Pokémon e me relacione bem com eles sendo que você mesma mal treina seu time... Com quem será que eu aprendi? — perguntou o garoto, começando a perder a calma.

A expressão de Amy mudou. De raiva, passou para decepção. Seus punhos afrouxaram e seus ombros caíram. Ela olhou no fundo dos olhos de Ethan e usou as palavras que o machucaram mais do que qualquer tipo de agressão física que ela fizesse contra ele.

— Eu me apaixonei por um cara que se esforçava para não deixar nada de ruim acontecer com aqueles que amava. Seus Pokémon estiveram ao seu lado antes mesmo do que eu ou Forrest, e você os tratou como lixo. Não, pior. Lixo pelo menos tem alguma utilidade reciclável.

A garota virou as costas em direção à saída do banheiro.

— Eu me recuso a chamar um moleque como você de namorado. Eu não quero mais.

Forrest a seguiu. Novamente, a água do chuveiro tocando o piso era a única coisa que quebrava o silêncio antes da porta do quarto se fechar por um bom tempo.


TO BE CONTINUED...(?)





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