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- Capítulo 02 [Remake]
— Eu vou fazer você se arrepender de ter se metido onde não foi
chamado.
O ruivo apertou o botão central da cápsula da PokéBola e um brilho
vermelho tomou a forma de um Pokémon que fez Ethan e Cyndaquil hesitarem por um
instante.
Quando Totodile apareceu, ainda mantinha a postura hiperativa, pulando
sobre as duas patas. Mas, ao perceber Cyndaquil e Ethan do outro lado da rua,
sua expressão ficou sombria.
Ele estava pronto para o combate. Ethan, que só tinha visto batalhas
Pokémon pela televisão, não.
—Water
Gun! — exclamou o ruivo.
O Pokémon aquático avançou alguns metros em
direção ao oponente e abriu a bocarra, expelindo um poderoso jato de água que
atingiu Cyndaquil em cheio, à queima roupa.O Pokémon de Fogo foi arremessado pelo
ar em direção a Ethan e caiu próximo dos pés do garoto, que exclamou alto.
Do outro lado da rua, o ruivo soltou uma
risada.
— Não acredito que você sequer tem a capacidade de controlar um
Pokémon... E eu ainda pensei por um instante que eu tava ferrado. Totodile,
acabe com ele. Water Gun!
A bocarra do Pokémon sob as ordens do ruivo
se abriu. Cyndaquil olhou para Ethan esperando por alguma ordem. Ele não sabia
agir sob pressão.
— Eu não conheço nenhum ataque seu! —
exclamou o garoto para o Pokémon. — Então, use a evasiva!
Cyndaquil acenou com a cabeça em sinal
positivo e disparou para a lateral, desviando do jato de água do oponente.
Ethan tentava desesperadamente pensar em alguma coisa quando as costas do
Pokémon de Fogo se acenderam como espinhos em brasa e uma faísca acendeu no
cérebro do garoto, que imediatamente o fez se lembrar de uma informação
importante.
No laboratório, Lyra havia mencionado que as
costas de Cyndaquil explodiam em chamas para usar seus golpes de fogo, como
o...
Como era mesmo o nome daquele golpe?
—Scratch!
— ordenou o ruivo.
Totodile aproveitou o momento de hesitação
do outro Pokémon, que aguardava os comandos do garoto humano, e usou suas
garras nas patas dianteiras para fazer um ataque direto, arranhando o corpo do
oponente. Mais um ataque direto, aquilo não era bom.
Ethan não conseguia se lembrar do nome do
golpe de fogo de Cyndaquil. Que droga, Lyra! Não bastava depender do que ela havia dito, agora o garoto estava se odiando porque bloqueara uma
informação importante daquelas.
Totodile partiu para o ataque direto
enquanto as chamas de Cyndaquil continuavam a arder em suas costas, como brasas
sem controle que incendiavam o ar.
Brasas? Mas é claro, brasas! Era isso!
— Ah, é! Lembrei! — exclamou Ethan. — Ember!
Cyndaquil pareceu aliviado de ouvir o
comando. Saltou sob as patas traseiras, o que surpreendeu Totodile que passou
direto, por baixo. O Pokémon de fogo disparou brasas da boca, atingindo o
oponente pelas costas.
Não que tivesse causado um dano
considerável, pelo contrário, o ataque não foi muito efetivo, afinal de contas,
golpes de Fogo são fracos contra Pokémon de Água, mas Totodile não gostou de
ter sido pego de surpresa.
O Pokémon crocodilo encarou Cyndaquil e abriu a bocarra. Com uma
investida, mordeu o focinho do oponente. Ele se mexia sem esperar ordens do
garoto ruivo.
Por sua vez, o ladrão dava um sorriso perverso.
— Esse Pokémon é bem melhor do que eu esperava.
Eu podia ter pegado qualquer um, mas
que bom que acabou sendo um Pokémon independente como você!
Cyndaquil chacoalhava-se por inteiro
tentando fazer Totodile soltar seu focinho. Ethan, no entanto, soltou um berro.
— EMBER!
As costas de Cyndaquil explodiram em
chamas. Suas bochechas incharam e, apesar de Totodile manter travado o focinho
do oponente, fumaça começou a sair de suas narinas reptilianas. O Pokémon abriu
a boca e liberou espaço o suficiente para que as brasas ardentes queimassem seu
interior. Totodile largou Cyndaquil imediatamente e por um breve instante,
pareceu que ele era um Pokémon do
tipo Fogo pela fumaça saindo de suas mandíbulas.
Sirenes soaram ao longe. O ladrão olhou
para trás e exibiu uma expressão de preocupação.
Lyra aproximou-se correndo de Ethan. O
ruivo voltou sua atenção à batalha.
— Dois contra um é injusto, não acham? — e
sorriu de forma debochada.
— Eu e meu tio já chamamos a polícia,
garoto. Devolva já esse Totodile!
— Não é roubo se eu posso fazer isso — o
ruivo apontou a PokéBola para o Pokémon de Água e o retornou para a cápsula.
— O que pensa que está fazendo?! — indagou
Ethan, elevando o tom de voz.
— Foi mal. Eu disse que eu ia fazer você se
arrepender de ter se metido, mas parece que chutar a sua bunda vai ter que
ficar pra depois, moleque. Sayonará.
O garoto ruivo correu em disparada para o
outro lado da rua, afastando-se em direção à saída da cidade. Ethan retornou
Cyndaquil e passou a persegui-lo para desespero de Lyra, que não sabia se
corria atrás do menino ou retornava para o laboratório para contar ao tio o que
havia testemunhado.
As árvores do bosque que dividiam a entrada
de New Bark com a Rota 29 ficavam cada vez mais densas. Aos poucos, as casas
iam dando espaço para a natureza, chão batido e grama alta espalhada pela
estrada, onde alguns Pokémon escondiam-se dos humanos que vez ou outra andavam
por ali no trajeto que levava à Cherrygrove. Havia chovido na noite anterior, então
a estrada de terra estava ainda enlamaçada.
Ethan sentia que a qualquer momento iria
tropeçar nos chinelos. Sentia raiva por estar ficando sem fôlego enquanto o
ruivo à sua frente sequer parecia ter
pulmões.
O garoto ruivo, por sua vez, sentiu algo
passar rente à sua cabeça. Ao olhar alguns metros à frente, um chinelo virado.
Olhou para trás e viu Ethan, descalço, com um segundo chinelo em mãos.
O segundo chinelo só não acertou o alvo
porque outra vez passou rente à cabeça do ruivo. Não por Ethan ser ruim de
mira, mas sim porque o ladrão tropeçou em uma raiz de árvore que não vira à sua
frente por ter se distraído olhando para trás, caindo no chão, estatelando-se
com os braços abertos.
— RÁ! Te peguei, idiota! — exclamou Ethan,
aproximando-se do rapaz com um sorriso debochado de vitória.
Utilizando suas pernas, o ladrão ruivo deu
um coice no garoto, atingindo-o no rosto. O impacto fez o jovem cair ao chão e
levar as mãos à face, o que permitiu que o ladrão rapidamente se recuperasse e
voltasse a correr.
Ethan levantou-se com dificuldade e cuspiu
no chão para checar se havia perdido algum dente. Demorou alguns segundos para
que a escuridão em sua frente desaparecesse. A sensação era de que tudo estava
rodando.
Sentado no chão, reparou que alguns metros
a frente havia um cartão no caído que provavelmente estava no bolso do garoto
ruivo que o chutou. Ao aproximar-se, notou que o cartão escuro estava sujo de
lama e exibia uma foto do ladrão ruivo e alguma informação escrita quase
inteligível.
ORGANIZAÇÃO ROCK--
NOME: Silver Arg--
CARGO: Executivo
— “Silver”...? — leu o garoto.
— Isso é meu, desgraçado!
A voz do ladrão ruivo soou ameaçadora. A
sombra do corpo do garoto cobriu Ethan que olhou para o rosto do rapaz.
— Seu nome é Silver?
— É algo que você nunca vai saber — respondeu o ruivo, atingindo Ethan na cabeça com
uma pedra, fazendo-o desmaiar.
O ladrão pegou o cartão de volta das mãos
do menino e deu uma súbita olhada, suspirando aliviado que as informações
importantes estavam ocultas pela lama nele. Voltou a guardá-lo no bolso e saiu
em disparada antes da polícia chegar até aquele ponto onde ele se encontrava.
***
As coisas pareciam meio fora de lugar
quando Ethan abriu os olhos. Não havia cheiro de grama, não havia mais árvores,
nem mato, muito menos lama na estrada. Ele sequer estava em um ambiente externo! Tudo
girava e a cabeça doía, mas ele reconheceria aquelas paredes em qualquer lugar
do mundo. Apesar de as cortinas abafarem a luz, ele ainda sabia que elas eram
amarelas.
Nelas, diferente de muitos quartos de jovens
e adolescentes da mesma idade da dele, não havia pôsteres de carros ou animes
pendurados, nem sequer imagens de Pokémon de qualquer tipo — sua mãe não era
adepta de incentivá-lo a isso, afinal de contas, modas são passageiras e
retocar a pintura por remover algum pôster custava dinheiro. De móveis
presentes, apenas o bastante para organizar as coisas que o garoto tinha. Um
guarda-roupas de madeira com três repartições erguia-se imponente em um canto, um
criado mudo tímido sustentava uma televisão de tubo com um vídeo-game instalado
em cima dela — um Nintendo 64 antigo, usado e desgastado, mas que ostentava um
charme que apenas um console antigo tinha; sem falar na rara fita dourada de “Yamask’s Mask” conectada a ele, que era
um dos poucos jogos que o menino tinha, mas que adorava.
Por fim, uma estante próxima da porta que
continha alguns livros, enciclopédias sobre Pokémon e volumes aleatórios de
séries de mangá fazia companhia com certa frequência, além de alguns Pokémon de
pelúcia espalhados que o menino se recusava a se desfazer, apesar de começar a
sentir vergonha de imaginar alguém o vendo conversar com elas. O tapete era azul,
razoavelmente grande e tinha um símbolo de PokéBola no centro, onde Ethan
costumava se imaginar em um campo de batalha com o Sandshrew de sua mãe. Sonhos
de um garoto bobo.
Sentado em sua cama, tentou se lembrar como
havia ido parar ali. Olhou para o criado mudo e viu uma PokéBola que repousava
nela, encostada no aparelho de televisão.
— Onde foi que eu já vi você? — perguntou o
garoto à cápsula. A cabeça pareceu doer um pouco mais ao ser forçada a
trabalhar.
E então, como um relâmpago, memórias piscaram em sua mente. Lembrou-se do ladrão ruivo que invadira o laboratório e roubou uma PokéBola.
Seu nome era... Qual era o nome dele mesmo?
Ethan fechou os olhos e tentou
concentrar-se nos detalhes. O cartão que achara no chão tinha um nome escrito.
— É isso! — exclamou ele saltando da cama
e, descalço, cruzou o quarto em direção à porta. Parou de súbito e lembrou-se
de pegar a PokéBola exposta na cômoda.
Ao cruzar o batente, imediatamente deu de
cara com uma figura alta — pelo menos, mais do que ele —, magra — mais do que
ele — e carrancuda — bem mais do que ele. Porque, de tudo o que ele era, ela, com certeza, era bem mais do que ele.
A mãe de Ethan, Marieta, tinha criado o
menino sozinha e nunca reclamou disso. Era jovem ainda, não tinha nem chegado
aos trinta anos e era muito bonita. Mas apesar do avental florido e simpático
que vestia, ela tinha o talento de paralisar o filho com um olhar bastante
específico, como se ela mesma fosse um Arbok que usava o golpe Glare e tivesse Intimidate como habilidade.
Apesar do menino ter herdado o gênio forte
e a pouca paciência, ele sabia que sua mãe era muito mais que um ser humano
comum. Ela era um Tyranitar.
— Onde é que você pensa que vai? — perguntou ela segurando uma faca em uma mão e um
copo de água na outra. Imediatamente, o garoto notou que um deles estava sendo
levado para seu quarto, mas naquele momento, ficou difícil dizer qual dos dois
sua mãe iria usar nele primeiro.
— Oi, mãe. Eu tô bem, mas agora não posso
conversar! Preciso ir até o laboratório do Professor Elm.
— Nada disso! Vá descansar depois do susto
que você me deu. Eu não posso deixar você cinco minutos sozinho que você
aparece desmaiado no meio da Rota 29!
— Mas mãe, a senhora não entende!
Marieta franziu o cenho e rosnou de forma
ameaçadora.
— Eu não vou falar de novo...
— Então tá — respondeu o garoto. — Posso
fazer uma pergunta?
Marieta relaxou a expressão do rosto.
— O que foi?
— Que horas são?
A mulher olhou para o braço procurando um
relógio. Foi o instante que bastou para que Ethan passasse por ela e seguisse
até a escada que dava para o andar inferior.
— ETHAN! — berrou Marieta.
— Desculpa mãe, te amo! — bradou o menino
enquanto corria em direção à porta.
Ele sabia que iria morrer com a surra que
iria levar. Mas pelo menos, o faria depois de fazer a coisa certa.
Apesar do laboratório ser relativamente
próximo de onde morava, o garoto tinha pressa em chegar, não apenas por medo de
sua mãe que, naquele momento deveria estar perseguindo-o com um facão em mãos,
mas também porque estava descalço. Ethan, em um primeiro momento, assustou-se
em ver que já anoitecia — o que o fez entender que ele dormiu por muito tempo — mas não deixou de sentir
raiva do ladrão ruivo, afinal, por causa dele, havia perdido seu par de
chinelos predileto. Isso fez o garoto apertar com força a PokéBola que
segurava.
Havia viaturas da polícia na porta do
laboratório. Agentes faziam segurança na entrada, mas Ethan não pareceu temer. Ele
saltou a faixa amarela escrita “Não Ultrapasse”, desviou para a direita quando
um dos policiais — uma figura alta e parruda com um bigode grosso — tentou
impedir sua aproximação, colocando-se na frente do garoto estendendo o braço
musculoso para a frente em um claro sinal de parada obrigatória e atravessou a
porta com tamanha pressa que não conseguiu evitar que ela batesse com força na
parede ao lado e voltasse. Não tinha tempo para olhar para o dano causado. O
garoto continuou seguindo em frente pelo corredor até chegar à sala que havia sido
invadida pelo ladrão ruivo.
Nela, três policiais colhiam o depoimento
do Professor Elm, visivelmente abalado, enquanto Lyra estava o abraçando. Dois
peritos tiravam fotos da janela quebrada e um terceiro se encontrava agachado
observando o chão atentamente para tentar recolher alguma pista que levasse ao
ladrão misterioso. A chegada do garoto chamou a atenção de todos os presentes.
— Ethan? — questionou Lyra, surpresa. — O
que está fazendo aqui? Você não deveria estar se recuperando em casa?
— A minha mãe disse a mesma coisa, mas isso
não é importante no momento! — exclamou o menino estendendo a PokéBola de
Cyndaquil para o professor.
— Esse é o Pokémon que foi levado do
laboratório? — perguntou um dos policiais.
— Não! Quer dizer, é, mas não é! —
respondeu o garoto eufórico.
— Ethan, me desculpe, mas agora não é bem o
melhor momento para visitas — disse Elm com um certo lamento na voz. — Soube
que o ladrão desmaiou você na Rota 29, fico feliz em ver você inteiro, mas eu
acho qu-
— Eu sei o nome do ladrão!
Houve um súbito momento de silêncio. Os
presentes se olharam com apreensão. O coração de Ethan parecia que iria saltar
pela boca do menino a qualquer momento.
— Desembucha logo, garoto! — exclamou Lyra.
Ethan pareceu nervoso por algum motivo, mas
logo abriu a boca para vomitar muitas informações ao mesmo tempo.
— Eu estava perseguindo aquele ladrão ruivo
idiota quando ele tropeçou numa raiz de árvore e deixou cair um cartão no chão.
Eu acho que era um cartão — o menino “esqueceu” de mencionar a parte que levara
um coice. — Nele, estava escrito algo como “Organização Rock”, como a música, e
que ele era executivo. O nome dele é “Silver” alguma coisa.
Um dos policiais aproximou-se dele.
— E o que mais você se lembra?
— O cartão estava sujo de lama... Eu não
consegui ver muitos detalhes dele, o Silver pegou ele da minha mão também...
— Entendo. E você disse que ele era ruivo?
— O policial tornou a perguntar.
— Sim. Ruivo, cabelo escarlate, quase como
as cores das chamas do Cyndaquil — comparou Ethan, lembrando-se de imediato de
apertar o botão da cápsula para liberar o Pokémon roedor. — Inclusive, professor,
me desculpe por ter pegado ele também. Eu sei que o senhor deve ter ficado
preocupado, eu fui impulsivo... Eu só queria trazer o Totodile de volta... Mas
eu não sei, parece até que ele quis
ficar com o Silver. Super esquisito.
Elm deu um sorriso terno. Apesar de tudo,
ele via que Ethan era um bom menino. Aproximou-se dele e afagou o topo de sua
cabeça.
— Está tudo bem. Obrigado pelo seu trabalho.
— Mas tem uma coisa no que o Ethan disse
que me chamou a atenção — disse Lyra. — Ele disse que o ladrão ruivo, Silver,
deixou cair no chão um cartão que não continha só o nome dele, mas também tinha
o nome de uma “organização”, é isso?
— Sim — respondeu o garoto de imediato. —
“Organização Rock”, ou coisa do tipo.
Os policiais se entreolharam.
— Será que temos uma nova organização criminosa atuando aqui em Johto?
— Precisamos investigar — disse o parceiro.
— Se isso for verdade, não podemos deixá-los tomar controle, não agora que a
Equipe Rocket caiu.
— Se vocês precisarem de algo, eu estou à
disposição. Estou muito grato pelo trabalho que vocês estão fazendo — agradeceu
Elm.
— E quanto ao Silver? — perguntou Ethan aos
agentes.
— Nós continuaremos investigando. Já temos
as características dele e, principalmente, seu nome. E graças a você — o policial
sorriu gentilmente.
Os olhos de Ethan brilharam ao ouvir o
elogio.
— Graças a mim...! É. Eu sabia que não
podia ser coincidência. Só pode ser um chamado de Arceus pra algo maior. — E
inflou o peito, apoiando as mãos na cintura. — Essa cidade precisa de um herói. Eu
irei atrás do Silver.
Lyra o olhou de forma debochada de cima a
baixo.
— Aham. Claro. Um “herói”... — e enfatizou
as aspas com os dedos — ...vestindo uma roupa surrada e ainda por cima
descalço. Você tá mais pra um mendigo do que pro Golbatman!
— “Vushê djê bães
pré bedjego gue pre Golbédiman”, ah, Lyra, não enche! — respondeu Ethan,
repetindo o que a garota havia dito com uma careta. — É o meu momento de sair
em jornada e você não vai acabar com
ele!
— Mas eu
vou!
Por coincidência ou não, as luzes do
laboratório piscaram. Uma aura pesada e intensa tomou conta do lugar quando a
mulher apareceu no corredor. Ela ainda usava seu avental, mas dessa vez, ela
estava longe de parecer simpática. Ela ostentava um olhar assassino, como um
Tyranitar prestes a usar um Outrage.
Armada com um chinelo na mão, a postura ereta da mulher não disfarçava que ela estava
com a respiração bastante ofegante. Isso a tornava ainda mais ameaçadora, pois
parecia que a qualquer momento ela iria explodir.
— Que história é essa de sair em jornada,
Ethan Heart? Você ficou maluco?! Eu
não pari filho pra sair em viagem e morrer na jornada, não!
— Mas mamãe...
— Já pra casa! Você precisa descansar.
Realmente você bateu a cabeça, só isso pra explicar essa sua falta de noção!
— Eu vou pra casa e vou descansar... Mas
depois, pode ter certeza de que eu sair em uma jornada!
Marieta avançou em passos lentos na direção
do filho, que a encarava de forma corajosa. Os dois ignoraram a presença de
todos os presentes, que se entreolhavam sem reação.
— Você está me desafiando...? Eu trouxe
você pra esse mundo e posso tirar você dele!
— Não é isso! Eu quero ser útil, apenas.
Essa cidade é uma porcaria, não dá pra fazer nada nela! Então eu posso aproveitar e ajudar o Professor Elm e...
— VOCÊ QUE É O RESPONSÁVEL POR QUERER MATAR
O MEU BEBÊ?! — a mulher berrou, se
virando para o professor que ficou mais branco do que o jaleco que vestia.
Houve apenas uma fração de segundo para que
Elm abaixasse a tempo de evitar que o chinelo o atingisse. Mas, infelizmente
para a parede atrás dele, a sorte não sorriu. O chinelo pareceu fazer uma curva
e atingiu o que sobrava da janela quebrada mais cedo, destruindo a armação e
deixando um enorme buraco na parede.
Todos os presentes na sala estavam em
pânico. Não mexiam um único músculo.
— Sinistro, mamãe... — comentou Ethan com
temor na voz, olhando para o buraco na parede.
— Não é a toa que eu fui campeã regional de arremesso de bumerangue no Parque Nacional
três anos consecutivos — a mulher se gabou.
— Mãe, por que a senhora não me deixa sair
numa jornada? O que custa?! Eu posso ajudar o Professor Elm! — Ethan aumentava
o tom de voz.
— Você não tem cabeça pra isso! Você não
consegue sequer sair na rua sem voltar machucado. Vamos pra casa, depois nós
conversamos sobre isso.
— Mas mãe!
Marieta pegou na orelha do filho e passou a
arrastá-lo em direção à porta, mesmo com os protestos do garoto.
— Desculpa pela janela, Professor Elm,
prometo pagar o prejuízo.
— N-não se preocupe, vizinha... — respondeu
o homem sem jeito.
***
A cidade de Pallet era um vilarejo
localizado a oeste da região de Kanto. Pacata, tranquila e com saída para o
mar, era conhecida principalmente por ser o local em que se encontrava o
laboratório Pokémon do Professor Carvalho, o maior pesquisador do mundo. O sol
nascia no horizonte e a luz começava a iluminar as ruazinhas e suas casas
simples de muro baixo e hortas no jardim. Os Pidgey piavam enquanto alguns
Rattata podiam ser vistos naquele horário procurando algum alimento para levar
até seus ninhos.
Amanda Green aproximava-se cautelosa da
entrada da cidade, sempre checando os arredores para ter certeza de que não
estava sendo seguida. O trem que pegara em Saffron a deixara na Estação de
Pewter há dois dias. Resolveu comprar roupas novas para garantir que nenhum agente
da Equipe Rocket a seguiria, ou pelo menos, para dificultar a sua
identificação. Agora ostentava um chapéu branco com uma faixa vermelha
decorativa, grande o bastante para esconder seu rosto, uma regata azul e uma
saia escarlate no lugar da legging
branca para que se sentisse mais confortável. Com o que sobrara do dinheiro —
que fazia parte do último salário que ela recebeu trabalhando como agente
Rocket e que ela precisava repor de alguma maneira, visto que aparentemente não
receberia algum outro ordenado tão cedo —, comprou uma bolsa amarela a tiracolo
para guardar seus pertences, como PokéBolas, uma escova de cabelo e outros
itens femininos importantes.
Ainda em Pewter, ligou para o laboratório
do Professor Carvalho para marcar um encontro. Usou seu charme para conseguir
de um cientista no Museu de Ciências Naturais da cidade o telefone do
professor. Ela pensou que, pelo fato de Carvalho ser um pesquisador renomado, com certeza seria um contato direto com
os pesquisadores de lá. E ela estava certa.
Ela havia saído cedo de Viridian, que,
apesar de também se encontrar na Kanto rural, era maior em tamanho e em
população em relação à Pallet. Ela não esperava, no entanto, que o caminho por
entre a Rota 1, estrada que ligava as duas cidades, fosse tão curto.
Amy marcou um horário logo pela manhã, às
8h, com a desculpa de visitar o laboratório para que pudesse renovar sua
Licença de Treinadora. O Professor Carvalho achou estranho, primeiro o fato de
a garota ter conseguido o seu número particular para fazer contato. E segundo,
depender dele para tirar uma licença
que poderia ser renovada em qualquer Centro Pokémon espalhado pelo país. Mas o
Professor jamais iria deixar um
treinador na mão.
Pena que ele não imaginava que a treinadora
estava querendo bem mais do que
apenas a renovação de uma licença.
Acontece que Amy chegou muito mais cedo do que o previsto. As
ruas estavam desertas, as pessoas deviam estar levantando naquele horário.
Tirou o PokéGear da bolsa e verificou que passava um pouco das seis da manhã.
Saco. Resolveu matar o tempo explorando a cidade enquanto sentia a brisa soprar
em seu rosto.
Na praça central, deixou-se enfeitiçar pelo
aroma dos diversos tipos de flores e plantas que a cercavam. Seguiu caminhando
até ouvir o inconfundível som de água passando tranquila, seguindo o fluxo de
um rio que serpenteava cortando Pallet. Fazia realmente muito tempo que ela não
sentia aquela sensação de liberdade, pois não se lembrava da última vez que ela
havia feito um trabalho de campo tão próximo da natureza daquele jeito. As
rotas próximas à Saffron mal tinham mata nativa; elas deram lugar às mansões dos
ricaços que moravam próximas à capital de Kanto. Seguiu sem pressa pela margem
do rio até notar que ele desembocava no mar.
E que visão ela teve! Ao fundo, ao que
pareciam infinitos quilômetros, as montanhas das cordilheiras que cortavam a
região que naquela época do ano estavam cobertas pelo verde. O oceano azul
refletia o céu como se fosse um espelho, de tão límpidas que eram suas águas. Amy
sabia que, diante dela, estava a Rota 21 — marítima, tão grande e larga que o
único lugar em quilômetros com terra firme era a Ilha Cinnabar, que foi
destruída anos atrás em uma erupção causada por motivos antinaturais ainda não
explicados.
Pallet era tão pequena que, ao olhar de
novo para o relógio, Amy percebeu que não tinha levado nem quarenta minutos a
pé para cruzar a cidade inteira até aquele ponto. Resolveu então sentar-se em
uma rocha e ficar admirando o mar e o nascer do sol, se permitindo perder-se em
seus pensamentos.
***
Samuel Carvalho havia virado a noite mantendo-se concentrado na tela do computador, onde digitava alguma coisa importante. Seus cabelos grisalhos eram apenas um indício da idade, já avançada, de um homem que dedicou a vida ao estudo acadêmico. Suas olheiras misturavam-se com os olhos marcados pelas rugas e pálpebras caídas, mas que não se desviavam do foco. Sua atenção, porém, foi interrompida quando a campainha tocou.
Ele olhou para o canto inferior direito da tela
e viu o horário exibido: 8:03h. Bebericou seu café preto — agora já morno — e
levantou-se de sua cadeira, não sem antes fechar o arquivo em que trabalhava. Do
andar superior, desceu um rapaz que não tinha muito mais do que vinte e cinco
anos de idade, de cabelos negros bagunçados, óculos redondos e que ainda por
cima, era magrelo. Vestia seu jaleco branco que era um uniforme do laboratório e
passou veloz em direção à porta de entrada.
— Estou indo atender — disse o jovem. — Bom
dia, professor.
— Obrigado, Paul, bom dia — respondeu
Samuel, vestindo também o seu jaleco que jazia apoiado na cadeira. — Deve ser a
treinadora que veio renovar a licença.
Não demorou muito para que Carvalho caminhasse
até a sala de espera e encarasse Amanda Green pela primeira vez. Acompanhada de
Paul, seu assistente, a garota por um breve instante pareceu tensa, recolhida
sobre os ombros enquanto passava os olhos pela sala como se escaneasse o
ambiente.
O laboratório tinha dois andares. No primeiro andar, um largo corredor era dividido com diversas portas para salas que naquele momento se encontravam fechadas. Uma parede dividia os corredores até uma confortável sala de visitas, com dois sofás confortáveis dispostos em paralelo a uma mesa de centro feita de madeira, ambos em cima de um elegante tapete vermelho. Estantes repletas de livros e com vasos decorativos dos mais diversos tamanhos, com até mesmo uma televisão em uma delas decoravam o local e os quadros exibiam passagens marcantes do professor em sua carreira, desde a formatura da Universidade de Celadon até mesmo a inauguração daquele laboratório, quando Pallet ainda estava no começo — tardio — de seu desenvolvimento urbano.
À esquerda, diversos tipos de computadores e uma escada que dava para o segundo andar. Uma grande máquina se mostrava do outro lado da sala, com um monitor apagado por não estar sendo usado naquele momento. Era através dela que o Professor enviava e recebia Pokémon dos treinadores em suas viagens através de um sistema de transferência que fora desenvolvido por um cara chamado Bill, um gênio da computação e amigo pessoal de Carvalho, que residia no litoral, próximo à Cidade de Cerulean.
No segundo andar funcionava o coração do laboratório em si. Diversos maquinários estranhos com diferentes tamanhos, uma grande mesa com diversas papeladas e anotações, microscópios, tubos de teste e um computador grande faziam parte da decoração. De frente para ela, uma grande janela que dava vista para a parte externa do laboratório, um imenso campo onde os Pokémon corriam soltos.
Ao olhar o professor em sua frente, Amy
relaxou e abriu um sorriso de orelha a orelha.
— Bom dia, professor! É uma honra
conhecê-lo. Me desculpe o atraso, eu me distraí com a cidade.
— Você deve ser a Amanda. O prazer é meu,
minha jovem. Apesar de eu ainda achar suspeito você ter conseguido o meu
telefone pessoal... — riu o professor, como se tivesse feito uma piada um pouco
suja, em um misto de vergonha e expectativa para ver a reação da adolescente.
— Não se preocupe, professor. Eu não
pretendo ligar para o senhor para vender jornal ou plano de internet —
respondeu ela.
Houve alguns segundos de silêncio. O
professor e o assistente se entreolharam chocados com a resposta.
O professor gargalhou.
— Vender jornal. Que resposta maravilhosa!
Já gosto muito de você, senhorita Amanda! — o homem usou a falange do indicador
para secar uma lágrima. — Muito bem, siga-me por favor, vamos ao assunto que
nos interessa, sim?
O Professor Carvalho, sendo seguido por
Paul e Amy, caminhou até o grande salão que havia dentro do laboratório. A
garota abriu a boca, impressionada com o maquinário que havia presente ali.
— Quanta coisa! — exclamou ela.
— Você nunca esteve em um laboratório
Pokémon antes? — perguntou Paul. — É daqui que auxiliamos os treinadores
durante a viagem. Os Pokémon que vocês capturam podem ser enviados para cá para
serem armazenados e os dados recolhidos com a PokéDex servem de base para que
novas pesquisas possam ser feitas.
— Poxa, que bacana... Eu queria poder
guardar minha equipe num lugar assim.
— Você mantém seus Pokémon com você? Se
você quiser, podemos linkar sua
PokéDex com o laboratório, assim você sempre terá o sistema de armazenamento
disponível para organizar a sua equipe — ofereceu o assistente.
— Eu adoraria, mas... — Amy olhou para o
chão, levemente envergonhada. — Eu não tenho uma PokéDex.
Um novo silêncio tomou conta do lugar. Foi
o professor que o quebrou novamente.
— Eu acho que eu devo ter uma PokéDex em
algum lugar por aqui. Estava trabalhando em atualizações para ela e fazendo
algumas manutenções. Devem estar no segundo andar. Paul, você poderia ir subir
comigo para preparar o cadastro da senhorita Amanda no Sistema de Armazenamento
do laboratório? Eu vou aproveitar para pegar uma PokéDex para ela.
— Claro, professor! — respondeu Paul.
— Fique a vontade, senhorita Amanda.
Voltamos em um instante.
Amy assentiu com a cabeça e, com um sorriso
simpático, colocou as mãos para trás. O professor e seu assistente logo subiram
para o segundo andar e a garota aproximou-se de uma das máquinas e pareceu
interessada nela. Ao ter certeza de que os dois estavam no andar superior e não
havia ninguém com ela, a garota aproximou-se de um dos computadores do
laboratório e olhou para a tela. O papel de parede era uma imagem de PokéBola e
havia muitos arquivos. Olhando rapidamente, localizou um arquivo na área de
trabalho que chamou a sua atenção, intitulado “ARTIGO SOBRE CLONAGEM POKÉMON
v4.7”. Retirou o PokéGear, um cabo USB e um pendrive
de dentro da bolsa amarela. Colocou o cabo no PokéGear e inseriu a outra ponta
em uma entrada do gabinete e fez o mesmo com o pendrive, inserindo-o numa entrada abaixo do cabo USB onde criou
uma cópia do arquivo e o salvou ali dentro.
— O que você está fazendo? — a voz do
professor a pegou de surpresa.
O homem desceu as escadas e a garota tentou
manter o controle da situação. Rapidamente ela pegou o PokéGear e estendeu ao
homem. Com a outra mão, desplugou o pendrive
e o cabo USB ligado ao aparelho.
— Me desculpe, professor. Eu vi o
computador aqui e me lembrei de baixar a atualização do mapa de Johto no meu
PokéGear — o professor Carvalho olhava desconfiado para o aparelho em sua mão.
— Eu pretendo fazer uma jornada lá. Eu nunca fui pra Johto.
De relance, o homem olhou para a tela do
computador. Aberta na tela, a página inicial do site oficial da PokéGear.
— Tudo bem. É que você poderia ter pedido
autorização antes de usar esse computador. Tem muita coisa nele que é
importante e confidencial, não é bacana qualquer pessoa mexendo nele — explicou o
professor enquanto aproximava do monitor e desligava sua tela.— Inclusive, você
precisa tirar uma foto para terminar o registro da PokéDex no seu nome.
Paul, o assistente, logo desceu com algo em
mãos. A carcaça do aparelho era vermelha e tinha no centro uma estampa que
remetia a uma PokéBola, tinha botões direcionais em formato de cruz e um LED
azul em formato redondo brilhava.
— Essa é a PokéDex de Kanto — o rapaz
pressionou a tampa e ela se abriu diante de Amy, exibindo ainda mais detalhes.
Havia uma tela digital e a parte inferior da tampa tinha uma estampa de
PokéBola na cor vermelha. Segurando o aparelho com as duas mãos, o rapaz o
apontou para a garota e sorriu. — Diga xis!
Amy descobriu ali que o LED azul na verdade
era uma câmera. A foto registrada a mostrou olhando para o dispositivo com ar
de curiosidade.
— Pronto. Amanda Green, treinadora
registrada na Cidade de Pallet. Agora você está apta para treinar Pokémon em
Kanto e em Johto — sorriu Paul.
— Obrigada! — Amy devolveu o sorriso.
— Você pretende iniciar uma jornada pela
região de Johto então? Tem muitos Pokémon interessantes lá que sequer podem ser
encontrados aqui em Kanto — disse o Professor.— Eu tenho um programa de rádio
na cidade de Goldenrod.
— Acho que está na hora de eu recomeçar, se é que o senhor me
entende...
— Oh. Claro que sim. Sempre é tempo de
conhecer e explorar novos lugares. Acho curioso como são as coisas. Você está
indo para Johto e eu tenho um encontro com um amigo em uma cidade de lá. Se
você quiser, eu posso lhe dar uma carona. O único horário que eu tinha
disponível hoje era esse, por causa desse compromisso.
— Obrigada, professor, mas não quero
atrapalhar — respondeu Amy, guardando a PokéDex na bolsa.
— Imagine. Não me custa nada. E pelo menos
durante a viagem eu posso aprender mais sobre você, senhorita Amanda Green.
Você ainda precisa me contar com quem conseguiu meu telefone
particular.
Amy deu um sorriso sem graça.
— Eu só preciso salvar umas coisas antes de
sair. E a senhorita precisa depositar seus Pokémon aqui no laboratório, não é?
Paul, por favor, leve Amanda até o computador do laboratório e mostre a ela
como usar o sistema de armazenamento.
— Certo. Por aqui, Amy — disse o jovem,
conduzindo a jovem até o computador grande do outro lado do laboratório.
Discretamente, o Professor Carvalho ligou a
tela de seu computador e abriu o arquivo em que trabalhava. Checou atentamente
se havia alguma coisa fora do lugar, mas estava exatamente como tinha sido salvo
pela última vez.
— Será que ela mexeu em alguma coisa por
aqui...? — perguntou ele para si mesmo e olhou para Amy de relance, que estava
com Paul mexendo na máquina. — Quem é você, Amanda Green?
TO BE CONTINUED...






















