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Capítulo 67

 



O notebook de Elm permanecia aberto no Unown Spell Software — um programa de computação do braço de tecnologia Home Office da Silph Co. que permitia a criação e visualização de documentos e textos —, analisando as pesquisas de Eusine a respeito de Raikou, Entei e Suicune, três Pokémon que lendas locais dizem terem sido ressuscitados por Ho-Oh após a destruição da Torre de Bronze quando um raio a atingiu cerca de cento e cinquenta anos atrás. O pesquisador lia as últimas linhas e constantemente tecia comentários incrédulos a respeito do rico conteúdo ali presente. As pesquisas de Eusine a respeito da lenda dos três cães — ou seriam gatos? — lendários eram extremamente detalhadas, fruto de anos de pesquisa do rapaz.

 

Eusine sempre fora um apaixonado pelas lendas de Johto. Apesar de ter nascido na Cidade de Celadon, em Kanto, desde criança sempre ouvira de seu avô a respeito das histórias incríveis que envolviam o povo da região vizinha. Não à toa, quando atingiu a idade mínima de dez anos, resolveu sair de Kanto e viajou para Goldenrod, de onde iniciou sua jornada. Sempre tivera envolvimento com os Pokémon do tipo Psíquico por causa de seu avô que apresentava poderes paranormais — costumava adivinhar com precisão tudo o que Eusine pensava, e assim, antecipava praticamente todos os movimentos que o menino fazia. O garoto nunca conseguira entender qual era o truque por trás dos poderes do seu velho, mas aquilo o intrigava.

 

Avô e neto eram muito apegados. Por influência dele que Eusine passou a se apaixonar pelas lendas de Johto e pela história das duas torres da milenar Cidade de Ecruteak.

 

Cento e cinquenta anos atrás, a Torre de Bronze pegou fogo graças a um raio que caiu sobre ela. Três Pokémon sem nome não conseguiram escapar do interior da estrutura, queimando junto com a madeira. Enquanto a cidade chorava pela perda histórica inestimável, uma chuva torrencial caiu sobre a terra e apagou a chamas que consumiram a hoje conhecida como Torre Queimada. Um arco-íris de luz forte rasgou as nuvens espessas e escuras, e dele surgiu o Pokémon lendário, Ho-Oh, que com seus poderes devolveu a vida àqueles três Pokémon. Os cidadãos locais ficaram admirados em ver tal milagre com seus próprios olhos. Raikou, Entei e Suicune eram majestosos, mas da mesma forma que aqueles Pokémon causaram admiração, também geraram revolta. Aquilo estava muito além da compreensão humana. Os cidadãos de Ecruteak, armados com paus e pedras, imediatamente partiram para cima daqueles Pokémon que, sem entender o motivo do ódio, deixaram aquela cidade para nunca mais voltar.

 

Não era segredo que o avô de Eusine era um fã de Suicune. Colecionava muitas imagens e quadros com artes que representavam a criatura, o que logo foi passado para o neto que idolatrava o quão majestoso era aquele Pokémon. Ao iniciar sua jornada, fez questão de pedir à sua avó uma roupa tão pomposa quanto um Suicune de verdade.

 

A capa que esvoaçava com o vento foi o toque final que o menino precisava para se sentir tão lendário quanto aquele Pokémon.

 

Seu primeiro Pokémon foi, claro, um Drowzee, que logo se tornou um dos principais membros de sua equipe. Duas passagens memoráveis de sua vida aconteceram logo no começo de suas aventuras — a primeira delas foi conhecer Gold Heart e sua namorada, Crystal Soul, que vinham do interior de Johto buscando suas insígnias para competir na Liga Johto. Eusine precisava de companhia, seria melhor viajar com amigos do que sozinho. Poderia aprender mais a respeito das lendas ouvindo da boca das próprias pessoas que moravam em Johto.

 

Mas certa decepção o atingiu ao falar com aqueles dois.

 

— Você é maluco, cara. Essas histórias pelas quais você se interessa não passam de folclore. Não existem de verdade — riu Gold enquanto abocanhava uma Berry.

 

Eusine fechou os punhos. Poderia até existir razão no que aquele garoto falava, mas o próprio Eusine também tinha razão naquilo que dizia.

 

— E como você prova que não existe de verdade?

 

Gold deu um sorrisinho.

 

— Você tem um ponto. Acho que vamos ter que descobrir, não é?

 

E então, aquele grupo passou a viajar junto. Gold achava graça na roupa extravagante do colega, mas dentro de sua cabeça Eusine era apenas um grande fã seu. Afinal, sua fama como um treinador habilidoso saído de uma cidade nanica feito New Bark e conquistador de três insígnias já devia ter alcançado até Kanto.

 

Crystal parecia ser a mais disposta a conhecer e conversar com o rapaz. Apesar de achá-lo excêntrico, ele era até bonitinho.

 

— Você já foi no CCP? — perguntou ela puxando conversa. — Inaugurou esses dias aqui em Ecruteak. Eu estava doida pra conhecer!

— CCP? Parece nome de facção criminosa — respondeu Eusine fazendo a garota rir.

— É a sigla do Centro de Comunicação Pokémon. Lá dentro a gente consegue trocar Pokémon à distância usando o nosso PokéGear, não é demais? — questionou Crystal, empolgada.

— Caramba... Realmente esse negócio de internet promete muito... Apesar de que eu não confio, não. Ainda prefiro os livros!

— E o que tem de legal em um monte de letras juntas em uma página em branco? Coisa chata, cara! — zombou Gold. Eu prefiro mangás, pelo menos você tem desenhos lá.

— Por Arceus. Um absurdo desses, vindo de você, não deveria me surpreender tanto... — respondeu Eusine, incrédulo.

— Por que você não gosta da internet? — perguntou Kris.

— Como é que se confia em uma tela em que você pode digitar o que quiser, navegar por onde quiser, com a certeza de que ninguém está vendo? Não gosto disso. Os livros ao menos eu posso pesquisar os temas que eu quiser sem que ninguém fique sabendo.

— Exceto a bibliotecária — disse Gold em tom debochado.

— Já viu alguma bibliotecária contar o que os leitores leem?

Gold pareceu refletir por um instante.

— Você tem um ponto.

— Eu sei — disse Eusine da maneira convencida de sempre.

 

Apesar das brigas, Eusine e Gold costumavam se dar bem. Nos dias que se seguiram, os garotos e a própria Crystal conversavam sobre Pokémon e opinavam sobre como eles poderiam melhorar suas equipes, seja em seus integrantes, estratégias ou movesets que poderiam desenvolver.

Eusine não tinha interesse em batalhas de Ginásio, o que fazia Gold não vê-lo como rival — apesar de às vezes achar que Crystal estava afim do menino, mas devia ser coisa de sua cabeça —, afinal, o que Eusine teria de melhor do que ele? Olhou para o colega conversando com Krys sobre Suicune pela décima vez aquele dia. A resposta era: nada.

Eusine assistia as batalhas de Gold e Crystal no Ginásio de Goldenrod. O líder era poderoso, massacrava o time de Gold usando seu Tauros. Tanto o rapaz quanto Crystal foram derrotados vezes o bastante para que passassem a ir à biblioteca junto de Eusine para buscar livros de pesquisa sobre aquele Pokémon para elaborarem novas estratégias.

 

Na sétima tentativa, a insígnia de Goldenrod fora conquistada.

 

A parceria durou até a chegada em Ecruteak, o destino almejado por Eusine onde as lendas da cidade contavam sobre Raikou, Entei e Suicune e sua origem.

Ali conheceu um jovem de sua idade nascido em Ecruteak chamado Morty. Assim como Eusine almejava, ele também estudava a respeito das mitologias que envolviam as torres. Mesmo tão novo Morty já exercia autoridade na região por ser neto do atual líder de ginásio fantasma da cidade, e por isso apresentou a Eusine tudo que sabia sobre a torre mitológica.

 

— Dizem que sou clarividente. Eu o vi em meus sonhos, Eusine... sinto que você irá conseguir encontrar o que procura e que isso terá um papel fundamental na vida de muitas pessoas... — disse o rapaz de forma séria.

— Você tem certeza disso?! — exclamou Eusine, segurando nas mãos de Morty.

— O futuro toma muitas formas, mas certos acontecimentos são imutáveis independentes das consequências... Eu também vi que um Pokémon magnífico aparecerá por entre as nuvens do céu no final de um arco-íris para um treinador poderoso... e eu irei dedicar a minha vida para que eu me torne esse treinador.

 

Anos se passaram, e as palavras de Morty jamais saíram da cabeça de Eusine.

 

O homem olhou a sua volta. Viu o Professor Elm finalizar a pesquisa que levara anos desenvolvendo junto com seu amigo. Ethan, Forrest, Chase, Elaine e Sunny analisavam a tela de um dos computadores de Elm que exibia um símbolo piscante no mapa de Johto que representava a localização de Raikou — e que no momento se encontrava exatamente nas proximidades de New Bark.

 


— Você tinha razão, Morty... Você tinha toda razão... — Eusine cochichou para si próprio.

— Eu só tenho uma dúvida — comentou Elm olhando para o homem após ler a última linha da pesquisa. — Por que Raikou está aqui e por que raios justamente aqui?

— É essa a resposta que eu também procuro, professor. Raikou é uma criatura mística, um ser descrito nas lendas antigas de Johto. Séculos atrás, ele fugiu dos humanos para sua própria segurança, e por obra do destino encontra-se muito mais perto do que jamais esteve.

 

Ethan coçou o queixo enquanto processava em sua cabeça todas as informações que vinha recebendo.

 

— Como nós poderemos chegar até esse bicho? Ele é um Pokémon lendário... Forrest leu a lenda pra mim e pra Amy uma vez e nela dizia que até a origem desses Pokémon deu fim a seca da cidade de Azalea.

— Essa informação não procede — comentou Eusine de forma séria. — De acordo com meus estudos, a torre pegou fogo há setecentos anos e há provas que a seca em Azalea aconteceu cerca de duzentos anos depois. Períodos históricos costumam se confundir, mas uma coisa não teve nada a ver com a outra.

— Talvez não tinha, até agora — disse Forrest de supetão, olhando para a janela.

 

Todos os presentes olharam para o garoto em sinal de surpresa.

 

— O que quer dizer? — questionou Eusine.

— Raikou é um Pokémon lendário do tipo Elétrico... Essa tempestade acompanhada por uma nuvem de raios não me pareceu nada discreta para uma criatura que há anos vem fugindo das garras de seus captores. E se encararmos isso como um sinal? Ele está chamando a atenção de algo... ou alguém.

 

Eusine encarou Forrest por breves segundos.

 

— É uma boa teoria... Devo realmente confessar, é uma tese incrível.

 

O homem virou-se para Ethan.

 

— Você tem uma PokéDex, não tem?

— Tenho. Por quê?

— Pode me emprestá-la por um momento?

 

Ethan assentiu com a cabeça e pôs a mão dentro do bolso do shorts, de onde tirou o aparelho rubro que carregava fielmente por toda parte.

 

Eusine recolheu o equipamento e dirigiu-se até um dos computadores do laboratório. Conectou uma das pontas do cabo USB na CPU e a outra ponta mais fina em um dos conectores da PokéDex. Abriu o aparelho, iniciou-o e baixou para dentro dele uma série de arquivos.

 

— Aqui está. Eu adicionei as informações de Raikou, Entei e Suicune. Cheque por favor.

 

O garoto abriu sua PokéDex e desceu por entre os arquivos de Pokémon que já havia registrado. No fim da lista, três novas descrições se encontravam presentes. Ethan usou os botões para selecionar a primeira delas.

 

— Raikou, o Pokémon Trovão — começou a ler, chamando a atenção dos demais. — Um Pokémon que corre rugindo em um som que ressona como um trovão. As nuvens de chuva que atrai disparam tempestades de raio incessantes. Dizem que se originou a partir de um raio...

— Fui eu que escrevi essas descrições, baseado em minhas pesquisas. — explicou Eusine. — Você também poderá ver na PokéDex os padrões de locomoção que esses Pokémon têm, logo, poderá calcular com precisão a localização deles.

— Se tratando de Pokémon lendários, acredito que toda e qualquer informação é importante — comentou Elm.

 

Pôde-se ouvir o ribombar de um trovão que ressonava em uma enorme potência. O chão vibrou. Aquele trovão não era apenas um fenômeno meteorológico comum.

 

— É ele — confirmou Eusine de forma séria, quase em um sussurro temeroso. — Preparem-se.

 

Ethan, Forrest e Sunny se olharam receosos. Por mais que fossem treinadores experientes, ninguém sabia o que poderia esperar de uma luta contra uma criatura lendária.

 

— Eu treino Pokémon que são imunes aos golpes do tipo Elétrico. Rhydon, Graveler e Steelix podem enfrentá-lo sem problemas — disse Forrest aos dois.

— Bem, o Sand ficou com a mamãe... Mas acho que Gligar e Quagsire podem ajudar também, sem falar na ajuda que Faísca pode dar — respondeu Ethan. — Posso pegá-los, professor?

— Claro, Ethan. Vou prepará-los pra você — disse Elm. — E quanto aos seus, Sunny?

— Tenho um Electabuzz que pode ajudar — respondeu a jovem, recebendo um aceno assertivo do professor.

— E quanto à gente? — perguntou Elaine.

— Vocês dois vão ficar por aqui — respondeu Forrest de maneira séria. — Vai ser perigoso lá fora e não poderemos correr o risco de ninguém se machucar.

— Nós não somos crianças! Nós também somos treinadores e podemos contribuir com os nossos Pokémon! — exclamou a menina exaltando a voz.

— Não, Elaine. Forrest tem razão — disse Ethan com firmeza. — Além do mais, nós vamos precisar de alguém pra nos dizer a localização do Raikou com base nesse mapa. Vocês devem ficar para proteger o pessoal do laboratório caso alguma coisa saia de controle e a gente não chegue a tempo.

 

Pela primeira vez em algum tempo, Chase recolheu o Dunsparce que carregava no colo para a PokéBola. Pegou seu Pikachu, que adorava pendurar-se em sua cabeça, e o abraçou buscando certo tipo de segurança.

 

— Se é assim que a gente pode ajudar... Tudo bem por mim.

 

Elaine o olhou de cara fechada.

 

— Mas, Ni! Seria melhor se a gente...

— Não é fácil lidar com um Pokémon lendário, Ni. Você mais do que ninguém deveria saber disso.

 

Elaine engoliu em seco. Respirou fundo e, apesar de contrariada — e odiava ser contrariada —, resolveu não dar continuidade à discussão. O clima já não estava dos mais favoráveis.

 

— Tá bem. Façam como quiserem.

 

Eusine, que não havia se manifestado na discussão, apenas assentiu com a cabeça.

 

— Muito bem, chegou a hora de agirmos.

 

***

 

Ethan sentia um intenso frio na barriga, mas não sabia se era pelo nervosismo de estar indo de encontro a um Pokémon lendário poderoso ou se era por causa da alta velocidade que Eusine dirigia, já a quase 120km/h em direção a uma intensa nuvem negra que era tão densa que impossibilitava a vista das montanhas que cercavam a cidade de New Bark.

Não havia curiosos nas ruas. Os raios e trovões eram ameaçadores o suficiente para prender os moradores dentro de suas casas. Não se via sinal nem de humanos e nem de Pokémon que se recusavam a enfrentar a fúria da natureza.

Ethan olhava incansavelmente para a PokéDex na página de Raikou, mas a localização não se atualizava. Havia uma grande interferência no sinal e o aparelho simplesmente não funcionava.

 


— Droga... Está fora de área, não temos como monitorar a localização do Raikou — Ethan apertava os botões na esperança inútil de tentar alguma conexão, porém sem sucesso.

— Ligue pro Professor Elm, peça pra que ele nos auxilie. Eu nunca confiei nesse negócio de internet, sempre deixa a gente na mão quando se precisa dela — reclamou Eusine.

 

Gotas de chuva começaram a molhar o pára-brisa do carro. A chuva começou a cair tão repentinamente quanto havia parado mais cedo. Ethan discou o telefone de Elm no menu do PokéGear e logo foi atendido:

 

Laboratório Pokémon do Elm. Elm falando.

— Professor, estamos sem referência de GPS. Qual é a atual localização de Raikou?

Baseado nas coordenadas via satélite, ele está a oeste da sua localização atual.

—Seguindo pra lá. Mantenha-nos informados, por favor.

Deixe comigo.

 

A chuva apertou, ficando cada vez mais intensa a cada metro que o carro avançava. A ventania fazia as folhas nas árvores balançarem com violência. Sunny olhou apreensiva para o lado de fora. Se Sunny fosse um Pokémon e tivesse orelhas como as de um Pikachu, elas estariam completamente eriçadas.

— Tudo bem que a descrição da PokéDex diz que Raikou atrai tempestades de raio... mas isso não é um pouco demais?

— Sabe que Pokémon também dizem ter o poder de mudar o clima? Dragonair. — Forrest parecia o menos assustado com aquela tempestade.

— Tem um Dragonair lá fora?! — exclamou Ethan, olhando para o amigo no banco de trás e quase tendo o pescoço cortado pelo cinto de segurança.

— A extensão dessa tempestade é muito maior do que um simples Dragonair poderia gerar. Só se ele estivesse em uma horda, e dragões são criaturas solitárias. Acredite quando eu digo que Raikou é poderoso — comentou Eusine sem tirar os olhos da direção.

 

Ethan voltou a olhar para as nuvens negras que cobriam o céu. Os raios caíam por toda parte, atingindo em cheio as imensas montanhas que separava as cidadelas do interior das metrópoles no centro do continente.

O carro prosseguia veloz. A terra subia, a luz dos faróis do carro rasgavam a poeira e brigavam com a escuridão para ver quem era o verdadeiro soberano. Os queixos bateram quando a estrada da trilha pela qual Eusine dirigia se mostrou esburacada.

 

Um rugido estridente rasgou a noite e o barulho da chuva. Um forte brilho tomou conta dos arredores e Eusine pisou bruscamente no freio, o que fez o carro deslizar na terra e a rodar ao redor do próprio eixo. Dentro do carro, Ethan, Forrest e Sunny seguravam as alças do teto do veículo com força e agarravam as mochilas no colo enquanto os cintos de segurança os travavam no banco em alguns segundos que pareceram horas.

O carro estabilizou, mas tudo ainda girava. Ethan nem percebeu quando Eusine abriu a porta e saiu para o lado de fora, abrindo agilmente o porta-malas, sem ligar para a chuva que caía e ensopava sua roupa. Retirou uma maleta que mais se assemelhava a um cubo com alças e tornou a fechar o porta-malas do carro, voltando a andar com pressa pela trilha que levava ao topo da montanha à frente.

 

— Ethan, o ovo! Veja se está tudo bem com ele! — gritou Forrest para o amigo.

 

A cabeça do garoto girava e seu coração batia na garganta. Ethan tentou abrir o zíper da mochila e, com cuidado, retirou a incubadora portátil com o ovo que havia ganhado do Professor Elm. Por sorte, ele permanecia inteiro. Não havia sequer um arranhão no vidro para alívio mútuo. Ethan voltou a guardar a incubadora dentro da mochila e repousou-a no banco em segurança antes de fechar as portas. Sunny aproveitou para pegar alguma coisa dentro de sua mochila e o guardou no bolso da camiseta.

 

As portas do carro se abriram e os adolescentes desceram. O vento gélido castigava suas peles que começavam a ficar encharcadas da chuva que caía. Os raios e trovões pareciam rugidos assustadores. Estavam próximos da fonte que os produzia.

 

— Tudo bem, pra onde a gente vai agora? — Ethan olhava para os lados com as mãos na cintura tentando enxergar alguma coisa por entre a escuridão da noite.

— Só tem um caminho possível — respondeu Forrest, apontando à frente por onde a grama molhada se abria entre o caminho de terra que agora estava transformado em lamaçal pela chuva.

— Tá de brincadeira, né? — questionou Ethan virando-se para o amigo com uma expressão incrédula.

— Foi pra lá que o Eusine foi. E aparentemente, é onde Raikou deve estar também.

— O que foi aquilo que o Eusine tirou do porta-malas? — perguntou Sunny.

— Ele tirou alguma coisa do porta-malas? — Ethan perguntou em cima da pergunta.

— Assim que ele saiu do carro. Acho que você estava meio tonto — respondeu Forrest, rindo.

 

Outro trovão fez o chão tremer e os pelos do corpo se arrepiarem por inteiro. Por um instante um clarão incendiou a clareira como um claro aviso de que a natureza em sua fúria não deveria ser subestimada.

 

Ethan olhou para a tela do PokéGear. Estava sem sinal algum.

 

— Estamos sozinhos — avisou o garoto.

— Não estamos — corrigiu Forrest. — Temos nossos Pokémon.

— E pensando bem... Temos a nós mesmos. Estamos juntos — completou Sunny.

— Nós, sozinhos, contra um Pokémon lendário capaz de fritar a gente? Então a gente tá ferrado — disse Ethan de forma séria.

 

Os garotos se entreolharam antes de respirar fundo e correr seguindo a trilha à frente.

 

A lama pelo caminho dificultava ainda mais a travessia, fazendo o trio ora escorregar, ora afundar e causar em Ethan um misto de ódio e tristeza. Suas roupas estavam molhadas e sujas, e não fazia nem quarenta minutos que ele havia saído de casa com elas inteiramente limpas. Forrest mais se preocupava em ajudar Sunny em uma maneira quase extrema de cavalheirismo — apesar da garota não dizer absolutamente nada e apenas aceitar a ajuda do rapaz — do que em dar efetiva atenção para Ethan e suas reclamações.

As palavras lhe escaparam quando se deparou com a criatura com a qual já havia se encontrado há alguns meses no Lago dos Magikarp, mas nunca havia prestado atenção no quanto aquele Pokémon era enorme, medindo quase dois metros de altura, sem falar na largura.

Eusine estava diante do Pokémon lendário com um olhar furioso. Entre os dois havia uma maleta aberta de onde uma estrutura metálica se estendia para o lado de fora, segurando um cristal roxo no centro do mecanismo que brilhava intensamente. Os garotos correram até ele e o Pokémon recuou cauteloso, começando a circular o perímetro pronto para atacar. Ethan sentiu um frio no estômago, sentindo a mão com a PokéBola tremer.

 

— Calma Ethan. Não faça movimentos bruscos — Forrest sussurrou com cautela para o amigo.

 

Eusine virou-se e logo reconheceu os garotos há metros de distância.

 

— Eu achei que vocês não vinham! É hora do show começar — exclamou o homem.

 

Raikou disparou de seu corpo um raio elétrico na direção dos garotos que se esquivaram se jogando para lados distintos. Ethan foi o primeiro a atirar sua PokéBola e convocar Tyranitar para um duelo de feras. Comandante rugiu para Raikou, mas a criatura elétrica não se intimidou. Abriu a boca e rugiu com mais força com uma potência sonora que balançou o chão e quase o rachou no meio. Trovões ribombaram com tamanha violência que por um momento, os músculos de Ethan e companhia formigaram, como se estivessem sendo eletrocutados. Tyranitar, pela primeira vez, sentiu que estava diante de um oponente de poder maior que o seu.

 

Forrest sacou uma PokéBola do bolso de sua calça e apertou o botão da cápsula, arremessando-a para cima. Materializando-se no ar, Rhydon afundou alguns centímetros na lama quando seu corpo pesado atingiu o solo.

 

— Um Pokémon do tipo Terra sendo usado na chuva? Eu achei que você fosse um treinador mais experiente... — comentou Eusine de forma irônica.

— Você não conheceu nosso treinamento de perto — respondeu Forrest de forma séria.

— Sunny, ajude o Eusine a proteger a máquina. Deixa o Raikou com a gente — pediu Ethan à menina sem tirar os olhos de Raikou.

— Certo. Cherry, agora é com a gente!

Sunny invocou seu Pokémon apertando o botão central da PokéBola. Nidorino se colocou pronto para o combate e, após um breve comando de sua treinadora, correu em direção à Eusine. Raikou observou a movimentação e rapidamente usou um golpe elétrico na direção de Imperador. Rhydon correu e jogou-se na frente do ataque, recebendo-o e o anulando. Sua armadura absorveu a eletricidade e não pareceu sentir nada.

 

Nidorino passou por debaixo das pernas de Rhydon e continuou correndo em direção a Eusine que desta vez tentava se aproximar do dispositivo com o cristal reluzente. Quando o Pokémon aproximou-se de Eusine, o homem tentou afastá-lo usando uma de suas mãos.

 

— Agora não! Eu preciso desse cristal!

 

Eusine tentou alcançar a alça da maleta. Raikou virou-se para o homem e preparou mais um poderoso ataque elétrico.

 

— Puta merda, que cara idiota! — exclamou Ethan, sem compreender o quanto aquela máquina significava para Eusine. Era o trabalho de sua vida.

O rapaz saiu correndo em um gesto de impulso e Sunny o seguiu, acompanhada por seu Nidorino.

— Ethan, Sunny, voltem pra cá! — exclamou Forrest em um segundo de distração.

 

Raikou disparou um poderoso golpe elétrico e então tudo pareceu estar em câmera lenta. Sunny paralisou e fechou os olhos. Ethan estava a apenas alguns passos de Eusine que ele sabia que o impacto seria inevitável.

 

Nidorino saiu correndo e passou por Ethan, correndo em direção à Sunny.

 

No segundo seguinte, Ethan viu Imperador empurrar Sunny de forma truculenta, jogando seu corpo em direção a ela. O golpe de Raikou foi disparado com uma intensidade elétrica tão grande que todas as luzes em um raio de New Bark até Cherrygrove se apagaram. A colisão só não foi maior porque parte da eletricidade local foi desviada em direção à Rhydon, concentrada em seu chifre.

 

Raikou realçou seu lado mais selvagem ao se dar conta de que seus oponentes continuavam inteiros após seu ataque mais forte. Como qualquer fera, partiu em direção da presa mais fácil com os dentes a mostra.

Sunny foi prensada debaixo das pernas de Raikou, tentando livrar-se do peso dele protegendo seu corpo miúdo com os braços estendidos, mas a criatura tinha a força e violência necessária para esmagá-la e abocanhá-la se quisesse. Nidorino outra vez correu para protegê-la, sentindo sua ligação com aquela treinadora aflorar. Com duas fortes patadas acertou o rosto de Raikou que sentiu o rosto arranhado por suas garras venenosas, deixando uma cicatriz profunda na altura dos olhos até a base do focinho.

Raikou abocanhou o torço de Imperador e o chacoalhou violentamente, atirando-o longe. Concentrado em apenas um de seus oponentes, Tyranitar acertou-lhe uma segunda pancada pela direita que o atordoou e fez deslizar pela lama, manchando sua pelagem amarelada com lama e sujeira.


— Cherry, não! — berrou Sunny, que ao invés de escapar correu para socorrer o companheiro mais importante de sua vida.


A garota ajoelhou-se ao lado do Nidorino e tocou suas feridas. Eram mais graves do que gostaria de admitir. Ethan e Eusine brigavam e discutiam alto sobre uma máquina idiota enquanto seu Pokémon padecia lentamente em sua frente.


— Por favor, não faça isso comigo... — murmurou Sunny. — Nós acabamos de nos reencontrar. Não me deixe sozinha outra vez.

 

O Nidorino respirava com dificuldade. O toque dela o acalmava.

Gostava de ser tratado como Imperador, conhecer o mundo, lutar ao lado de Ethan e intimidar seus adversários com imponência.

Mas amava ser Cherry.

Tinha uma forte lembrança de deitar-se ao lado dela e confortá-la enquanto dormia, ouvir sua voz doce e protegê-la quando ainda era pequena.

 

O Nidorino levantou a cabeça com dificuldade e cutucou com o chifre a mochila revirada da garota. Sunny deu-se conta de que ele apontava direto para a Pedra da Lua dada por Ethan, e soube que se não a usasse agora talvez nunca mais tivesse outra chance.


O corpo de Nidorino brilhou. Cherry foi ficando maior e mais largo, suas patas se dividiram em braços e patas, transformando-o em um ser bípede. O chifre no topo de sua cabeça cresceu e se tornou mais afiado, suas mandíbulas tornaram-se definidas e suas presas se mostraram mais perigosas. Nidoking urrou e Sunny olhou para o Pokémon espantada.


— Ele evoluiu...! — exclamou Ethan perplexo, distraindo-se de sua briga com Eusine por um minuto.

— Você quase morreu por minha causa! Ficou louco? — berrou ele, trazendo Ethan de volta para a realidade.

— De nada, Eusine — respondeu com ironia. — Você que é maluco de trocar sua vida por causa desse... cristal idiota!

— É um cristal catalisador. Ele vai me ajudar a entender o padrão de comportamento do Raikou baseado nos golpes elétricos dele. É importante que nada aconteça com tamanha preciosidade!

 

Raikou rugiu com fúria, impaciente e exausto devido ao Discharge. Eusine soube que era hora de encerrar as atividades, fechou a maleta e correu junto a Ethan para onde estava Forrest.

 

— Pára-Raios*. Raikou com certeza não vai atingir a gente com força total enquanto esse grandão estiver por perto — comentou Forrest.

— Isso está saindo do controle. Eu consegui o que queria. É hora de irmos antes que mais pessoas e Pokémon sejam envolvidos — disse Eusine de maneira quase pragmática.

— Mas deve haver um motivo para o Raikou ainda não ter saído dessa região — falou Forrest. — Insisto na teoria de que ele está tentando chamar a atenção de alguma coisa!

— Mas... quem, ou o quê? — comentou Ethan.

— E o mais importante, por quê? — complementou Eusine.

 

Forrest lembrou-se de um dos ensinamentos mais preciosos de Bruno durante seu treinamento. “Nem tudo se resolve com força bruta”, dissera seu tio na ocasião. “Tente ouvi-los, tente escutá-los. Muitas tragédias históricas poderiam ter sido evitadas se houvesse um momento de conversa.” Para uma montanha de músculos daquele tamanho especializada em treinar os Pokémon lutadores mais poderosos dizer algo assim, então o conselho devia ter um significado.

 

Talvez fosse hora de parar de avançar com frenesi e apenas enfurecer mais e mais o Pokémon selvagem. Forrest compartilhou um olhar breve com seu Rhydon, intocado pelos raios, mas farto da chuva torrencial que castigava sua armadura rochosa. O treinador assentiu e caminhou devagar em direção ao Pokémon lendário. Raikou rugiu tão alto que os relâmpagos rasgaram o céu, tal qual a própria criatura que encarava os oponentes estava pronta para atacar a qualquer momento sem poupar poder.

 

— Raikou, por favor, nos ouça! Não queremos fazer mal a você! — gritou Forrest para o Pokémon Lendário que tentava repeli-los, cada vez mais acuado.

 

O Pokémon de Forrest urrou. Rhydon e Raikou se encaravam, a fera lendária sabia que seus ataques seriam inúteis. Raios e trovões guerreavam no céu escuro por entre as nuvens espessas. Raikou encarou Forrest por alguns segundos e Rhydon colocou-se entre a criatura e o treinador, mostrando uma postura protetiva.

 

Um forte vento soprado do norte fez com que Eusine subitamente olhasse à sua direita.


Saltando por entre as colinas, um majestoso Pokémon azul apareceu perante os presentes. Por um instante, encarou Ethan fixamente nos olhos. Logo em seguida olhou para Raikou, que o encarou e fez uma mesura. Suicune parou no cume de uma colina e uivou. Os dois cães então se viraram e partiram um para cada direção.

 

— Suicune... — suspirou Eusine maravilhado.

 

O Pokémon lendário desapareceu quase tão rápido quanto apareceu. Eusine tentou correr atrás de Suicune, de repente foi como se Raikou não tivesse mais importância alguma, mas o Pokémon sumiu com o vento.

 

Rhydon virou-se então para Forrest e o garoto fechou os olhos, concentrando-se para ouvi-lo. As nuvens espessas começaram a se dissipar, cessando a chuva e silenciando os raios. Sunny acariciava o rosto de seu Nidoking que resistira aos ferimentos, mas precisava ser logo levado a um Centro Pokémon.


Por um breve instante, Ethan os encarou e sentiu-se incomodado com alguma coisa.

 

— Se você não tivesse me dado aquela Pedra da Lua, talvez ele não tivesse resistido — Sunny falou baixinho. — Obrigada por cuidar do Cherry até o último minuto.

 

Ethan desviou o olhar meio constrangido. Não era exatamente aquilo que o incomodava, mas também não era o momento para pensar sobre.


Forrest chamou a atenção de seus amigos. Ainda era possível enxergar nuvens densas dissipando-se na encosta da montanha, o que provavelmente denunciava a rota que Raikou tomaria.

 

— Algo está prestes a acontecer em Ecruteak — Forrest alertou-lhes com seriedade. — Acredito que Raikou estava tentando invocar Suicune para avisar isso.

— Foi o Rhydon quem te disse isso? — questionou Eusine, recebendo um aceno positivo de Forrest. — Impressionante...

— Mas é em Ecruteak onde a Amy está... — comentou Ethan.

— Eu não acho que seja coincidência — pontuou Eusine. — Muitas coisas esquisitas acontecem quando vocês três estão juntos.

— Então nós realmente precisamos apertar o passo — comentou o moreno, retornando seus Pokémon para as PokéBolas. — Algo enorme está pra acontecer. É muito provável que a Amy esteja sabendo de alguma coisa...

— E se a Amy está sabendo de algo, não vai nos contar — disse Ethan.

— Ela não — replicou Forrest —, mas talvez eu saiba de alguém que possa ajudar.

 

Eusine e Sunny se entreolharam sem saber o que dizer.


O tempo passava rapidamente. O encontro com Raikou foi apenas uma das peças de um quebra-cabeça complicado que ia se revelando como uma série de destinos cruzados feito uma teia emaranhada que logo envolveria cada um deles. Aos poucos, o cerco se fechava.

 

 

 

TO BE CONTINUED...

 

 

*Pára-Raios se refere à habilidade Lightning Rod.


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