Posted by : Dento Dec 17, 2025

 


— Eu vou fazer você se arrepender de ter se metido onde não foi chamado.

 

O ruivo apertou o botão central da cápsula da PokéBola e um brilho vermelho tomou a forma de um Pokémon que fez Ethan e Cyndaquil hesitarem por um instante.

Quando Totodile apareceu, ainda mantinha a postura hiperativa, pulando sobre as duas patas. Mas, ao perceber Cyndaquil e Ethan do outro lado da rua, sua expressão ficou sombria.

Ele estava pronto para o combate. Ethan, que só tinha visto batalhas Pokémon pela televisão, não.

 

Water Gun! — exclamou o ruivo.

 

O Pokémon aquático avançou alguns metros em direção ao oponente e abriu a bocarra, expelindo um poderoso jato de água que atingiu Cyndaquil em cheio, à queima roupa.O Pokémon de Fogo foi arremessado pelo ar em direção a Ethan e caiu próximo dos pés do garoto, que exclamou alto.

Do outro lado da rua, o ruivo soltou uma risada.

 

— Não acredito que você sequer tem a capacidade de controlar um Pokémon... E eu ainda pensei por um instante que eu tava ferrado. Totodile, acabe com ele. Water Gun!

 

A bocarra do Pokémon sob as ordens do ruivo se abriu. Cyndaquil olhou para Ethan esperando por alguma ordem. Ele não sabia agir sob pressão.

 

— Eu não conheço nenhum ataque seu! — exclamou o garoto para o Pokémon. — Então, use a evasiva!

 

Cyndaquil acenou com a cabeça em sinal positivo e disparou para a lateral, desviando do jato de água do oponente. Ethan tentava desesperadamente pensar em alguma coisa quando as costas do Pokémon de Fogo se acenderam como espinhos em brasa e uma faísca acendeu no cérebro do garoto, que imediatamente o fez se lembrar de uma informação importante.

No laboratório, Lyra havia mencionado que as costas de Cyndaquil explodiam em chamas para usar seus golpes de fogo, como o...

Como era mesmo o nome daquele golpe?

 

Scratch! — ordenou o ruivo.

 

Totodile aproveitou o momento de hesitação do outro Pokémon, que aguardava os comandos do garoto humano, e usou suas garras nas patas dianteiras para fazer um ataque direto, arranhando o corpo do oponente. Mais um ataque direto, aquilo não era bom.

Ethan não conseguia se lembrar do nome do golpe de fogo de Cyndaquil. Que droga, Lyra! Não bastava depender do que ela havia dito, agora o garoto estava se odiando porque bloqueara uma informação importante daquelas.

Totodile partiu para o ataque direto enquanto as chamas de Cyndaquil continuavam a arder em suas costas, como brasas sem controle que incendiavam o ar.

Brasas? Mas é claro, brasas! Era isso!

 

— Ah, é! Lembrei! — exclamou Ethan. — Ember!

 

Cyndaquil pareceu aliviado de ouvir o comando. Saltou sob as patas traseiras, o que surpreendeu Totodile que passou direto, por baixo. O Pokémon de fogo disparou brasas da boca, atingindo o oponente pelas costas.

Não que tivesse causado um dano considerável, pelo contrário, o ataque não foi muito efetivo, afinal de contas, golpes de Fogo são fracos contra Pokémon de Água, mas Totodile não gostou de ter sido pego de surpresa.

O Pokémon crocodilo encarou Cyndaquil e abriu a bocarra. Com uma investida, mordeu o focinho do oponente. Ele se mexia sem esperar ordens do garoto ruivo.

Por sua vez, o ladrão dava um sorriso perverso.

 

— Esse Pokémon é bem melhor do que eu esperava. Eu podia ter pegado qualquer um, mas que bom que acabou sendo um Pokémon independente como você!

 

Cyndaquil chacoalhava-se por inteiro tentando fazer Totodile soltar seu focinho. Ethan, no entanto, soltou um berro.

 

— EMBER!

 

As costas de Cyndaquil explodiram em chamas. Suas bochechas incharam e, apesar de Totodile manter travado o focinho do oponente, fumaça começou a sair de suas narinas reptilianas. O Pokémon abriu a boca e liberou espaço o suficiente para que as brasas ardentes queimassem seu interior. Totodile largou Cyndaquil imediatamente e por um breve instante, pareceu que ele era um Pokémon do tipo Fogo pela fumaça saindo de suas mandíbulas.

Sirenes soaram ao longe. O ladrão olhou para trás e exibiu uma expressão de preocupação.

Lyra aproximou-se correndo de Ethan. O ruivo voltou sua atenção à batalha.

 

— Dois contra um é injusto, não acham? — e sorriu de forma debochada.

— Eu e meu tio já chamamos a polícia, garoto. Devolva já esse Totodile!

— Não é roubo se eu posso fazer isso — o ruivo apontou a PokéBola para o Pokémon de Água e o retornou para a cápsula.

— O que pensa que está fazendo?! — indagou Ethan, elevando o tom de voz.

— Foi mal. Eu disse que eu ia fazer você se arrepender de ter se metido, mas parece que chutar a sua bunda vai ter que ficar pra depois, moleque. Sayonará.

 

O garoto ruivo correu em disparada para o outro lado da rua, afastando-se em direção à saída da cidade. Ethan retornou Cyndaquil e passou a persegui-lo para desespero de Lyra, que não sabia se corria atrás do menino ou retornava para o laboratório para contar ao tio o que havia testemunhado.

As árvores do bosque que dividiam a entrada de New Bark com a Rota 29 ficavam cada vez mais densas. Aos poucos, as casas iam dando espaço para a natureza, chão batido e grama alta espalhada pela estrada, onde alguns Pokémon escondiam-se dos humanos que vez ou outra andavam por ali no trajeto que levava à Cherrygrove. Havia chovido na noite anterior, então a estrada de terra estava ainda enlamaçada.

Ethan sentia que a qualquer momento iria tropeçar nos chinelos. Sentia raiva por estar ficando sem fôlego enquanto o ruivo à sua frente sequer parecia ter pulmões.

O garoto ruivo, por sua vez, sentiu algo passar rente à sua cabeça. Ao olhar alguns metros à frente, um chinelo virado. Olhou para trás e viu Ethan, descalço, com um segundo chinelo em mãos.

O segundo chinelo só não acertou o alvo porque outra vez passou rente à cabeça do ruivo. Não por Ethan ser ruim de mira, mas sim porque o ladrão tropeçou em uma raiz de árvore que não vira à sua frente por ter se distraído olhando para trás, caindo no chão, estatelando-se com os braços abertos.

 

— RÁ! Te peguei, idiota! — exclamou Ethan, aproximando-se do rapaz com um sorriso debochado de vitória.

 

Utilizando suas pernas, o ladrão ruivo deu um coice no garoto, atingindo-o no rosto. O impacto fez o jovem cair ao chão e levar as mãos à face, o que permitiu que o ladrão rapidamente se recuperasse e voltasse a correr.

Ethan levantou-se com dificuldade e cuspiu no chão para checar se havia perdido algum dente. Demorou alguns segundos para que a escuridão em sua frente desaparecesse. A sensação era de que tudo estava rodando.

Sentado no chão, reparou que alguns metros a frente havia um cartão no caído que provavelmente estava no bolso do garoto ruivo que o chutou. Ao aproximar-se, notou que o cartão escuro estava sujo de lama e exibia uma foto do ladrão ruivo e alguma informação escrita quase inteligível.

 

ORGANIZAÇÃO ROCK--

 

NOME: Silver Arg--

CARGO: Executivo

 

— “Silver”...? — leu o garoto.

— Isso é meu, desgraçado!

 

A voz do ladrão ruivo soou ameaçadora. A sombra do corpo do garoto cobriu Ethan que olhou para o rosto do rapaz.

 

— Seu nome é Silver?

— É algo que você nunca vai saber — respondeu o ruivo, atingindo Ethan na cabeça com uma pedra, fazendo-o desmaiar.

 

O ladrão pegou o cartão de volta das mãos do menino e deu uma súbita olhada, suspirando aliviado que as informações importantes estavam ocultas pela lama nele. Voltou a guardá-lo no bolso e saiu em disparada antes da polícia chegar até aquele ponto onde ele se encontrava.

 

***

 

As coisas pareciam meio fora de lugar quando Ethan abriu os olhos. Não havia cheiro de grama, não havia mais árvores, nem mato, muito menos lama na estrada. Ele sequer estava em um ambiente externo! Tudo girava e a cabeça doía, mas ele reconheceria aquelas paredes em qualquer lugar do mundo. Apesar de as cortinas abafarem a luz, ele ainda sabia que elas eram amarelas.

Nelas, diferente de muitos quartos de jovens e adolescentes da mesma idade da dele, não havia pôsteres de carros ou animes pendurados, nem sequer imagens de Pokémon de qualquer tipo — sua mãe não era adepta de incentivá-lo a isso, afinal de contas, modas são passageiras e retocar a pintura por remover algum pôster custava dinheiro. De móveis presentes, apenas o bastante para organizar as coisas que o garoto tinha. Um guarda-roupas de madeira com três repartições erguia-se imponente em um canto, um criado mudo tímido sustentava uma televisão de tubo com um vídeo-game instalado em cima dela — um Nintendo 64 antigo, usado e desgastado, mas que ostentava um charme que apenas um console antigo tinha; sem falar na rara fita dourada de “Yamask’s Mask” conectada a ele, que era um dos poucos jogos que o menino tinha, mas que adorava.

Por fim, uma estante próxima da porta que continha alguns livros, enciclopédias sobre Pokémon e volumes aleatórios de séries de mangá fazia companhia com certa frequência, além de alguns Pokémon de pelúcia espalhados que o menino se recusava a se desfazer, apesar de começar a sentir vergonha de imaginar alguém o vendo conversar com elas. O tapete era azul, razoavelmente grande e tinha um símbolo de PokéBola no centro, onde Ethan costumava se imaginar em um campo de batalha com o Sandshrew de sua mãe. Sonhos de um garoto bobo.

Sentado em sua cama, tentou se lembrar como havia ido parar ali. Olhou para o criado mudo e viu uma PokéBola que repousava nela, encostada no aparelho de televisão.

 

— Onde foi que eu já vi você? — perguntou o garoto à cápsula. A cabeça pareceu doer um pouco mais ao ser forçada a trabalhar.

 

E então, como um relâmpago, memórias piscaram em sua mente. Lembrou-se do ladrão ruivo que invadira o laboratório e roubou uma PokéBola.

Seu nome era... Qual era o nome dele mesmo?

Ethan fechou os olhos e tentou concentrar-se nos detalhes. O cartão que achara no chão tinha um nome escrito.

 

— É isso! — exclamou ele saltando da cama e, descalço, cruzou o quarto em direção à porta. Parou de súbito e lembrou-se de pegar a PokéBola exposta na cômoda.

 

Ao cruzar o batente, imediatamente deu de cara com uma figura alta — pelo menos, mais do que ele —, magra — mais do que ele — e carrancuda — bem mais do que ele. Porque, de tudo o que ele era, ela, com certeza, era bem mais do que ele.

A mãe de Ethan, Marieta, tinha criado o menino sozinha e nunca reclamou disso. Era jovem ainda, não tinha nem chegado aos trinta anos e era muito bonita. Mas apesar do avental florido e simpático que vestia, ela tinha o talento de paralisar o filho com um olhar bastante específico, como se ela mesma fosse um Arbok que usava o golpe Glare e tivesse Intimidate como habilidade.

Apesar do menino ter herdado o gênio forte e a pouca paciência, ele sabia que sua mãe era muito mais que um ser humano comum. Ela era um Tyranitar.

 

— Onde é que você pensa que vai? — perguntou ela segurando uma faca em uma mão e um copo de água na outra. Imediatamente, o garoto notou que um deles estava sendo levado para seu quarto, mas naquele momento, ficou difícil dizer qual dos dois sua mãe iria usar nele primeiro.

— Oi, mãe. Eu tô bem, mas agora não posso conversar! Preciso ir até o laboratório do Professor Elm.

— Nada disso! Vá descansar depois do susto que você me deu. Eu não posso deixar você cinco minutos sozinho que você aparece desmaiado no meio da Rota 29!

— Mas mãe, a senhora não entende!

 

Marieta franziu o cenho e rosnou de forma ameaçadora.

 

— Eu não vou falar de novo...

— Então tá — respondeu o garoto. — Posso fazer uma pergunta?

 

Marieta relaxou a expressão do rosto.

 

— O que foi?

— Que horas são?

 

A mulher olhou para o braço procurando um relógio. Foi o instante que bastou para que Ethan passasse por ela e seguisse até a escada que dava para o andar inferior.

 

— ETHAN! — berrou Marieta.

— Desculpa mãe, te amo! — bradou o menino enquanto corria em direção à porta.

 

Ele sabia que iria morrer com a surra que iria levar. Mas pelo menos, o faria depois de fazer a coisa certa.

Apesar do laboratório ser relativamente próximo de onde morava, o garoto tinha pressa em chegar, não apenas por medo de sua mãe que, naquele momento deveria estar perseguindo-o com um facão em mãos, mas também porque estava descalço. Ethan, em um primeiro momento, assustou-se em ver que já anoitecia — o que o fez entender que ele dormiu por muito tempo — mas não deixou de sentir raiva do ladrão ruivo, afinal, por causa dele, havia perdido seu par de chinelos predileto. Isso fez o garoto apertar com força a PokéBola que segurava.

Havia viaturas da polícia na porta do laboratório. Agentes faziam segurança na entrada, mas Ethan não pareceu temer. Ele saltou a faixa amarela escrita “Não Ultrapasse”, desviou para a direita quando um dos policiais — uma figura alta e parruda com um bigode grosso — tentou impedir sua aproximação, colocando-se na frente do garoto estendendo o braço musculoso para a frente em um claro sinal de parada obrigatória e atravessou a porta com tamanha pressa que não conseguiu evitar que ela batesse com força na parede ao lado e voltasse. Não tinha tempo para olhar para o dano causado. O garoto continuou seguindo em frente pelo corredor até chegar à sala que havia sido invadida pelo ladrão ruivo.

Nela, três policiais colhiam o depoimento do Professor Elm, visivelmente abalado, enquanto Lyra estava o abraçando. Dois peritos tiravam fotos da janela quebrada e um terceiro se encontrava agachado observando o chão atentamente para tentar recolher alguma pista que levasse ao ladrão misterioso. A chegada do garoto chamou a atenção de todos os presentes.

 

— Ethan? — questionou Lyra, surpresa. — O que está fazendo aqui? Você não deveria estar se recuperando em casa?

— A minha mãe disse a mesma coisa, mas isso não é importante no momento! — exclamou o menino estendendo a PokéBola de Cyndaquil para o professor.

— Esse é o Pokémon que foi levado do laboratório? — perguntou um dos policiais.

— Não! Quer dizer, é, mas não é! — respondeu o garoto eufórico.

— Ethan, me desculpe, mas agora não é bem o melhor momento para visitas — disse Elm com um certo lamento na voz. — Soube que o ladrão desmaiou você na Rota 29, fico feliz em ver você inteiro, mas eu acho qu-

— Eu sei o nome do ladrão!

 

Houve um súbito momento de silêncio. Os presentes se olharam com apreensão. O coração de Ethan parecia que iria saltar pela boca do menino a qualquer momento.

 

— Desembucha logo, garoto! — exclamou Lyra.

 

Ethan pareceu nervoso por algum motivo, mas logo abriu a boca para vomitar muitas informações ao mesmo tempo.

 

— Eu estava perseguindo aquele ladrão ruivo idiota quando ele tropeçou numa raiz de árvore e deixou cair um cartão no chão. Eu acho que era um cartão — o menino “esqueceu” de mencionar a parte que levara um coice. — Nele, estava escrito algo como “Organização Rock”, como a música, e que ele era executivo. O nome dele é “Silver” alguma coisa.

 

Um dos policiais aproximou-se dele.

 

— E o que mais você se lembra?

— O cartão estava sujo de lama... Eu não consegui ver muitos detalhes dele, o Silver pegou ele da minha mão também...

— Entendo. E você disse que ele era ruivo? — O policial tornou a perguntar.

— Sim. Ruivo, cabelo escarlate, quase como as cores das chamas do Cyndaquil — comparou Ethan, lembrando-se de imediato de apertar o botão da cápsula para liberar o Pokémon roedor. — Inclusive, professor, me desculpe por ter pegado ele também. Eu sei que o senhor deve ter ficado preocupado, eu fui impulsivo... Eu só queria trazer o Totodile de volta... Mas eu não sei, parece até que ele quis ficar com o Silver. Super esquisito.

 

Elm deu um sorriso terno. Apesar de tudo, ele via que Ethan era um bom menino. Aproximou-se dele e afagou o topo de sua cabeça.

 

— Está tudo bem. Obrigado pelo seu trabalho.

— Mas tem uma coisa no que o Ethan disse que me chamou a atenção — disse Lyra. — Ele disse que o ladrão ruivo, Silver, deixou cair no chão um cartão que não continha só o nome dele, mas também tinha o nome de uma “organização”, é isso?

— Sim — respondeu o garoto de imediato. — “Organização Rock”, ou coisa do tipo.

 

Os policiais se entreolharam.

 

— Será que temos uma nova organização criminosa atuando aqui em Johto?

— Precisamos investigar — disse o parceiro. — Se isso for verdade, não podemos deixá-los tomar controle, não agora que a Equipe Rocket caiu.

— Se vocês precisarem de algo, eu estou à disposição. Estou muito grato pelo trabalho que vocês estão fazendo — agradeceu Elm.

— E quanto ao Silver? — perguntou Ethan aos agentes.

— Nós continuaremos investigando. Já temos as características dele e, principalmente, seu nome. E graças a você — o policial sorriu gentilmente.

 

Os olhos de Ethan brilharam ao ouvir o elogio.

 

— Graças a mim...! É. Eu sabia que não podia ser coincidência. Só pode ser um chamado de Arceus pra algo maior. — E inflou o peito, apoiando as mãos na cintura. — Essa cidade precisa de um herói. Eu irei atrás do Silver.

 

Lyra o olhou de forma debochada de cima a baixo.

 

— Aham. Claro. Um “herói”... — e enfatizou as aspas com os dedos — ...vestindo uma roupa surrada e ainda por cima descalço. Você tá mais pra um mendigo do que pro Golbatman!

— “Vushê djê bães pré bedjego gue pre Golbédiman”, ah, Lyra, não enche! — respondeu Ethan, repetindo o que a garota havia dito com uma careta. — É o meu momento de sair em jornada e você não vai acabar com ele!

— Mas eu vou!

 

Por coincidência ou não, as luzes do laboratório piscaram. Uma aura pesada e intensa tomou conta do lugar quando a mulher apareceu no corredor. Ela ainda usava seu avental, mas dessa vez, ela estava longe de parecer simpática. Ela ostentava um olhar assassino, como um Tyranitar prestes a usar um Outrage. Armada com um chinelo na mão, a postura ereta da mulher não disfarçava que ela estava com a respiração bastante ofegante. Isso a tornava ainda mais ameaçadora, pois parecia que a qualquer momento ela iria explodir.

 

— Que história é essa de sair em jornada, Ethan Heart? Você ficou maluco?! Eu não pari filho pra sair em viagem e morrer na jornada, não!

— Mas mamãe...

— Já pra casa! Você precisa descansar. Realmente você bateu a cabeça, só isso pra explicar essa sua falta de noção!

— Eu vou pra casa e vou descansar... Mas depois, pode ter certeza de que eu sair em uma jornada!

 

Marieta avançou em passos lentos na direção do filho, que a encarava de forma corajosa. Os dois ignoraram a presença de todos os presentes, que se entreolhavam sem reação.

 

— Você está me desafiando...? Eu trouxe você pra esse mundo e posso tirar você dele!

— Não é isso! Eu quero ser útil, apenas. Essa cidade é uma porcaria, não dá pra fazer nada nela! Então eu posso aproveitar e ajudar o Professor Elm e...

— VOCÊ QUE É O RESPONSÁVEL POR QUERER MATAR O MEU BEBÊ?! — a mulher berrou, se virando para o professor que ficou mais branco do que o jaleco que vestia.

 

Houve apenas uma fração de segundo para que Elm abaixasse a tempo de evitar que o chinelo o atingisse. Mas, infelizmente para a parede atrás dele, a sorte não sorriu. O chinelo pareceu fazer uma curva e atingiu o que sobrava da janela quebrada mais cedo, destruindo a armação e deixando um enorme buraco na parede.

Todos os presentes na sala estavam em pânico. Não mexiam um único músculo.

 

— Sinistro, mamãe... — comentou Ethan com temor na voz, olhando para o buraco na parede.

— Não  é a toa que eu fui campeã regional de arremesso de bumerangue no Parque Nacional três anos consecutivos — a mulher se gabou.

— Mãe, por que a senhora não me deixa sair numa jornada? O que custa?! Eu posso ajudar o Professor Elm! — Ethan aumentava o tom de voz.

— Você não tem cabeça pra isso! Você não consegue sequer sair na rua sem voltar machucado. Vamos pra casa, depois nós conversamos sobre isso.

— Mas mãe!

 

Marieta pegou na orelha do filho e passou a arrastá-lo em direção à porta, mesmo com os protestos do garoto.

 

— Desculpa pela janela, Professor Elm, prometo pagar o prejuízo.

— N-não se preocupe, vizinha... — respondeu o homem sem jeito.

 

***

 

A cidade de Pallet era um vilarejo localizado a oeste da região de Kanto. Pacata, tranquila e com saída para o mar, era conhecida principalmente por ser o local em que se encontrava o laboratório Pokémon do Professor Carvalho, o maior pesquisador do mundo. O sol nascia no horizonte e a luz começava a iluminar as ruazinhas e suas casas simples de muro baixo e hortas no jardim. Os Pidgey piavam enquanto alguns Rattata podiam ser vistos naquele horário procurando algum alimento para levar até seus ninhos.

Amanda Green aproximava-se cautelosa da entrada da cidade, sempre checando os arredores para ter certeza de que não estava sendo seguida. O trem que pegara em Saffron a deixara na Estação de Pewter há dois dias. Resolveu comprar roupas novas para garantir que nenhum agente da Equipe Rocket a seguiria, ou pelo menos, para dificultar a sua identificação. Agora ostentava um chapéu branco com uma faixa vermelha decorativa, grande o bastante para esconder seu rosto, uma regata azul e uma saia escarlate no lugar da legging branca para que se sentisse mais confortável. Com o que sobrara do dinheiro — que fazia parte do último salário que ela recebeu trabalhando como agente Rocket e que ela precisava repor de alguma maneira, visto que aparentemente não receberia algum outro ordenado tão cedo —, comprou uma bolsa amarela a tiracolo para guardar seus pertences, como PokéBolas, uma escova de cabelo e outros itens femininos importantes.

Ainda em Pewter, ligou para o laboratório do Professor Carvalho para marcar um encontro. Usou seu charme para conseguir de um cientista no Museu de Ciências Naturais da cidade o telefone do professor. Ela pensou que, pelo fato de Carvalho ser um pesquisador renomado, com certeza seria um contato direto com os pesquisadores de lá. E ela estava certa.

Ela havia saído cedo de Viridian, que, apesar de também se encontrar na Kanto rural, era maior em tamanho e em população em relação à Pallet. Ela não esperava, no entanto, que o caminho por entre a Rota 1, estrada que ligava as duas cidades, fosse tão curto.

Amy marcou um horário logo pela manhã, às 8h, com a desculpa de visitar o laboratório para que pudesse renovar sua Licença de Treinadora. O Professor Carvalho achou estranho, primeiro o fato de a garota ter conseguido o seu número particular para fazer contato. E segundo, depender dele para tirar uma licença que poderia ser renovada em qualquer Centro Pokémon espalhado pelo país. Mas o Professor jamais iria deixar um treinador na mão.

Pena que ele não imaginava que a treinadora estava querendo bem mais do que apenas a renovação de uma licença.

Acontece que Amy chegou muito mais cedo do que o previsto. As ruas estavam desertas, as pessoas deviam estar levantando naquele horário. Tirou o PokéGear da bolsa e verificou que passava um pouco das seis da manhã. Saco. Resolveu matar o tempo explorando a cidade enquanto sentia a brisa soprar em seu rosto.

Na praça central, deixou-se enfeitiçar pelo aroma dos diversos tipos de flores e plantas que a cercavam. Seguiu caminhando até ouvir o inconfundível som de água passando tranquila, seguindo o fluxo de um rio que serpenteava cortando Pallet. Fazia realmente muito tempo que ela não sentia aquela sensação de liberdade, pois não se lembrava da última vez que ela havia feito um trabalho de campo tão próximo da natureza daquele jeito. As rotas próximas à Saffron mal tinham mata nativa; elas deram lugar às mansões dos ricaços que moravam próximas à capital de Kanto. Seguiu sem pressa pela margem do rio até notar que ele desembocava no mar.

E que visão ela teve! Ao fundo, ao que pareciam infinitos quilômetros, as montanhas das cordilheiras que cortavam a região que naquela época do ano estavam cobertas pelo verde. O oceano azul refletia o céu como se fosse um espelho, de tão límpidas que eram suas águas. Amy sabia que, diante dela, estava a Rota 21 — marítima, tão grande e larga que o único lugar em quilômetros com terra firme era a Ilha Cinnabar, que foi destruída anos atrás em uma erupção causada por motivos antinaturais ainda não explicados.

Pallet era tão pequena que, ao olhar de novo para o relógio, Amy percebeu que não tinha levado nem quarenta minutos a pé para cruzar a cidade inteira até aquele ponto. Resolveu então sentar-se em uma rocha e ficar admirando o mar e o nascer do sol, se permitindo perder-se em seus pensamentos.

 

***

 

Samuel Carvalho havia virado a noite mantendo-se concentrado na tela do computador, onde digitava alguma coisa importante. Seus cabelos grisalhos eram apenas um indício da idade, já avançada, de um homem que dedicou a vida ao estudo acadêmico. Suas olheiras misturavam-se com os olhos marcados pelas rugas e pálpebras caídas, mas que não se desviavam do foco. Sua atenção, porém, foi interrompida quando a campainha tocou.

Ele olhou para o canto inferior direito da tela e viu o horário exibido: 8:03h. Bebericou seu café preto — agora já morno — e levantou-se de sua cadeira, não sem antes fechar o arquivo em que trabalhava. Do andar superior, desceu um rapaz que não tinha muito mais do que vinte e cinco anos de idade, de cabelos negros bagunçados, óculos redondos e que ainda por cima, era magrelo. Vestia seu jaleco branco que era um uniforme do laboratório e passou veloz em direção à porta de entrada.

 

— Estou indo atender — disse o jovem. — Bom dia, professor.

— Obrigado, Paul, bom dia — respondeu Samuel, vestindo também o seu jaleco que jazia apoiado na cadeira. — Deve ser a treinadora que veio renovar a licença.

 

Não demorou muito para que Carvalho caminhasse até a sala de espera e encarasse Amanda Green pela primeira vez. Acompanhada de Paul, seu assistente, a garota por um breve instante pareceu tensa, recolhida sobre os ombros enquanto passava os olhos pela sala como se escaneasse o ambiente.

O laboratório tinha dois andares. No primeiro andar, um largo corredor era dividido com diversas portas para salas que naquele momento se encontravam fechadas. Uma parede dividia os corredores até uma confortável sala de visitas, com dois sofás confortáveis dispostos em paralelo a uma mesa de centro feita de madeira, ambos em cima de um elegante tapete vermelho. Estantes repletas de livros e com vasos decorativos dos mais diversos tamanhos, com até mesmo uma televisão em uma delas decoravam o local e os quadros exibiam passagens marcantes do professor em sua carreira, desde a formatura da Universidade de Celadon até mesmo a inauguração daquele laboratório, quando Pallet ainda estava no começo — tardio — de seu desenvolvimento urbano.

À esquerda, diversos tipos de computadores e uma escada que dava para o segundo andar. Uma grande máquina se mostrava do outro lado da sala, com um monitor apagado por não estar sendo usado naquele momento. Era através dela que o Professor enviava e recebia Pokémon dos treinadores em suas viagens através de um sistema de transferência que fora desenvolvido por um cara chamado Bill, um gênio da computação e amigo pessoal de Carvalho, que residia no litoral, próximo à Cidade de Cerulean.

No segundo andar funcionava o coração do laboratório em si. Diversos maquinários estranhos com diferentes tamanhos, uma grande mesa com diversas papeladas e anotações, microscópios, tubos de teste e um computador grande faziam parte da decoração. De frente para ela, uma grande janela que dava vista para a parte externa do laboratório, um imenso campo onde os Pokémon corriam soltos.

Ao olhar o professor em sua frente, Amy relaxou e abriu um sorriso de orelha a orelha.

 

— Bom dia, professor! É uma honra conhecê-lo. Me desculpe o atraso, eu me distraí com a cidade.

— Você deve ser a Amanda. O prazer é meu, minha jovem. Apesar de eu ainda achar suspeito você ter conseguido o meu telefone pessoal... — riu o professor, como se tivesse feito uma piada um pouco suja, em um misto de vergonha e expectativa para ver a reação da adolescente.

— Não se preocupe, professor. Eu não pretendo ligar para o senhor para vender jornal ou plano de internet — respondeu ela.

 

Houve alguns segundos de silêncio. O professor e o assistente se entreolharam chocados com a resposta.

O professor gargalhou.

 

— Vender jornal. Que resposta maravilhosa! Já gosto muito de você, senhorita Amanda! — o homem usou a falange do indicador para secar uma lágrima. — Muito bem, siga-me por favor, vamos ao assunto que nos interessa, sim?

 

O Professor Carvalho, sendo seguido por Paul e Amy, caminhou até o grande salão que havia dentro do laboratório. A garota abriu a boca, impressionada com o maquinário que havia presente ali.

 

— Quanta coisa! — exclamou ela.

— Você nunca esteve em um laboratório Pokémon antes? — perguntou Paul. — É daqui que auxiliamos os treinadores durante a viagem. Os Pokémon que vocês capturam podem ser enviados para cá para serem armazenados e os dados recolhidos com a PokéDex servem de base para que novas pesquisas possam ser feitas.

— Poxa, que bacana... Eu queria poder guardar minha equipe num lugar assim.

— Você mantém seus Pokémon com você? Se você quiser, podemos linkar sua PokéDex com o laboratório, assim você sempre terá o sistema de armazenamento disponível para organizar a sua equipe — ofereceu o assistente.

— Eu adoraria, mas... — Amy olhou para o chão, levemente envergonhada. — Eu não tenho uma PokéDex.

 

Um novo silêncio tomou conta do lugar. Foi o professor que o quebrou novamente.

 

— Eu acho que eu devo ter uma PokéDex em algum lugar por aqui. Estava trabalhando em atualizações para ela e fazendo algumas manutenções. Devem estar no segundo andar. Paul, você poderia ir subir comigo para preparar o cadastro da senhorita Amanda no Sistema de Armazenamento do laboratório? Eu vou aproveitar para pegar uma PokéDex para ela.

— Claro, professor! — respondeu Paul.

— Fique a vontade, senhorita Amanda. Voltamos em um instante.

 

Amy assentiu com a cabeça e, com um sorriso simpático, colocou as mãos para trás. O professor e seu assistente logo subiram para o segundo andar e a garota aproximou-se de uma das máquinas e pareceu interessada nela. Ao ter certeza de que os dois estavam no andar superior e não havia ninguém com ela, a garota aproximou-se de um dos computadores do laboratório e olhou para a tela. O papel de parede era uma imagem de PokéBola e havia muitos arquivos. Olhando rapidamente, localizou um arquivo na área de trabalho que chamou a sua atenção, intitulado “ARTIGO SOBRE CLONAGEM POKÉMON v4.7”. Retirou o PokéGear, um cabo USB e um pendrive de dentro da bolsa amarela. Colocou o cabo no PokéGear e inseriu a outra ponta em uma entrada do gabinete e fez o mesmo com o pendrive, inserindo-o numa entrada abaixo do cabo USB onde criou uma cópia do arquivo e o salvou ali dentro.

 

— O que você está fazendo? — a voz do professor a pegou de surpresa.

 

O homem desceu as escadas e a garota tentou manter o controle da situação. Rapidamente ela pegou o PokéGear e estendeu ao homem. Com a outra mão, desplugou o pendrive e o cabo USB ligado ao aparelho.

 

— Me desculpe, professor. Eu vi o computador aqui e me lembrei de baixar a atualização do mapa de Johto no meu PokéGear — o professor Carvalho olhava desconfiado para o aparelho em sua mão. — Eu pretendo fazer uma jornada lá. Eu nunca fui pra Johto.

 

De relance, o homem olhou para a tela do computador. Aberta na tela, a página inicial do site oficial da PokéGear.

 

— Tudo bem. É que você poderia ter pedido autorização antes de usar esse computador. Tem muita coisa nele que é importante e confidencial, não é bacana qualquer pessoa mexendo nele — explicou o professor enquanto aproximava do monitor e desligava sua tela.— Inclusive, você precisa tirar uma foto para terminar o registro da PokéDex no seu nome.

 

Paul, o assistente, logo desceu com algo em mãos. A carcaça do aparelho era vermelha e tinha no centro uma estampa que remetia a uma PokéBola, tinha botões direcionais em formato de cruz e um LED azul em formato redondo brilhava.


 



— Essa é a PokéDex de Kanto — o rapaz pressionou a tampa e ela se abriu diante de Amy, exibindo ainda mais detalhes. Havia uma tela digital e a parte inferior da tampa tinha uma estampa de PokéBola na cor vermelha. Segurando o aparelho com as duas mãos, o rapaz o apontou para a garota e sorriu. — Diga xis!

 

Amy descobriu ali que o LED azul na verdade era uma câmera. A foto registrada a mostrou olhando para o dispositivo com ar de curiosidade.

 

— Pronto. Amanda Green, treinadora registrada na Cidade de Pallet. Agora você está apta para treinar Pokémon em Kanto e em Johto — sorriu Paul.

— Obrigada! — Amy devolveu o sorriso.

— Você pretende iniciar uma jornada pela região de Johto então? Tem muitos Pokémon interessantes lá que sequer podem ser encontrados aqui em Kanto — disse o Professor.— Eu tenho um programa de rádio na cidade de Goldenrod.

— Acho que está na hora de eu recomeçar, se é que o senhor me entende...

— Oh. Claro que sim. Sempre é tempo de conhecer e explorar novos lugares. Acho curioso como são as coisas. Você está indo para Johto e eu tenho um encontro com um amigo em uma cidade de lá. Se você quiser, eu posso lhe dar uma carona. O único horário que eu tinha disponível hoje era esse, por causa desse compromisso.

— Obrigada, professor, mas não quero atrapalhar — respondeu Amy, guardando a PokéDex na bolsa.

— Imagine. Não me custa nada. E pelo menos durante a viagem eu posso aprender mais sobre você, senhorita Amanda Green. Você ainda precisa me contar com quem conseguiu meu telefone particular.

 

Amy deu um sorriso sem graça.

 

— Eu só preciso salvar umas coisas antes de sair. E a senhorita precisa depositar seus Pokémon aqui no laboratório, não é? Paul, por favor, leve Amanda até o computador do laboratório e mostre a ela como usar o sistema de armazenamento.

— Certo. Por aqui, Amy — disse o jovem, conduzindo a jovem até o computador grande do outro lado do laboratório.

 

Discretamente, o Professor Carvalho ligou a tela de seu computador e abriu o arquivo em que trabalhava. Checou atentamente se havia alguma coisa fora do lugar, mas estava exatamente como tinha sido salvo pela última vez.

 

— Será que ela mexeu em alguma coisa por aqui...? — perguntou ele para si mesmo e olhou para Amy de relance, que estava com Paul mexendo na máquina. — Quem é você, Amanda Green?

 

TO BE CONTINUED...

 



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