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Capítulo 57
POKÉMON
P.O.V. (Point Of View)
— Vocês têm
certeza de que essa é a coisa certa a se fazer, né? — questionava Wobbuffet
enquanto via seu treinador afastar-se cada vez mais.
— É
necessário sim. Sei que é dolorido pra nós, mas precisamos fazer isso —
respondeu Quilava.
— Aceitem
que nosso mestre só quer saber da namorada e pronto. Nós apenas somos um empecilho
na vida amorosa dele e vocês sabem disso. — Pupitar permanecia de costas, sem
fazer qualquer tipo de contato visual com seus companheiros.
Ainda
chovia. Cada gota de chuva caía com violência no chão, como se quisesse
transpassar o calcário que formava o asfalto pelo qual aquelas criaturas
caminhavam, e representasse a tristeza furiosa dos corações daqueles Pokémon,
que viam seu agora ex-treinador se afastar para longe deles. Um turbilhão de
pensamentos passava pela mente de cada um deles que não sabiam o que fariam
dali em diante.
Foi
Sandslash quem quebrou o silêncio.
— Eu não
acho que a mestra Amy concorde com isso... E ainda acredito que ao notar o que
o mestre Ethan fez, ela com certeza será uma das responsáveis por fazê-lo vir
atrás de nós.
Wobbuffet
concordou balançando a cabeça. Pupitar, no entanto, continuava irredutível.
— Vir atrás
de nós... Vocês ainda têm coragem de pensar em voltar a serem treinados por
ele? Onde vocês enfiaram o orgulho de vocês? Amigos, ou estamos juntos e
crescemos juntos ou nós iremos parar no fundo do poço. E é para onde esse
humano vai nos levar.
Sandslash
aproximou-se do Pokémon.
— Se nós
chegamos até aqui, foi porque nós estivemos juntos e crescemos juntos. Mas não
foi sozinho, foi com o mestre Ethan. Apesar de todos os erros dele, nós nunca
viramos as costas.
— Mas ele
virou as costas pra nós. Quando eu mudei de forma, ele não pareceu ligar. Eu não queria ter evoluído, eu não me sinto
confortável nesse corpo, entende? Eu me sinto preso, eu estou preso, Sandslash. E quando eu mais precisei do mestre a quem
eu dediquei a minha vida, eu fui completamente ignorado por causa de uma
humana... Você sabe o quanto isso doeu?
— Quando o
mestre Forrest abandonou seus Pokémon, eles juraram lealdade e foram atrás dele
— relembrou Wobbuffet.
— Mas o
mestre Forrest pensou que não era digno de treinar Rocky e os outros, é uma
situação completamente diferente. — Pupitar encarava seus companheiros
esforçando-se para fazê-los entender seu ponto de vista. — Eu não acredito que
nosso treinador goste da gente.
A equipe de
Pokémon se entreolhou.
— E o que
você sugere fazer? — perguntou Quilava.
— Vamos nos
tornar mais fortes. Sozinhos — respondeu Pupitar.
Nidorino
falou pela primeira vez.
— Estou de
acordo. Apesar de que eu ainda acredito que o mestre possa vir a se redimir
conosco.
— Eu não
sei o que dizer, pessoal... Eu só quero participar de uma boa batalha assim que
possível. — Magneton não parecia se incomodar nem com a chuva, nem com a
situação.
—
Precisamos nos manter juntos. E o nosso dever é ser leal ao nosso mestre, é pra
isso que nascemos nesse planeta. — Sandslash olhava cada amigo no olho, falando
de forma firme.
— E quando
a lealdade não se mostra recíproca? Devemos seguir até o final do abismo e
esperarmos ser jogados de lá? — Perguntou Pupitar de forma séria.
— Somos
Pokémon, não é? Temos poderes que devemos usar para nos proteger em último caso
— respondeu Sandslash.
Parece que
pela primeira vez naquela discussão, todo o grupo concordava.
***
— Meu
filho, você é um idiota! — Aquelas palavras ecoaram pelo corredor. Ethan sentia
suas orelhas arderem, queimarem como se estivessem pegando fogo. — Como assim
você abandonou seus Pokémon? Moleque, eu não te criei pra ser um frouxo!
A voz
zangada de dona Marieta falava havia dez minutos ininterruptos pelo telefone. Ethan apenas encolhia os ombros enquanto ouvia
o sermão, sem chance de dar resposta. Quando sua mãe parou para respirar, o
garoto achou uma brecha para se defender.
— Eu só não
quero ser um treinador fracassado, mamãe.
Marieta
friccionava de forma circular a ponte do nariz com o dedo indicador e polegar
enquanto era possível ver uma veia pulsando em sua têmpora. Ela deu um suspiro
profundo e virou para a tela, encarando o garoto.
— Meu
filho, você não nasceu pra ser fracassado. Você pode ser o que você quiser,
você sempre terá o meu apoio. Mas, sempre se preocupe em fazer as coisas
direito. Não foi pra isso que você saiu de casa, e não foi pra isso que eu
deixei você sair de casa. Se você quiser voltar pro colo da mamãe, não vai ter
problema nenhum, mas lembre-se de fazer isso com consciência, com plena
convicção. Abandonar seus Pokémon não é a melhor maneira de fazer isso e eu só
não te dou uma surra porque Blackthorn ainda fica a alguns quilômetros de New
Bark. Dê um jeito de pedir perdão aos melhores amigos que você tem e nunca
mais, e repito, NUNCA MAIS faça uma burrada dessas de novo, você tá me
entendendo? Não vai ter cidade que separe sua bunda do meu chinelo, moleque!
Agora dá licença que o meu jantar está quase pronto. Beijos, te amo. Corrija sua
cagada.
E desligou
o telefone.
Ethan ainda
ficou encarando a tela por alguns instantes antes de suspirar e levantar do
banquinho almofadado onde estava. O garoto então se dirigiu para o lado de fora
do Centro Pokémon e olhou para o céu, coberto de nuvens espessas que ainda
derramavam gotas de chuva em seu rosto. A grossa garoa não impediu que Ethan
caminhasse pelas ruas, mesmo com a ausência de um guarda-chuva. As pessoas que
passavam por ele não pareciam se preocupar com isso, estando mais focadas em chegar
às suas casas quentinhas e descansar de um dia tedioso e feio.
O principal
pensamento do garoto era saber como ele reencontraria seus Pokémon. Ele nunca
havia estado em Blackthorn antes, então, não conhecer a cidade era um fator que
atrapalharia logo de cara. Também não poderia contar com a polícia, afinal,
deveria ter alguma lei no Mundo Pokémon que mencionava ser crime abandonar uma
equipe inteira e ele não gostaria de passar o resto de seus dias dentro de uma
cela fria e suja. Se bem que Forrest também estaria com ele, não é?
Forrest
abandonou seus Pokémon também e não foi crucificado como Ethan está sendo. Como
o mundo é injusto...
A chuva
começou a cair mais forte. Ethan caminhava sem rumo nas ruas da cidade até
ouvir seu nome sendo chamado por uma voz conhecida.
— Ethan!
Que engraçado nos encontrarmos novamente!
E aquele
timbre de voz fez o garoto, inconscientemente, se encolher entre os ombros e
fazer uma careta.
Ao
virar-se, deu de cara com Eusine, com um guarda-chuva, caminhando em sua direção.
O garoto se aliviou ao ver que, ao menos daquela vez, ele não estava seminu — o
que fez o garoto dar um suspiro de alivio.
— E aí,
cara... Tudo bem?
— Eu que te
pergunto. Você sabe que tá chovendo, né?
— Não fazia
a menor ideia... — respondeu Ethan em um tom irônico.
Eusine
pareceu não se importar e deu uma risadinha.
— Tenho um
lugar pra nós. Se importa? — perguntou o homem estendendo o guarda-chuva para
que o garoto pudesse se proteger.
Caminharam
por alguns minutos em silêncio pelas ruas de Blackthorn, até que Eusine guiou
Ethan para uma barraquinha amarela em uma das esquinas que aos poucos diminuía
o fluxo do tráfego de veículos e pedestres. O cheiro de salsicha impregnava o
ar e o vapor até que causava certo conforto no menino, que estava encharcado. O
vendedor entregou dois cachorros-quentes para Eusine, que estendeu um para
Ethan, que ergueu a sobrancelha de forma surpresa.
— Pega.
Você deve estar com fome.
— Eu não
trouxe dinheiro...
— Já
paguei, relaxa.
— Como eu
vou poder pagar você depois?
— Melhor
comer antes que esfrie.
Ethan
encarou Eusine por alguns segundos antes de finalmente ceder. Discutir com o
rapaz era claramente lutar uma guerra em que sairia derrotado.
Os dois
caminharam até a proteção de um toldo que fazia fachada de uma das lojas
próximas e sentaram-se no chão. Calados, os dois terminaram de degustar o
lanche e soltaram um suspiro de satisfação. Foi Eusine quem puxou assunto.
— Então, de
barriga cheia, eu posso te perguntar: Por que você tava andando por aí na
chuva? Deve ter sido alguma coisa bem complicada pra tirar você do sério assim.
Ethan
encarou Eusine com curiosidade. Era estranho o homem querer saber sobre o que
estava acontecendo na vida do garoto, afinal, eles mal se conheciam.
— Olha,
Eusine... Sem querer ofender ou ser grosseiro, mas por que você se importa?
— Você me
lembra muito um amigo meu. O jeito de andar, a franja despenteada... Mas
principalmente seu boné, do mesmo modelo e marca que ele utilizava quando
viajávamos juntos. Toda vez que eu te vejo, eu me lembro dele.
Houve um
momento de silêncio antes de Ethan retomar a conversa.
— O que
aconteceu com o seu amigo?
— Sabe que
eu não sei? Deve ter morrido. Seria bom.
Ethan
arregalou os olhos.
— Ué! Por
quê?
— Não
desejo o mal dele, mas é porque depois que terminamos nossa jornada Pokémon e
eu passei a pesquisar ainda mais sobre o Suicune, ele desapareceu. Deve ter se
mudado pra outra região do mundo, feito jornada lá. Ele nunca foi do tipo que
aceitou ficar muito tempo parado, tava sempre procurando o que fazer, sempre a
encontrar um novo desafio para se superar. Apesar do temperamento forte dele,
eu sei que ele era uma boa pessoa. Sabe, garoto, sempre que puder, valorize os
amigos que você tem. Quando ninguém estiver presente, tenha certeza que eles
estarão lá.
— Sabe que
você é a segunda pessoa a falar de amizade comigo hoje?
— Que pena,
não gosto de chegar depois.
— Eu acho
que sou um amigo muito ruim.
Eusine deu
um sorrisinho.
— Por que
acha isso?
— Eu
abandonei meus Pokémon, por causa disso meu melhor amigo e minha namorada me
odeiam.
— Por que
você abandonou seus Pokémon?
— Porque eu
sou um péssimo treinador. Eu mal consegui controlá-los na minha última batalha
de Ginásio! Eu devia era nunca ter saído de casa.
— Voltar
pra casa vai te fazer corrigir seus erros e se tornar uma pessoa, amigo,
treinador e namorado melhor?
— Não. Por
isso eu ia pra casa, assim eu me escondia debaixo da cama pra sempre.
— Fugir dos
seus problemas não vai resolver nada. Eles ainda vão existir, e você vai
continuar sendo fraco.
— Obrigado
pelo apoio — disse o garoto com ironia.
— Ficar
bravo não vai resolver nada também. Você sabe que eu tenho razão.
Ethan
suspirou.
— Eu
gostaria de dizer que você está errado...
—Sabe de
uma coisa? Nós até que somos bem parecidos.
O garoto
arregalou os olhos.
— Somos?
Por quê?
— Porque
nós dois, quando colocamos algo na cabeça, não tiramos de jeito nenhum. Eu,
desde criança, sempre fui apaixonado pelo Suicune. Desde então, passei a
acreditar que um dia irei capturá-lo e treiná-lo, ele será só meu. A lenda desta
criatura não é fascinante por si só? Três Pokémon que morreram dentro da Torre
Queimada, sendo ressuscitados pelo benevolente Ho-Oh, o grandioso pássaro dos
céus, e que agora despertos com certeza estão à procura de um mestre que possa
treiná-los e torná-los mais fortes, enquanto aguardam o retorno da criatura que
os criou para que pudessem banir todo o mal do planeta. Você deve imaginar que
todos aqueles que eu um dia conheci duvidaram deste meu sonho, não é?
Ethan riu.
— Admito
que eu também sou bastante cético quanto a isso. Poxa vida, é um Pokémon
Lendário! Nas vezes que o encontramos, você não pensou duas vezes em querer
passar por cima de nós só para poder ter uma chance de batalhar contra ele!
— Exato
garoto. Não leve para o lado pessoal, mas não é só você. Eu passaria por cima
do mundo, se pudesse, só para conseguir capturar esse Pokémon. Suicune é meu
sonho de vida, e eu, apesar de reconhecer certos exageros nesses longos vinte e
cinco anos que o persigo não me arrependo nem um dia sequer de ter lutado para
que isso pudesse se concretizar.
O garoto
permaneceu em silêncio por alguns instantes, refletindo sobre o que Eusine
estava dizendo. Apesar de Ethan o achar um completo lunático, ele até que era
inteligente.
— Posso te
fazer uma pergunta? — Eusine questionou a Ethan.
— Pode.
— Você
disse que abandonou seus Pokémon porque você não conseguiu vencer sua batalha
no Ginásio... Sua equipe por acaso tem alguma culpa nisso ou a responsabilidade
por não ter preparado seus companheiros da forma devida é toda e exclusivamente
sua?
— Não
necessariamente... Mas eu ouvi hoje na sauna que existe um certo tipo de
treinamento Pokémon em Hoenn que o treinador abandona seu Pokémon quando ele
perde. Eu acho que me levei pela frustração e acabei fazendo igual...
— O método
Nuzlocke é a coisa mais ridícula que eu já ouvi na minha vida.
Ethan
encarou Eusine como se tivesse levado um soco.
— Você
conhece?
— Claro que
sim! Eu tenho contatos na Liga Pokémon, garoto. Eu acho que quem segue o Método
Nuzlocke é um fraco. Você ter que abandonar seu Pokémon por que ele perdeu uma
vez? Isso é ridículo! Eu acredito que quando se perde uma batalha, não se perde
a guerra. Você e sua equipe devem se fortalecer para que se possa vencer na
revanche. Perder não é ruim, ruim é agir como um derrotado.
Ethan
encarou a palma das próprias mãos antes de se levantar bruscamente e sair
correndo. Eusine permaneceu sentado com seu sorrisinho de canto de boca.
— Esse
garoto ainda vai pegar uma gripe se continuar insistindo em sair sem
guarda-chuva...
***
As ruas da
cidade de Blackthorn ficavam cada vez mais desertas. A cada passo que o garoto
dava em direção ao Ginásio, ele olhava para os lados, procurando qualquer sinal
visual de seus Pokémon, mas não havia um qualquer. O garoto arfava de cansaço, arqueou-se
e repousou as mãos nos joelhos, enquanto sentia o suor escorrer pelo rosto e um
calor invadir o interior de seu corpo. O clima úmido e frio que fazia na cidade
até tentava aliviar a temperatura que o garoto sentia, mas a adrenalina não o
permitia descansar. Ele ergueu-se e olhou para os lados mais uma vez, mas
nenhum de seus Pokémon parecia estar próximo. Ouviu passos correndo em sua
direção e deparou-se com jovens treinadores que mantinham na face um sorriso de
satisfação. Enquanto Ethan recuperava o fôlego, não pôde deixar de ouvir a
conversa que aqueles treinadores mantinham entre si de forma apressada.
— Cara,
esses Pokémon selvagens da Rota 45... De onde será que eles surgiram?
— Nem sei,
cara, mas se os boatos estiverem corretos, eles estão lá. Tem até Quilava!
Nossa, imagina um Typhlosion no meu time? Eu vou arrasar na Liga Pokémon!
Ethan
arregalou os olhos.
— Não pode
ser...
E lutando
contra a exaustão, o garoto correu tentando alcançar os dois treinadores que
passaram por ele há poucos instantes.
***
A Rota 45
não se diferenciava muito da paisagem montanhosa que era predominante naquela
parte da região de Johto. Ela era construída por entre uma cordilheira que
separava o norte da região do sul, onde cidades costeiras como New Bark e
Cherrygrove foram construídas e que eram destinos inevitáveis para os viajantes
que prosseguiam por ela, afinal, o caminho em declive era o último passo para
onde os treinadores Pokémon costumavam passar antes da Liga Pokémon, que
acontecia no continente vizinho, Kanto.
Por outro
lado, havia a entrada para a Caverna Escura, um caminho por dentro da montanha que
levava à Violet em meio a encontros com Pokémon raros. Àquela hora da noite
tais caminhos costumavam estar tranquilos, mas naquele dia em específico o
movimento era grande. Treinadores e Pokémon vasculhavam cada canto da rota à
procura de raríssimas criaturas que de uma hora para outra, apareceram nas
redondezas. As águas do rio que fluíam da cidade de Blackthorn às margens dos
caminhos sinuosos eram a única fonte sonora naquela área. O silêncio era total
para que fossem localizados os Pokémon que os últimos boatos diziam que podiam
ser encontrados ali.
—
Encontrei! — exclamou um dos treinadores, apontando para Quilava, que tentava
se esconder por entre a vegetação.
O grupo
correu para onde o garoto apontava. O Pokémon de fogo fora acuado com os
humanos em volta, sem ter para onde correr. Acendeu as chamas em suas costas
como forma de ameaça, mas não pareceu assustar os treinadores. Um ThunderShock rasgou o céu, chamando a
atenção de todos.
Faísca se
aproximava lentamente. Apesar de sua expressão sempre se manter a mesma, com
seus três olhos encarando os oponentes sem demonstrar qualquer tipo de emoção, correntes
elétricas faiscavam dos imãs nos extremos de seu corpo — ele estava furioso.
Sand, Wobbuffet e Imperador o acompanhavam caminhando em posição de ataque,
prontos para defender Quilava de qualquer tentativa de ataque.
Um dos
treinadores, porém, não pareceu temê-los.
— Aí
galera, se combinar certinho, todo mundo aqui hoje vai descolar um Pokémon
maneirão pra equipe... — sorriu maliciosamente, sacando uma PokéBola do bolso.
Em um
piscar de olhos, uma dezena de Pokémon atacavam por todos os lados. Quilava e
seus companheiros tentavam se defender da maneira que conseguiam, um tentando
cobrir as desvantagens do outro. Os Pokémon disparavam seus golpes e se
preocupavam apenas em não atingir uns aos outros em fogo amigo. Apesar da
desvantagem numérica, os oponentes iam recebendo danos consideráveis em seus
corpos, para angústia e raiva de seus treinadores.
— Granbull,
faça picadinho desses imbecis! — bradou um dos treinadores.
— PAREM!!!
— berrou a voz de Ethan.
Por alguns
segundos, o tempo parou. Ao se virarem, os treinadores e seus Pokémon
depararam-se com o garoto quase desmaiando e arfando de cansaço.
— Esses...
São... Os meus... Pokémon!
— Aí
otário, se quiser capturar eles, você vai ter que auxiliar na batalha como todo
mundo, sacou? — comentou uma treinadora.
Ethan
reuniu todo fôlego que ainda tinha e tentou ignorar a forte pontada que sentiu
na região do diafragma e correu na direção da vegetação onde a aglomeração
permanecia. Furou o bloqueio humano e parou de costas para Quilava, de frente
para os treinadores, abrindo os braços para protegê-lo.
—
Ninguém... Chega... Perto... — murmurava o garoto.
— Aí,
maluco, o que você tá pensando? — um dos garotos vociferou de forma ameaçadora
para Ethan. — Você quer morrer?
Quilava e
os outros Pokémon da equipe encaravam Ethan incrédulos. Aquele garoto humano,
poucas horas atrás, havia dispensado-os. Agora, estava ali, defendendo-os de
outros treinadores que queriam capturá-los.
— Ei, eu te
conheço! Você não é aquele moleque do Lago dos Magikarp? Você apareceu na TV! —
exclamou uma das treinadoras.
— Pode
crer! Você tava na treta contra os Rockets junto com a Elite 4 também, em
Mahogany, semana passada! — lembrou outro garoto.
— Agora
tudo faz sentido... Esses Pokémon são seus!
Ethan confirmou
com a cabeça.
— Você
abandonou eles? — Os questionamentos continuavam.
— Eu cometi
um erro. Eu joguei nas costas deles uma responsabilidade que era só minha —
respondeu o garoto de forma firme.
Um dos
garotos aproximou-se de Ethan e cospiu em seu rosto.
— Você é um
treinador repugnante! Seus Pokémon merecem coisa melhor do que um lixo como
você, conosco com certeza eles serão devidamente treinados como merecem.
Ethan
passou o antebraço direito no local da cospida e deu um sorriso sádico.
— Só por
cima do meu cadáver.
O garoto
socou o treinador com toda força que conseguiu reunir. Logo, os demais partiram
para cima e se juntaram à pancadaria. Ethan era um só e começou a apanhar
daquela dúzia de outros treinadores que o espancavam cheios de raiva, um deles
o socou e o derrubou no chão na medida que outros dois começaram a chutá-lo nas
costelas e suas partes baixas. A briga então se estendeu para os Pokémon que
trocavam golpes entre si, uma confusão generalizada tomava conta da Rota 45.
Quilava
correu para tentar defender seu
treinador, mas os demais Pokémon fizeram um cerco contra e o impediram de
continuar. Sandslash tentou furar o bloqueio e acabou sendo agredido por um
Hitmontop. Magneton tentou paralisá-los até que se acalmassem, mas a presença
de um Donphan dificultava a situação.
Os
arruaceiros que se declaravam como treinadores só pararam a investida quando
puderam ouvir a sirene da polícia ressonar cada vez mais próxima. Eles pararam
de agredir Ethan, largando-o sangrando e quase inconsciente no chão para
desaparecerem dali antes que as autoridades chegassem e começassem a fazer
perguntas com risco de os abdicar de seus títulos como treinadores.
— Isso
ainda não acabou, seu bosta. A gente vai se ver de novo — disse um dos rapazes
antes de chutar com força a cabeça do garoto, desmaiando-o em definitivo.
TO BE CONTINUED...
Notas do Autor (Capítulo 56)
Bem, geralmente as notas do autor a gente costuma acessar depois que lê o capítulo. Há spoilers, então, não digam que eu não avisei!
Aviso geral: Trainer Cards atualizados!
Quem diria que, depois de algum tempo, teríamos de volta tanto um capítulo novo, quanto as Notas do Autor. Oficialmente, temos o ano de 2020 inaugurado aqui no blog. Confesso que é sempre uma alegria quando eu consigo trazer capítulo novo, porque apesar de eu gostar de escrever, eu tenho uma séria dificuldade em manter o foco, afinal, é tanta coisa pra fazer que eu acabo deixando tudo pra depois...
Nesse capítulo nós temos a estimada a última Batalha de Ginásio do Ethan. Mas, diferente do que talvez vocês estivessem esperando, ela não é o foco do capítulo. Ele, inclusive, foi escrito na casa do Canas, nas férias de fim de ano enquanto jogávamos Pokémon Shield e ele tirava onda com a minha cara porque eu apanhava pra zerar Zelda: The Wind Waker. Em dois dias, tomamos vergonha na cara, saímos da procrastinação e resolvemos escrever. Ele pra Matéria e Sinnoh 2.0 (sim, eu faço ele escrever). Foi ele que batizou o nosso novo personagem, Duster, rival do Ethan.
Falando em Ethan... Que cagada a dele, hein? Ele tinha só UMA função e acabou criando um ENORME problema de relacionamento (definitivo?) com sua equipe de Pokémon. Assim, foi-se a oportunidade que ele tinha de conseguir sua última insígnia e adia, por tempo indeterminado, a vaga pra entrar na Liga Pokémon. Afinal, parece que a Clair só vai lutar com ele de novo quando, e se, o Ethan recuperar a confiança de novo de seus Pokémon.
E, cá pra nós, o tapa que ele tomou da Amy foi muito bem merecido. Ele perdeu os Pokémon, perdeu a namorada, os amigos e agora, tá sozinho pelo mundo. Até quando ele vai segurar a barra? Não faço a menor ideia...
Vamos descobrindo juntos o desenrolar de toda essa problemática...
Espero que você continue se surpreendendo!
See ya!
Capítulo 56
Cidade de
Blackthorn, Centro Pokémon, quarto 25, sexta-feira, dia 7 de Junho, 11:24h.
Ethan
continuava a olhar as seis PokéBolas em cima do criado-mudo ao lado de sua
cama. Milhares de coisas passavam em sua cabeça, mas a principal de todas elas
era: Como ele havia perdido o controle de seus Pokémon? Por que eles passaram a
não obedecê-lo? O que ele havia feito de errado? O pior de tudo isso era saber
que era em Blackthorn que seu último desafio se encontrava antes de enfrentar a
Liga Pokémon no começo do ano que vem. Justo agora, seus companheiros insistiam
em não lhe dar ouvidos.
A última
vez que o garoto ficara dessa maneira havia sido há algumas semanas, quando
enfrentou a Equipe Rocket em seu esconderijo subterrâneo na Cidade de Mahogany,
onde viu Pryce quase perder a vida. Apesar da vantagem em saber que a líder do
Ginásio de Blackthorn, Clair, havia lutado a seu lado naquele dia e saber que
ela utilizava o Tipo Dragão, o fato de não ter o controle de seus Pokémon há
alguns dias o deixava preocupado.
Será que
ele seria deixado na mão justo naquele momento crítico?
O garoto
suspirou, levantou-se da cama, recolheu suas PokéBolas e retirou-se do quarto,
deixando-o completamente vazio. Amy e Forrest não se encontravam presentes ali
desde as primeiras horas da manhã, mas Ethan estava com a cabeça cheia demais
para se importar para onde seu amigo levava sua namorada.
Ethan ainda
calçava seus chinelos brancos e pela primeira vez não se importou em sair com
os cabelos desarrumados do Centro Pokémon — o que seria motivo de sermão por
parte de dona Marieta, caso ela visse aquilo. A cidade era cercada por
montanhas, o que a fazia ser tocada constantemente pelo vento que soprava para
o sul, onde em uma breve olhada no mapa geográfico da Região de Johto, podia-se
notar a localização da Cidade de New Bark, terra natal do garoto, e de onde se
dizia partir para as demais localidades da região, como um grande funil
natural. Blackthorn ainda mantinha as características histórias do vale onde
foi fundada, como um grande rio que cruzava a cidade de um canto ao outro,
acompanhado por uma vasta floresta que rasgava as construções de pedra e
granito da cidade e onde os prédios não eram mais altos do que as montanhas que
a cercavam. O sol podia ser visto de qualquer lugar e sempre havia uma árvore
em cada esquina para aliviar o calor que fazia.
Porém, não
seria a beleza da cidade histórica ou o belo dia quente que faria Ethan mudar
seu humor.
O garoto
caminhava seguindo as placas que indicavam a direção da Toca do Dragão, um
ponto turístico famoso da cidade que reunia os maiores treinadores de
Blackthorn. Todos eles exibiam seus Pokémon do Tipo Dragão e treinavam juntos,
disputando e medindo forças como adolescentes inconsequentes bancados pelos
pais. Ao perguntar para Forrest o que ele poderia fazer para se reaproximar de
seus Pokémon, a resposta foi simples.
— Você já
pensou em fazer um programa junto com eles?
O garoto
olhou o moreno com uma expressão confusa. Sentou-se na cama em seu quarto no
Centro Pokémon e olhou para os amigos. Amy estava debruçada na janela, olhando
a chuva leve que caia e as nuvens cinzentas que cobriam as montanhas que
enfeitavam a paisagem para todo lugar que se via. Forrest permanecia deitado,
de barriga para cima e as mãos cruzadas, debaixo de sua cabeça.
— Como
assim?
— Você só
tem usado seus Pokémon em batalha ultimamente. Quando foi a última vez que
você, sei lá, brincou com eles? — questionou Amy.
Ethan não
respondeu.
— Você
reclama que seus Pokémon se tornaram desobedientes, mas você mesmo não parece
se esforçar para ganhar o respeito deles — comentou Forrest.
O garoto
cruzou os braços, incomodado com o comentário.
— E o que
vocês querem que eu faça?
— Não somos
nós que temos que resolver isso por você, cara. Mas, eu posso te dar uma luz.
Sei que aqui na cidade tem um lugar próximo do Ginásio chamado “Toca do
Dragão”. Por que não passa um tempo com seus Pokémon lá? Fiquei sabendo que
eles têm umas saunas maneiras — disse o moreno.
Perdido em
pensamentos, Ethan mal notou quando alcançou a entrada da Toca do Dragão. Havia
duas entradas principais: A maior delas, por onde Ethan deveria entrar, era a
exclusiva dos visitantes, onde a fila de pessoas dentro das lojinhas de
lembrancinhas e apetrechos se estendia por alguns metros. A segunda, era uma
porta menor, protegida por dois Machokes, que impediriam qualquer pessoa
não-autorizada a prosseguir pelo o que for que estivesse atrás dela.
O garoto
entrou pela porta principal e se orientou pelas placas em direção à sauna. Viu
que estava no caminho certo quando percebeu uma nuvem de vapor tomando conta
dos corredores. Para se usar a sauna, o usuário tinha de ir a um balcão do lado
de fora das salas onde se encontravam as saunas propriamente ditas. Apesar de
ter em um primeiro momento se assustado com o valor da sessão, o garoto retirou
a carteira e efetuou o pagamento.
A
recepcionista o orientou a ir tirar as roupas em um vestiário próximo. Ethan
assim o fez, saindo da cabine apenas sem a camiseta, vestindo seus shorts e o
par de chinelos brancos. Foi alertado
pela recepcionista de que teria de entrar no espaço descalço, então o garoto
colocou o calçado nas sapateiras disponíveis próximas à porta. Ethan respirou
fundo e sacou suas seis PokéBolas do bolso. Quilava, Sandslash, Wobbuffet,
Pupitar, Magneton e Nidorino se encararam antes de olhar para seu treinador que
os observava ansioso.
— Bem,
trouxe vocês aqui para que possamos relaxar. Afinal, a última batalha de
Ginásio está chegando e acho que estamos todos bem estressados... Então, por
que não entramos nessa sauna? Não se preocupem, Sand e Pupitar, é sauna seca,
vocês não vão se molhar.
O garoto
entrou na sala e os seis Pokémon o seguiram. Era uma sala espaçosa, com bancos
de madeira, muita fumaça e pouca umidade. O cheiro de citronela foi a mensagem
de boas-vindas recebida por eles. Ethan timidamente escolheu um lugar para se
sentar, haviam outras pessoas na sala. Passou de cabeça baixa, não percebeu um
velho conhecido reparando em sua chegada.
— Até você
veio pra cá, garoto?
Ethan parou
abruptamente. Ao olhar para a fonte daquela voz, ele não deixou de soltar uma
exclamação alta.
— Eusine?!
O homem
estava seminu, vestindo uma cueca roxa com a imagem de Suicune estampada. Uma
toalha branca jazia sob seu pescoço enquanto gotas de suor escorriam em cada
centímetro de sua pele. O homem levantou-se e se dirigiu ao garoto.
— Você está
de folga também? A última vez que ouvi falar de você, você estava trabalhando
com a Equipe Rocket.
— Eu só
vim... Passar um tempo com meus Pokémon... — respondeu Ethan, constrangido.
O suado
Eusine aproximava-se cada vez mais do garoto, que dava um passo para trás a
cada um pra frente dado pelo homem. Os Pokémon de Ethan pareciam se divertir
com a cena.
— Foi muito
bom te ver, a propósito. Eu descobri que Suicune foi visto nos arredores da
cidade e vim atrás dele como sempre. Mas como ninguém é de ferro, claro que eu
acabei tirando umas horinhas pra cuidar da pele. Sabe como é, às vezes dá
trabalho ser bonito — gabou-se o homem, dando uma risada forçada.
— É, né? —
respondeu Ethan.
— Deu meu
tempo. Nos vemos por aí, garoto.
O homem deu
as costas e Ethan não pôde deixar de reparar na cueca roxa encavada por entre
as nádegas do homem, que sorria satisfeito.
— Eu acho
que vou passar mal... — comentou Ethan sentindo um forte enjoo, antes de se
sentar no seu banco de madeira.
***
Cerca de
quinze minutos da sessão já havia se passado. Ethan estava suado e cansado,
como se tivesse corrido uma maratona. Quilava e Pupitar eram os Pokémon que
mais se sentiam confortáveis naquele ambiente, enquanto Wobbuffet não esboçava
reação alguma, apesar de estar claramente derretendo. Tudo estava na maior tranquilidade quando a
porta da sala de sauna se abriu. Um rapaz jovem, de cabelos esverdeados, porte
atlético e abdômen definido chamou a atenção de Ethan quando sentou ao seu
lado. Trazia consigo um Pokémon enorme, bípede e crocodiliano, com seu corpo
repleto de escamas azuis. Possuía mandíbulas grandes e poderosas, alinhadas com
várias presas afiadas. Três dentes eram visíveis, mesmo com suas mandíbulas
fechadas, sendo dois na mandíbula inferior e um na parte superior. Seus olhos
eram vermelhos com manchas pretas ao redor e sulcos acima deles e sua mandíbula
inferior era amarelada.
O treinador
reparou na atenção demasiada que Ethan dava ao seu Pokémon.
— Você
gostou do Feraligatr? O nome dele é Richard. O meu é Duster.
— Meu nome
é Ethan. Seu Feraligatr é muito maneiro, é a primeira vez que vejo um de perto!
Duster
olhou para os Pokémon de Ethan, que se aproximaram do treinador olhando para o
Feraligatr.
— Que
equipe legal essa sua. Vocês devem ter passado por muitas batalhas. Quantas
insígnias você tem? Três?
— Na
verdade, são sete — respondeu Ethan.
— Sete? E
seu Quilava não virou um Typhlosion ainda? — debochou o treinador.
Ethan olhou
para seus Pokémon e viu que eles esperavam uma resposta.
— Pois é,
né? Acho que eu não tenho me dedicado tanto assim como treinador... — respondeu
o garoto, visivelmente sem graça.
— Richard
foi meu primeiro companheiro. Já coletamos todas as oito insígnias, estou
passando um tempo aqui antes de prosseguir pra Área de Treinamento da Toca do
Dragão, onde os maiores treinadores da cidade se reúnem para lutar pesado. Até
a Clair, a líder do Ginásio bonitona, frequenta por lá. Se quiser, eu posso te
dar umas dicas pra fazer seu Quilava evoluir rapidinho.
— Claro!
Seria ótimo! — exclamou Ethan, empolgado.
Quilava, no
entanto, fechou a cara. Grunhiu para seu treinador em sinal de insatisfação. O
mestre a quem ele se fortalecia estava ignorando totalmente a forma que ele se
sentia. Quilava não estava pronto pra evoluir e estava tudo bem. Seus amigos de
equipe evoluíram por Ethan para ajudá-lo em batalhas, assim como ele próprio
tempos atrás, e agora o discurso havia mudado bem à sua frente.
A Equipe de
Pokémon de Ethan já não havia concordado com a postura do treinador quando
Pupitar havia evoluído a força recebendo influência das ondas
radiotransmissoras do Lago dos Magikarp. Ethan deixou sua equipe no Centro
Pokémon e foi atrás de Amy, nem havia se importado o bastante com o Pokémon.
Após aquele dia, Pupitar se fechou, não tinha mais o mesmo afeto por Ethan como
antigamente. Foi uma traição. Pupitar não pôde contar com Ethan quando mais
precisou, então seu treinador não iria mais contar com ele.
Os Pokémon
se entreolhavam incomodados. Por mais que tentassem chamar a atenção de seu mestre,
Ethan continuava a prestar atenção em Duster e seu papo de evolução.
— Sabe
Ethan, nós que somos treinadores Pokémon devemos sempre estar dispostos a sair
de nossa zona de conforto. Quanto mais Pokémon nós pegarmos e quanto mais
versátil for nossa equipe, mais vitórias nós conquistamos. Eu sigo um método
que aprendi com um amigo em Hoenn: Quando eu perco uma batalha, eu mando meu
Pokémon pro laboratório e pego outro pra colocar no lugar. Assim, eu construí
uma equipe imbatível e invencível! Richard manteve seu recorde, nunca perdeu
uma batalha.
— E como
isso foi possível?
— Richard
sabe que pra ser o melhor do mundo, ele precisa me dar ouvidos. Eu sou o
treinador dele, se ele me ouve, vence as lutas.
Ethan olhou
para seus Pokémon e os viu totalmente sérios. O garoto suspirou e, em tom de
desabafo, comentou com o rapaz ao seu lado.
— Como
seria legal eu ter um Pokémon como o Richard na minha equipe... Um Pokémon que sempre
me ouviria nas batalhas e nunca me deixaria na mão.
Quilava
pareceu tomar um soco no estômago. Wobbuffet, de braços cruzados, balançou a
cabeça para o treinador de forma negativa, claramente em desacordo. O relógio
na sala tocou, anunciando que os vinte minutos da sessão de Ethan haviam se
esgotado. A Equipe de Pokémon de Ethan saiu imediatamente da sauna enquanto o
garoto e Duster trocavam telefones.
***
Durante a
tarde, Ethan voltou a se encontrar com Amy e Forrest no Centro Pokémon antes da
batalha de Ginásio do garoto, marcado para as cinco horas da tarde. Sentados na
cantina, nenhum dos três parecia disposto a puxar conversa. Aquele clima já era
bastante comum, afinal, Ethan sempre ficava nervoso antes de suas batalhas de
Ginásio.
— Como foi
hoje na sauna? Você e seus Pokémon se entenderam? — perguntou Amy.
— Foi
legal. Estamos bem, prontos pra batalhar pela insígnia — respondeu o garoto,
com a boca cheia de arroz e strogonoff de frango.
— Tomara
mesmo. Fico feliz por você ter ouvido nossa sugestão e corrido atrás de
resolver seu problema de relacionamento com sua equipe o quanto antes — disse
Forrest.
— Não se
preocupe, cara. Não tem como dar errado — respondeu Ethan com um sorriso.
Cidade de
Blackthorn, Ginásio local, quinta-feira, dia 7 de Junho, 17h.
Dois
Dragonites encaravam imponentes qualquer um que caminhava em direção aos
portões que davam acesso ao Ginásio da cidade. Apesar de terem sido esculpidas
em pedra, o escultor, de alguma maneira, conseguiu colocar no olhar de cada
estátua uma chama ardente e ameaçadora que as fazia vivas. Na questão
arquitetônica, aqueles Dragonites davam um toque muito elegante às paredes de
tijolos que separavam a rua do jardim que dava para o interior da construção
enorme. Os vitrais na janela se destacavam por seu tamanho, os vidros eram tão
limpos que se podia ver de longe o reflexo do céu plúmbeo que pairava pelas
cabeças de todos os que passeavam por ali. O vitral mais bonito, de longe, era
o do frontão do prédio, que tinha o formato de uma flor com oito pétalas — que
talvez representasse o último desafio de um treinador que já possuía as outras
sete insígnias, caso de Ethan, que se encontrava parado na frente do endereço,
com receio de entrar.
Amy
aproximou-se de Ethan e pegou em sua mão direita, apertando-a com firmeza.
Forrest segurou o ombro esquerdo do amigo e também o apertou de forma firme.
Ethan olhou para os dois e os viu dar um sorriso encorajador, o que o fez
sentir certo frio na barriga.
O trio
avançou em direção à porta de entrada do Ginásio e entraram pela porta.
Era
possível de se ver o campo de batalha do saguão principal, uma visão
arrebatadora já que talvez estivesse havendo uma confusão sensorial devido ao
ar condicionado estrategicamente posicionado, pois o campo era cercado por lava
de vulcão. As paredes de alvenaria eram feitas de vidro, o calor deveria ser insuportável,
mas quem estava ali não sentia a transição do extremo calor.
— Sejam
bem-vindos ao Ginásio Municipal de Blackthorn. Pelo horário, acredito que o
senhor seja Ethan, o desafiante de hoje.
Ele vestia
uma roupa de treino púrpura, com luvas e botas na cor amarela e uma capa
esvoaçante na cor vermelha. Tinha um olhar severo e checava fichas em uma
prancheta que trazia consigo, aonde constavam os dados de Ethan.
— Sim, sou
eu. Muito prazer — cumprimentou o garoto. — Estes são Amy e Forrest.
— Não há
menção de desafio pra nenhuma Amy ou algum Forrest — checou o rapaz na lista
que carregava consigo.
— Ah, nós
não vamos desafiar o Ginásio também, viemos apenas assistir a batalha — disse
Amy.
— Ah,
sim... É que as coisas no Ginásio de Blackthorn são diferentes. Aqui, toda
batalha da nossa líder, Mestra Clair, requer que vocês tenham comprado
ingressos em nossas bilheterias para poder assistir as batalhas do dia —
explicou o homem olhando em sua prancheta. — E ao que me consta aqui, todos os
ingressos disponíveis para a batalha do senhor Ethan estão esgotados,
infelizmente. As batalhas da Mestra Clair são sempre concorridas, como devem
saber.
Ethan, Amy
e Forrest se olharam, espantados.
— Isso quer
dizer que nós não podemos assistir a batalha dele? — questionou Forrest.
— Claro que
podem — comentou o rapaz, para um breve suspiro de alivio do trio. — Vocês
compraram seus ingressos?
— Não —
respondeu Amy, recebendo um olhar surpreso de Ethan.
— Então,
infelizmente, vocês terão de saber do resultado após a batalha de seu amigo.
Senhor Ethan, por favor, siga pelo corredor e pegue o elevador. Mestra Clair
entrará em campo exatamente em três minutos. Vocês dois, me acompanhem, por
favor.
Amy e
Forrest acompanharam o recepcionista pelo corredor que dava para o lado de fora
do Ginásio.
— Você não
pode fazer isso! — bradou Ethan.
O
recepcionista se virou com um sorriso cínico.
— Claro que
posso, é o meu trabalho. Por favor, se dirija ao seu lugar. Caso você não
apareça cinco minutos após a Mestra Clair se posicionar em campo, é considerado
desistência do desafiante. O Ginásio Municipal de Blackthorn não precisa de
você, mas você precisa da insígnia dele. A decisão é sua, senhor Ethan.
O garoto
fechou os punhos com força.
— Está tudo
bem, Ethan. Foi como você disse pra nós, não tem como dar errado.
Estamos com você — disse Amy com um olhar sereno.
Forrest
concordou, balançando a cabeça de forma afirmativa com um sorriso no rosto.
Os dois
continuaram seu caminho para fora do Ginásio enquanto Ethan demorou alguns
segundos para tomar a iniciativa de seguir até o elevador.
Clair, a
Líder do Ginásio de Blackthorn, já estava posicionada no seu lado do campo.
Ethan nem reparou de imediato, o calor que estava fazendo era comparável à
sauna que estava frequentando mais cedo. Não, com certeza o calor era muito
maior. Ele começou a suar assim que chegou ao seu lugar de treinador no campo
de batalha. Na sua frente, a alguns metros de distância, a mulher de longos
cabelos azulados que mantinha sua pose imponente reforçada por sua capa negra
que balançava de forma hipnótica para os lados. O olhar de Clair era o mesmo
que o desafiante lembrava ao vê-la lutando no Quartel-General da Equipe Rocket —
sério, frio, que não permitia que lessem seus sentimentos ou intenções. Clair era
uma muralha, muito diferente de seu primo, Lance, que apesar da seriedade, se
permitia ser um pouco simpático, apesar do gosto pelo humor negro que tanto
causava críticas entre os colegas da Liga Pokémon.
— Achei que
tinha desistido, desafiante — comentou Clair.
— Que
calor... — reclamava Ethan. — Como você consegue ficar com essa capa presa no
seu pescoço?
—
Treinadores de Pokémon do tipo Dragão precisam ser fortes, resistentes e
habilidosos, tal qual as criaturas que nós domamos. Eu sou a maior Mestre de
Dragões do mundo. Posso bater de frente com a Elite 4 inteira. Você querer me
desafiar já mostra que você tem coragem... Mas não me toca. Como Líder de
Ginásio, meu dever é testar suas habilidades. E como treinadora... Eu vou
mostrar que os meus Pokémon são imbatíveis em todos os cenários. Eu usarei
apenas três Pokémon, fique à vontade pra usar quantos você quiser. Dragonair!
Clair
arremessou sua primeira PokéBola. De dentro dela, saiu Pokémon de corpo longo e
serpentino que possuía pelo corpo escamas azul celeste e uma parte inferior
branca. Possuía um focinho arredondado, olhos roxos ovais que faziam Ethan
sentir calafrios e um pequeno chifre branco na testa. Em cada lado da cabeça
havia uma asa pequena na cor branca e que formava um redemoinho em sua base.
Três esferas azuis de cristal adornavam seu corpo, sendo uma no pescoço e duas
na cauda.
Ethan
estava tenso. Ele não tinha seus amigos para poder dar apoio e quando olhava
para cima, via várias pessoas o encarando, claramente torcendo para a Líder de
Ginásio. Pela primeira vez, ele estava completamente sozinho.
O garoto
pegou sua primeira PokéBola e a arremessou no campo de batalha. De dentro dela,
saiu Quilava. O Pokémon de Ethan encarou seu oponente e ergueu-se, ficando em
uma postura ereta.
— Lava, use o Flame Wheel!
As chamas
das costas de Quilava, no entanto, não arderam. O Pokémon continuou a encarar
seu oponente sem dizer uma palavra.
Clair
ergueu o cenho.
— Já que
seu Pokémon não ataca... Eu assim farei. Thunder Wave!
O Dragonair
de Clair lançou de seu chifre um raio elétrico na direção de Quilava, que
recebeu todo o impacto diretamente, sem perder sua postura. O Pokémon de Ethan
ficou paralisado, sentiu todos os seus músculos se contraírem, mas não iria
ceder. Permaneceu ereto, encarando com seu oponente com respeito.
— Quilava,
por favor... Eu preciso de você. Lava Plume!
Jamais se
saberia se era por causa da paralisia que o acometeu ou se por teimosia, mas o
Pokémon de Ethan novamente não se moveu.
— Seu
Pokémon não o obedece e você quis me desafiar. Como você tem coragem? —
questionou Clair ao garoto.
— Retorne,
Quilava. Pupitar, eu te escolho!
Quilava
retornou para a PokéBola e Pupitar tomou o campo de batalha. Encarou o oponente
do outro lado do campo e o cumprimentou, retornando em seguida para a PokéBola.
Ethan abriu
a boca, sem reação.
— Seus
Pokémon não estão a fim de lutar. Essa luta está encerrada — anunciou Clair.
O treinador
arregalou os olhos. Ao seu redor, o público começou a vaiá-lo pela primeira vez
em sua carreira.
— Como
assim? Espera, eu tenho meus outros Pokémon! Deve estar acontecendo algum
equívoco...
— Então
trate de resolver esse equívoco. Você não tem condições de batalhar pela
insígnia do Ginásio. Volte quando, e se, tiver um bom desafio a oferecer.
O suor se
misturava às lágrimas de frustração que escorriam pelo rosto de Ethan. O garoto
fechou os punhos com força e ouviu Clair passar pela porta. Ele voltou para o
elevador e caminhou pelo corredor, sentindo os cochichos daqueles que
assistiram a batalha. Sentindo o rosto queimar de vergonha, ele manteve-se
firme e caminhou até a porta de saída.
O vento
tocou seu rosto e aliviou o calor que sentia. O misto de frustração e raiva
tomava conta de seu corpo que não cessou ao sentir as primeiras gotas de chuva
caindo do céu. O garoto sacou suas seis
PokéBolas e liberou seus Pokémon
— Vocês
estão insatisfeitos comigo como treinador. Então, acho que devemos resolver
esse problema de uma vez. Procurem um treinador melhor, vocês merecem.
Os Pokémon
se entreolharam, mas não fizeram nenhuma objeção. Wobbuffet pareceu hesitar por
um instante, mas permaneceu ao lado dos companheiros. Ethan encarou esperançoso
cada um de seus Pokémon, mas sentiu-se desolado ao ver que Pupitar liderou o
grupo para longe dele.
Aquele era
o fim da jornada Pokémon do garoto.
***
Cidade de
Blackthorn, Centro Pokémon, quarto 25, quinta-feira, dia 6 de Junho, 18:17h.
Ethan
chegou completamente ensopado no quarto onde estava hospedado no Centro
Pokémon. Amy e Forrest conversavam, mas foram surpreendidos com a chegada do
garoto.
— E aí,
cara! Como foi sua batalha, você conseguiu a insígnia? — perguntou Forrest
entusiasmado.
— Não —
respondeu Ethan, entrando no banheiro para tomar banho.
— Não? Poxa
vida, meu bem... Que chato... Mas tenho certeza que você vai conseguir na
próxima vez. Como se saíram Quilava e os outros? — questionou Amy.
— Não sei,
eles não lutaram, daí resolvi abandoná-los.
O silêncio
só foi quebrado pela água do chuveiro tocando o piso do box.
— Desculpa,
eu não ouvi direito. Você fez o quê? — a voz incrédula de Amy fora abafada pela
grossa parede que dividia o banheiro do quarto.
— Eu dei release nos meus Pokémon, quer que seja
mais claro? Vai ser melhor eles encontrarem um novo treinador. Foi nosso acordo
— respondeu Ethan do chuveiro.
A porta do
banheiro foi aberta com violência.
— VOCÊ FEZ
O QUÊ?! — Amy estava furiosa. Ela não se importava se Ethan estava nu, ela
queria matá-lo.
— Você tá
brincando, né? — perguntou Forrest, em seguida, logo atrás de Amy.
Ethan
tentou se virar no box, tentando cobrir suas partes íntimas como podia.
— Ow, eu tô
pelado! — reclamou o garoto.
— VOCÊ
ABANDONOU SEUS POKÉMON, VOCÊ É LOUCO? VOCÊ É UM IDIOTA, VOCÊ É PATÉTICO! — a
garota arremessou um vidro de sabonete no box do chuveiro e o quebrou em
diversas partes.
— Calma,
meu amor, eu posso capturar outros! — respondeu Ethan assustado.
Aquele
comentário foi a gota d’agua.
Um trovão
ribombou do lado de fora. A violência do barulho não foi nada comparado com o tapa
que Amy deu no rosto de Ethan. Ela estava com os olhos vermelhos, a veia em sua
testa pulsava e seus dentes rangiam.
— Você vai
dar um jeito de trazer cada um dos seus Pokémon de volta e eu não ligo como
você vai fazer isso. Você é um babaca infantil que não sabe sequer como se
relacionar com a sua equipe. Dá seu jeito — ameaçou a garota.
Ethan
estava ofegante. Ele nunca havia visto a namorada agir daquele jeito, nem mesmo
enfrentando a Equipe Rocket. Será que ele havia ido tão longe assim?
— Você quer
que eu vá atrás dos meus Pokémon e me relacione bem com eles sendo que você
mesma mal treina seu time... Com quem será que eu aprendi? — perguntou o
garoto, começando a perder a calma.
A expressão
de Amy mudou. De raiva, passou para decepção. Seus punhos afrouxaram e seus
ombros caíram. Ela olhou no fundo dos olhos de Ethan e usou as palavras que o
machucaram mais do que qualquer tipo de agressão física que ela fizesse contra
ele.
— Eu me
apaixonei por um cara que se esforçava para não deixar nada de ruim acontecer
com aqueles que amava. Seus Pokémon estiveram ao seu lado antes mesmo do que eu
ou Forrest, e você os tratou como lixo. Não, pior. Lixo pelo menos tem alguma
utilidade reciclável.
A garota
virou as costas em direção à saída do banheiro.
— Eu me
recuso a chamar um moleque como você de namorado. Eu não quero mais.
Forrest a
seguiu. Novamente, a água do chuveiro tocando o piso era a única coisa que
quebrava o silêncio antes da porta do quarto se fechar por um bom tempo.