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Capítulo 70
Chase se encontrava sentado no chão, com a
cabeça apoiada nas palmas das mãos enquanto seus cotovelos eram apoiados nas
coxas. Sua paciência estava se esgotando, permanecia sozinho no que já se pareciam
horas desde que Ethan havia saído para ir atrás de Elaine, que não tinha
voltado ainda da tarefa de ir buscar água fresca para preparar o jantar.
— Que cabeçuda! Eu sabia que ela não tinha condição alguma de sair sozinha, ainda mais com aquele ovo! — comentou furioso com Takara, seu Pikachu, que por sua vez não parecia estar realmente interessado na conversa por estar atento ao que acontecia nos arredores. O céu, que antes ostentava um tom de laranja-avermelhado graças ao sol que aos poucos se escondia por trás das montanhas ao longe, dava boas vindas à noite que ia chegando.
O garoto pegou da mochila um casaco esportivo
ao perceber o vento que soprava. Olhou o acampamento que havia montado e
percebeu a diferença que fazia não estar com sua irmã e com Ethan, afinal os
colchonetes estavam prontos, a fogueira consumia as madeiras, mas não havia
como cozinhar nada sem os materiais que Elaine ficou de conseguir.
Pelo menos quase
todas as criaturas que, de alguma forma, estavam naquela floresta naquele momento
produziam seus barulhos característicos — até mesmo Chase fazia ruídos enquanto
seus pés caminhavam pelo solo carpetado de mato e folhas secas. As orelhas de
Takara, como sempre, permaneciam eretas tentando captar qualquer sinal sonoro
estranho.
Quando Chase e Pikachu perceberam sua
presença, já era tarde demais.
E
aquilo, claramente, não era normal.
A
tela ligou e o reflexo do rosto de Chase fora substituído pelo sorriso sádico
do Porygon2. O garoto deu alguns passos para trás e encostou no largo tronco de
uma das árvores gigantes daquele bosque.
Assim que foi atingido, Takara congelara. Em
um piscar de olhos, seu corpo desintegrou-se bem na frente de Chase, sumindo no
ar como mágica. O garoto arregalou os olhos completamente aterrorizado, olhando
para o vazio de onde segundos antes estava seu Pokémon. Suas pernas
paralisaram, não se mexeu nem mesmo ao ver o ser humanoide apontar o dedo
indicador em sua direção. Mirando na cabeça do menino, a figura misteriosa se
preparou para disparar uma última vez, mas se distraiu quando sentiu uma sombra
passar voando sob sua cabeça.
— Senhoras e senhores, o grande show de mágica desta noite começará em instantes — anunciou o rapaz em voz alta, com toda pompa. — O primeiro grande ato de um grande artista é a entrada triunfal. O elemento surpresa.
Por entre as árvores, um raio colorido surgiu
em direção ao segundo homem mascarado, mas o Tri Attack bateu de forma seca na frente do rapaz como se houvesse
uma parede invisível entre ele e a escuridão, ricocheteou no ar e
transformou-se numa nuvem de fumaça. O homem de terno não se mexeu. Passou a
mão na franja dos cabelos púrpuros e sorriu de forma maldosa para o nada.
— O segundo ato: O truque de mágica. Mr. Mime,
por favor.
—
Você está cada vez melhor — Will aplaudia. — Por favor, apresente as cartas aos
nossos espectadores.
Xatu
saiu da posição de totem e se colocou ao lado de Chase, ainda em choque sentado
ao chão. Mr. Mime também se juntou, se posicionando do lado oposto do garoto.
***
O povo de Violet também
tinha orgulho de pertencer a ela. Talvez fosse por isso que, naquele momento,
todas as expectativas estavam nos ombros de Falkner, o Líder do Ginásio
local. Já fazia quase um ano que havia
herdado a função de seu pai e nesse tempo as suas responsabilidades só
aumentavam. Claro que era um Líder competente — gostava de mostrar as vantagens que só os Pokémon do
tipo Voador possuíam —, mas ele também se sentia responsável por cada pessoa,
cada Pokémon, cada morador da cidade e sentia que, além de dar Insígnias para
treinadores, seu dever era proteger aquelas pessoas.
— É, parece que a reunião terá a
participação de apenas nós três — comentou Bugsy, sem graça.
— Jasmine está supervisionando as
obras de reconstrução do Farol Cintilante e Morty está investigando o paradeiro
de Raikou, Entei e Suicune que estão à solta por aí. Não consegui contato com a
Clair e Pryce se recusa a sair de casa de cadeira de rodas — numerou Falkner
contando nos dedos. — Eu fiquei de receber a resposta do Chuck, mas até agora,
nada.
Falkner,
— Chuck.
— E o que isso quer dizer? —
perguntou Whitney após algum tempo refletindo. — A ilha dele vai afundar?
— É mais sério do que isso. Tem
alguém, ou alguma coisa, mexendo com o que não devia — respondeu Falkner.
— Isso explica muito... — comentou
Bugsy baixinho em um tom de alerta.
— Explica o quê? — questionou Whitney
assustada.
— Insetos são sensíveis ao meio em
que vivem. Ando percebendo que os Pokémon insetos que moram na Floresta Ilex
estão bastante agitados, mais do que o normal. Eu achei que fosse por causa da
mudança da estação, muitos deles saindo da diapausa, que é quando seu
metabolismo está mais lento, mas... Pode ser que tenha alguma coisa mexendo com
o desenvolvimento deles.
— Por que você acha isso? — perguntou
Falkner de forma séria.
Bugsy sacou uma PokéBola e apertou o
botão da cápsula, liberando um Pokémon de dentro dela. Um Pokémon Joaninha voou
alegremente pelo ambiente antes de pousar em frente ao seu treinador.
— Ledyba? O que tem de errado nele? —
Falkner aproximava-se do Pokémon tentando ver seus detalhes.
— As antenas. Vê? Meus estudos
indicam que há um diformismo entre machos e fêmeas, as antenas variam de
tamanho entre os sexos, mas se vocês prestarem a atenção dá pra ver que as
antenas desse Ledyba têm tamanhos diferentes...
— Então basicamente não tem como
saber se é um joaninho ou uma joaninha? — Whitney riu da própria
piada.
— É muito mais grave do que isso —
Bugsy continuou sério. — Alguma coisa está interferindo na forma em que eles se
desenvolvem e eu não sei o que é.
A fala de Bugsy foi interrompida pelo
toque de um telefone que mostrou ser o PokéGear de Falkner. O rapaz pediu
desculpas e logo tratou de atender o dispositivo.
A expressão de surpresa do Líder de
Ginásio chamou a atenção dos colegas.
***
As paredes brancas não amenizavam a agonia que
Ethan sentia enquanto balançava as pernas de forma impaciente. Ele não estava
algemado, mas se sentia preso. O estreito corredor da delegacia causava uma
sensação de claustrofobia, mas o garoto suava mais por preocupação com Elaine do
que por incômodo com aquele lugar. Ele não sabia para onde haviam levado a
menina, não sabia como estava o ovo Pokémon que viajava com ele e não sabia se
Chase estava bem. Havia deixado parte de seus Pokémon com o menino, mas deixá-lo
sozinho na beira da estrada não parecia, agora, ter sido uma ideia inteligente.
Quando um dos policiais se aproximou do Ethan, depois do que
pareceram horas, o garoto não pareceu aliviado. Era só olhar para o rosto do
oficial que podia-se saber que o garoto estava encrencado — era uma expressão
de poucos amigos.
— Com licença, onde está a Elaine? — perguntou o garoto.
Mas o policial, apesar de continuar se aproximando, não respondeu
sua pergunta.
— Venha comigo, por favor.
— Onde você vai me levar? Eu conheço os meus direitos! Eu quero um
advogado!
Novamente Ethan foi ignorado, mas levantou-se quando o homem pegou
pelo seu braço e praticamente o carregou, sem se importar com os protestos do
rapaz. No fim do corredor havia uma porta que, ao cruzá-la, fez o rapaz soltar
uma exclamação audível.
Falkner estava sentado na mesa de interrogatório enquanto Bugsy e
Whitney aguardavam, em silêncio, encostados em paredes opostas. Já pareciam
estar esperando o garoto e pareceram estar com certa urgência.
— Assim que eu fiquei sabendo que pegaram você, eu corri pra cá. Tinha
que ver com meus próprios olhos.
— O que está acontecendo? O que vocês estão fazendo aqui? — questionava
Ethan olhando para todos os presentes esperando alguma resposta.
Falkner esperou o policial que acompanhava o garoto se retirar da sala.
O rapaz apontou para a cadeira que estava na outra ponta da mesa, de frente a
ele. Ethan caminhou olhando de forma desconfiada para os três Líderes de
Ginásio que o encaravam de volta em silêncio. Sentou na cadeira e estendeu os
braços, colocando as mãos entrelaçadas em cima da mesa.
— Eu fiquei sabendo que você tinha sido detido pela polícia de Violet e
eu confesso que eu demorei pra entender — começou Falkner. — Quando me contaram
que pegaram um garoto destruindo uma área preservada e que ele era um treinador
famoso, eu não acreditei.
— Falkner, eu não destruí nada! — exclamou Ethan.
— Você não pode provar, né? — Whitney cortou.
Ethan ergueu as sobrancelhas e abriu a boca para se defender, mas Bugsy
interveio.
— Os Beedrill chegaram a atacar você enquanto você estava lá?
— Não! Quer dizer, eu acho que não... Elaine nocauteou alguns, mas eu só
pensei em resgatá-la. Eu acho que eles estavam atacando algum oponente que
estava batalhando com ela, mas...
— Então eu acredito que não foi você que tenha causado aquilo.
Falkner olhou para o colega.
— Os Beedrill têm uma tendência a serem violentos.
— Mas, como qualquer Pokémon selvagem, só atacam quando são incomodados.
E são inteligentes o bastante para discernir entre um alvo e uma distração.
Houve um breve silêncio antes de Ethan o quebrar.
— E quanto à Elaine?
— A menina? Ela está bem. Estava em estado de choque, mas conseguimos
acalmá-la. Ela já deu o depoimento dela a meus colegas investigadores.
O garoto ergueu o cenho.
— Faz meses desde que nos vimos pela última vez, quando lhe entreguei a
Insígnia Zephyr — continuou Falkner. — Desde então, muitas coisas aconteceram.
Coisas ruins.
— Lembra quando você esteve em Azalea e você acabou no Poço Slowpoke,
sequestrado pela Equipe Rocket? — questionou Bugsy.
— Eu jamais poderia esquecer disso... — suspirou Ethan.
— Pois bem, eu confesso que havia achado estranho todo o ataque em
Azalea... É uma cidade pacífica. Eu conheço cada rua, cada estrada, cada
morador... Eu não me convenci de imediato que alguém poderia fazer mal aos
Slowpoke que moram lá.
— Até que eu soube da notícia que a Equipe Rocket estava cortando as
caudas dos Slowpoke para vender.
O tom de voz de Whitney era sério. De braços cruzados, a menina mantinha
um semblante fechado, com cara de poucos amigos, muito diferente da moça mimada
que Ethan havia enfrentado meses antes no Ginásio de Goldenrod.
— Quando aqueles cretinos invadiram e praticamente destruíram a torre da
Rádio de Goldenrod, a cidade toda saiu no prejuízo. A Rádio de Lavander começou
a retransmitir a programação pra toda área de Johto, mas perdemos patrocínio.
Foi quando eu fui cobrar providências da Elite que eu percebi que não era só
Goldenrod que estava sob ataque... Bugsy estava lá também, falando sobre o que
aconteceu com os Slowpoke... Eles se fortaleceram debaixo do nosso nariz. A
polícia encontrou vestígios dos capangas Rocket no subterrâneo da cidade e eu
jamais vou me perdoar por não ter conseguido perceber antes... — Ethan se
assustou ao ver Whitney socando a parede com força.
— Eles usavam o dinheiro da venda dos rabos de Slowpoke e se escondiam
no subterrâneo de Goldenrod sem levantar suspeitas. Agindo nas sombras, muito diferente da Equipe
Rocket de três anos atrás... — comentou Bugsy.
Ethan parecia refletir sobre aquilo o que ouvia. Mas uma dúvida ainda
pairava sob sua cabeça.
— Mas por que é que eu estou aqui?
— Porque você acompanhou de perto cada tragédia em que a Equipe Rocket
teve participação — respondeu Falkner.
— Vocês não acham que eu tenho alguma coisa a ver com isso, né?
— Você tem, sim — disse o líder. — Não do jeito que imagina, mas tem.
O garoto levantou-se da cadeira de forma abrupta.
— O que você tá querendo dizer com isso? Você não acha que eu estou
trabalhando pra eles, né?!
— Você se lembra da nossa batalha de Ginásio, quando você usou seu
Cyndaquil? — Falkner, diferente de Ethan, não alterara seu tom de voz,
permanecendo com a expressão séria. Apesar disso, o jeito firme com o qual
havia se dirigido ao garoto o fez se calar.
Ethan respirou fundo antes de responder, tentando não se exaltar
novamente.
— Como eu já te disse, eu lembro de cada detalhe daquela batalha. Foi
minha primeira batalha importante... Foi quando eu ganhei minha primeira
insígnia. Foi quando o Quilava evoluiu.
— Esse é o ponto.
Ethan olhou para Falkner com a mesma expressão que tinha desde que havia
chegado ali — a velha expressão de dúvida. Whitney não pode deixar de soltar
uma risadinha.
— O que você tem de bonito, você tem de burro. Sem ofensa.
Bugsy a julgou com o olhar, mas ela fingiu que não percebeu.
— Não foi só seu Pokémon que evoluiu naquela batalha, meu Pidgey também
alcançou o seu segundo estágio evolutivo, Pidgeotto — continuou Falkner. — Mas
algumas semanas depois eu comecei a perceber que ele estava tendo dificuldades
de voo. Como uma ave de repente para de voar? Eu comecei então a tentar
entender o motivo disso. As coisas só começaram a fazer sentido quando eu
fiquei sabendo que havia aparecido um Gyarados vermelho no Lago dos Magikarp...
Logo começaram a dizer que ele foi forçado a evoluir com as radiofrequências da
Equipe Rocket e aí eu entendi tudo.
Uma mistura de sentimentos crescia dentro de Ethan ao ouvir o relato de
Falkner. Tristeza e raiva tomavam conta de seu coração e o garoto apertava os
punhos com força.
— Eu sinto muito mesmo... — disse por fim.
— Você se tornou um grande treinador, conseguiu derrotar a gente e
nossos outros colegas e sabemos como você deve ter noção de como é ter a vida
atrapalhada pelos Rockets — falou Bugsy de forma séria. — Nós estamos
trabalhando para recuperar nossas cidades das consequências causadas por esses
malditos e precisamos de você enquanto isso para impedir que eles voltem a
tomar o poder e tornar a vida de todo mundo um inferno.
Houve uma hesitação que pairou no ar. Bugsy, Falkner e Whitney encaravam
Ethan que não fazia contato visual, preferiu encarar a mesa à sua frente.
— Eu não vou conseguir fazer isso sozinho. É demais pra mim.
— Você não vai estar sozinho. Nós vamos ajudá-lo com o que precisar — garantiu
Falkner.
— Antes de tomar qualquer decisão, eu realmente preciso ver como está a
Elaine...
Ethan levantou de supetão.
— O Chase! Onde está o Chase? Eu o deixei na Rota 31, junto com meus
Pokémon enquanto fui procurar a Elaine!
Falkner levantou-se da cadeira.
— Eu o levo até ele.
TO BE CONTINUED...