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Mystery Gift

Capítulo Especial - por Canas Ominous


“Com qual Pokémon você mais se identifica, Karen?”

A notícia transmitida pelo telejornal Johto Urgente trouxe à tona uma memória antiga. Beverly Sinclair, 36 anos, Pokéfan assumida, teve sua permissão de treinador apreendida após falsificar a identidade para entrar na categoria Júnior do Torneio de Caça aos Pokémon Inseto, que acontece no Parque Nacional da Cidade de Goldenrod.

Karen estava vestida com uma jaqueta de couro, óculos escuros e boina para esconder o cabelo. Seu objetivo: infiltrar-se na Loja de Departamento da capital sem ser interceptada por nenhum fã perguntando por fotos, autógrafos ou a marca de xampu que ela usava para que seus cabelos ficassem sempre lindos e sedosos. Assistia à notícia através de uma televisão suspensa com algumas compras na sacola, estava tão distraída que nem percebeu que o atendente no caixa falava com ela.

— Senhorita? — o velhinho repetiu. — Vai pagar com dinheiro ou cartão?

— Ah, desculpe. Passa no débito.

Na TV, a repórter dava mais detalhes do caso. Segundo ela, não seria a primeira vez que Beverly utilizava seu Ditto para se inscrever no torneio. “As recompensas na categoria Júnior são melhores e a competição é menos acirrada”, esclareceu à polícia. Beverly respondia em liberdade, mas sem a permissão não poderia participar de nenhuma batalha de ginásio oficial, o que a impossibilitava de entrar na Liga Pokémon pelo período de um ano.

Karen continuava distraída enquanto o velhinho do caixa terminava de empacotar suas vitaminas e repelentes.

— Acha que esse ano haverá algum desafiante capaz de derrotar a Elite 4? Já faz algum tempo que você não recebe ninguém à altura.

A mulher encarou surpresa o atendente ao perceber que seu disfarce fora exposto. Por sorte, aquele velhinho não parecia querer importuná-la com fotos ou autógrafos.

— Sim, já faz tempo, mas a Liga Pokémon desse ano promete. Temos fortes candidatos, alguns tendo inclusive superado a Clair — falou Karen com uma risada franca. — Estou ansiosa para ver quais surpresas nos aguardam. Eu admiro um treinador capaz de se manter firme e fiel aos seus ideais.

— Você sempre foi uma treinadora com um tremendo potencial. Lembro-me de vê-la ainda bem pequenininha nesse mesmo andar, brincando com seu vídeo game e bebendo refrigerante antes de voltar para casa — disse o velhinho, entregando as sacolas nas mãos dela assim que terminou de empacotá-las. — Você vai se sair bem.

Karen precisou vasculhar fundo em sua memória para lembrar quem era aquele senhor de idade. No elevador, teve um vislumbre de sua infância — claro, só podia ser o vendedor de berries que todo domingo trabalhava na feirinha no final da rua! Ele agora estava calvo e sua barba toda decorada de branco, afinal, quase 20 anos se passaram desde que Karen deixara Goldenrod para viver sua própria aventura Pokémon como treinadora. Só não conseguiu se lembrar do nome dele.

Levou a mão aos bolsos e soltou um suspiro. Estava tão distraída naquele dia que esquecera seu Cartão Black sobre a bancada. Apertou o botão do quinto andar e voltou às pressas, tendo uma desculpa para não parecer deselegante. Quando a porta se abriu, o velho já a aguardava com o cartão em mãos.

— Ah, eu já estava descendo para devolver isso.

— Obrigada. Não acredito que o senhor ainda trabalha aqui depois de todos esses anos — disse Karen, pondo suas compras de lado como quem quer conversar. — Você era o dono da quitanda, não?

— Sim, sim. Depois que a prefeitura decidiu construir o shopping em cima do espaço da feira eu fiquei desolado, mas aí ofereceram um emprego para mim e aqui permaneci por todos esses anos — explicou o atendente. — O quinto andar é como a minha casa agora. Virei gerente e hoje sou eu quem organiza tudo aqui dentro, e dizem que tenho uma memória muito boa.

— Isso eu pude reparar — disse Karen com a voz tranquila, sentindo-se mais à vontade para retirar sua boina e revelar os longos cabelos azul-prateados como ondulações num oceano infindo. — Acho que mesmo que eu não estivesse disfarçada você teria me reconhecido de quando eu era criança, não é?

— Claro. Que outra pessoa compraria duas dúzias de Max Repels todo mês?

— Alguns hábitos nunca desaparecem — ela respondeu entre risadas.

— Quando o shopping inaugurou você começou a vir aqui todos os domingos, lembra?

— Claro! Eu escapava da minha mãe para olhar o setor de pelúcias — brincou Karen. — Vocês ainda vendem aqueles PokéDolls fofinhos?

— Segundo andar — confirmou o atendente.

 — Certas coisas nunca mudam mesmo.

Os dois se entreolharam e compartilharam um silêncio respeitoso como quem diz: “Quem diria que chegaríamos aqui depois de todos esses anos!”.

— Eu lembro também que você costumava brincar com outra garotinha — disse o velho. — Todos os dias vocês traziam seus videogames e ficavam por horas conversando, rindo e bebendo Soda Pop sentadas ali naquele mesmo sofá.

Karen virou-se e observou o espaço recreativo usado para descanso. A nostalgia foi tão intensa que ela sentiu como se Celebi a tivesse levado em uma viagem no tempo. Viu uma garotinha de cabelo preso em dois coques na cabeça, seu vestido era laranja e amarelo. Ela permanecia de pé debaixo de um foco de luz para enxergar a tela pixelizada escura, tão concentrada em seu Game Boy que não tinha tempo nem para olhar para os lados. A criança olhou para ela e acenou antes de desaparecer.

— Estou me lembrando. O nome dela era Carrie, e nós brincávamos de fazer Mystery Gift.

— O que é isso? — perguntou o velho. — É outra dessas gírias jovens?

— Não, não. Era um jogo simples que, quando conectado com outra pessoa, dava um presente aleatório. “With just a little beep, you get a gift!”, eu me lembro até do slogan deles — disse Karen entre risadas. — Nem sei se ainda fabricam esses brinquedos. O senhor sabe me dizer o que houve com essa menina?

— A pequena Carrie? Nunca mais a vi. Vocês pareciam ser boas amigas.

— Bem, senhor, agora preciso ir. Acha que amanhã terão um maior estoque de vitaminas? Meus Pokémon precisam de ferro e zinco.

— Suas caixas estarão reservadas, senhorita Karen.

 

Karen enfim despediu-se do senhor e voltou para o conforto de sua casa. No elevador, encarou seu reflexo no espelho e lembrou-se de quando ainda tinha 9 anos. Hoje beirava a casa dos 30, e o mundo era um lugar muito diferente. Vivera em tempos mais simples, e por mais que sentisse saudades, aos poucos sua memória se certificava de apagar o que não era importante. Praticamente todas as amizades que tinha naquela época não sobreviveram aos desencontros do destino. Karen cresceu e mudou-se, tornou-se uma treinadora especialista no Tipo Noturno e conquistou seu espaço na Liga Pokémon. Era uma figura famosa em Johto, tanto que nem podia dar as caras em um shopping sem ser assediada pelos fãs. As pessoas diziam que ela agora era o rosto da Liga, a treinadora mais linda de uma geração.

“Com qual Pokémon você mais se identifica, Karen?”

Então fora Carrie quem lhe fizera aquela pergunta. E, naquela ocasião, assim como na reportagem sobre Beverly e seu roubo de identidade, ela lembrou-se de sua resposta:

“Acho que eu seria um Ditto.”

No caminho de casa, Karen não parou de pensar sobre aquela garotinha do quinto andar da Loja de Departamento. Goldenrod era a maior cidade de Johto, mas a região ainda trazia um ar campestre que não se encontrava em outros lugares.

“Talvez sejamos diferentes agora”, ponderou Karen. “Vinte anos mudam demais uma pessoa.”

Ao abrir a porta em seu apartamento, um Umbreon e um Houndoom foram recebê-la com entusiasmo, pulando feito filhotes animados e completamente diferentes dos figurões ameaçadores que se apresentavam durante as batalhas da Elite. Karen limpou os pés no capacho e jogou as chaves sobre a mesinha de canto, depois tirou um saco de petiscos da bolsa e começou a balançar um em cada mão, ditando ordens para que seus Pokémon a obedecessem como parte do treinamento.

— Meus lindinhos. Quem é o meu bom garoto?

Os dois Pokémon noturnos se encararam e começaram a rosnar um para o outro, como quem diz: “Só haverá um bom garoto”.

Enquanto seus Pokémon se estranhavam e brigavam pela supremacia, Karen foi para a cozinha pegar uma soda, depois esparramou-se na sala com os pés para cima e ligou a televisão no volume alto só para ter a impressão de que havia mais gente em casa.

Quando pequena, sua paixão por Pokémon Noturnos surgira com seu Umbreon. Fora amor à primeira vista. Seus inimigos ficavam loucos com suas estratégias ousadas, alguns até desistiam da batalha. A noite era seu horário favorito, e ela estava louca para maratonar algumas séries pendentes.

Sozinha, solteira e entediada sem saber o que fazer em uma sexta-feira à noite, abriu sua caixa de e-mails e imediatamente a fechou quando percebeu que havia 54 mensagens não lidas. Em seguida abriu o aplicativo Snap! para atualizar-se das últimas fofocas, mas a rede social estava tão tóxica que ela já não tinha interesse em usá-la, muito menos dar conta das mensagens milhares de mensagens dos fãs e haters que lotavam seu feed de notícias.

Abrira em segredo uma conta alternativa só para acompanhar a vida de alguns amigos e familiares mais próximos, mas a conta privada era chata e sem graça. Havia apenas duas marcações, uma de sua mãe e outra de uma colega da faculdade.

 

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@karindarklover Filhinha, quando vc vai apresentar aquele seu namoradinho novo?? Ou vcs já terminaram?? É melhor vc sossegar em um só relacionamento viu, ou daqui a pouco vai ficar que nem sua tia! Se quiser no domingo vou fazer um rizzotto bem gostoso ao molho fungi do jeito que vc gosta. Não esquece de levar flores para o seu pai. Beijão da mamis.

@karindarklover Miga, curte aí pra gente ganhar um Lapras gigante de pelúcia no sorteio kkkkkkkkkkk | Responder | Mensagem | Curtir | há 2 horas

 

— Chega de tecnologia por hoje — declarou Karen, esparramando-se em seu sofá.

Em seu Natuflix tinha um catálogo contendo uma infinidade de filmes e séries ao seu dispor. Com o Zapzapdos em seu celular poderia responder qualquer pessoa em questão de segundos. A tecnologia no Mundo Pokémon avançava como nunca, e por isso pegou-se pensando em Carrie e suas brincadeiras na infância. Sua mãe lhe enviara uma caixa cheia de pertences e tranqueiras no dia em que ela se mudou de casa, estava escondida no armário desde então, lacrada e intacta. Karen abriu-a e foi como se tivesse encontrado um baú de tesouros. Encontrou seu álbum de formatura, brinquedos velhos e roupas coloridas vergonhosas que um dia já foram o auge da moda. Seu Umbreon aproximou-se devagar e começou a farejar o que quer que fosse aquela caixa com cheiro de mofo e glitter.

— Meu Arceus, olha só o meu cabelo rebelde nessa época! Acho que eu estava no colegial — disse Karen para seu Pokémon. Só o fato de ela usar a palavra “colegial” já denunciava a sua idade.

Umbreon debruçou-se sobre a caixa e começou a vasculhar com o focinho algo de interessante. Pegou um aparelho eletrônico com a boca e o mostrou para sua treinadora como quem questiona: “O que é isso?”.

— Meu Game Boy! — disse Karen entre risadas. Aquilo sim era um verdadeiro achado. Sua cor era translúcida e parecia muito bem conservado, estava com um cartucho igualmente velho, mas faltavam duas pilhas para se certificar de que ele realmente funcionava.

Karen deu-se conta de que não tinha nenhuma pilha em casa. Elas não eram mais necessárias, afinal, tudo era movido através de baterias e os Pokémon elétricos eram de grande ajuda em manter tudo funcionando. Amanhã compraria algumas, se é que ainda existissem.

Passou as três horas seguintes deitada com as costas apoiada no Houndoom, folheando fotografias velhas e assistindo desenhos animados enquanto o Umbreon esquentava seus pés (o vencedor da noite tinha o direito de dormir no sofá, enquanto o outro ficava no chão). Chegou até a mandar algumas fotos para sua mãe, perguntando: “Quem era essa pessoa? Em que ano foi isso?”.

Existia uma Karen que ninguém nunca via — ela vestia moletons confortáveis e calça skinny, prendia o cabelo em um coque esquisito e escutava Imagine Dragonites no volume mais alto enquanto devorava um pote de sorvete de creme na cozinha. A Karen popular com milhões de seguidores tinha uma reputação a prezar, as pessoas a temiam e respeitavam, uma mulher sem defeitos e último obstáculo antes que qualquer treinador tivesse sua chance de enfrentar o campeão; mas também existia a Karen meiga e gentil, que gostava de ficar em casa, cantar, dançar e jogar videogames. Será que o mundo estava mesmo pronto para conhecer aquela sua outra versão?

“Acho que eu seria um Ditto.”

A Karen adolescente morria de medo de ser considerada uma Ditto. Pensava estar fingindo ser alguém que não era para proteger a sua reputação. Desde pequena odiara ser taxada como uma treinadora mediana por treinar um time estranho — seu inicial fora um Murkrow, capturado com muito afinco depois de o danado ter roubado seus óculos de sol. Por que se contentar em usar apenas aqueles Pokémon que todos diziam serem fortes? Estava cansada de dar uma surra em treinadores que traziam seus Pokémon insetos e lutadores, pensando ter vantagem para cima do tipo noturno. Cada um deles era único à sua própria maneira, e só cabia ao treinador saber como utilizá-los da melhor forma.

Pegou no sono assistindo seus desenhos e só levantou na manhã seguinte, toda torta e descabelada. Muitos paparazzi e revistas de fofoca pagariam rios de dinheiro para ter uma foto sua em um momento de descontração assim. Manchete — pasmem! — Karen da Elite 4 também é humana.

Quando abriu a geladeira para beber outra soda, viu as vitaminas e lembrou-se que precisava passar na Loja de Departamento para buscar as que faltavam. Olhou para o relógio no pulso e deu-se conta de que logo seria a hora do almoço, o shopping ficaria insuportável e ela nunca conseguiria passar despercebida, por isso enfiou todos seus pertences na mala e saiu às pressas.

Já no departamento, aproveitou para comprar as pilhas extras antes de subir para o quinto andar. Era sábado e a praça de alimentação estava muito movimentada, mas ela conseguiu se esconder feito um Pokémon noturno em meio às sombras. Assim que saiu do elevador, deparou-se apenas com o dono da antiga quitanda e uma criança brincando sozinha na área recreativa.

— Bom dia, senhorita — cumprimentou o velhinho. — Vou buscar as vitaminas para você. Pode esperar um instante?

Karen concordou e ali permaneceu. Começou a folhear uma revista de moda quando se deu conta de um barulhinho muito familiar. Virou-se para trás e viu o menino estirado sozinho em um sofá grande demais para o seu tamanho, percebendo que ele também estava com um Game Boy Verde Chikorita em mãos. Karen levou a mão à bolsa e tirou dali o seu próprio aparelho, acoplou as pilhas em seu devido lugar e — plim! — ele funcionou perfeitamente, como há 20 anos.

O menino virou o rosto em sua direção, como se atraído pelo som.

— Você também joga? — ele perguntou impressionado. — É a primeira vez que vejo outra pessoa jogando aqui. Ainda mais um adulto.

— Eu jogava isso antes mesmo de você nascer, garoto — disse Karen em tom esnobe, só para atiçá-lo. — Mas o que me impressiona é pensar que a sua geração ainda se divirta com isso.

— Pois é, meus amigos estão todos ocupados demais acompanhando as tendências, jogando Forretressnite e fazendo vídeos toscos de dancinha pro KlinKlong. Alguns nem mesmo se interessam mais em sair em aventuras, caçar Pokémon e conquistar insígnias.

— E você pretende ser treinador? — perguntou Karen.

— Eu ainda não tenho idade pra sair em jornada, tenho 9 anos... Minha mãe também morre de medo que eu saia por aí e fique falando com estranhos, que nem você.

— Ah — Karen recuou, ofendida. Esquecera-se completamente de que estava vestida como uma stalker. — Desculpe.

— Tá tudo bem — o garoto falou com a voz mansa. — Meu nome é Todd. Quais jogos você têm?

Karen aproximou-se e mostrou-lhe o cartucho que era tão velho que já tinha começado a descolorir. Aquilo imediatamente lhe trouxe uma lembrança dos clássicos Mystery Gift, em tempos onde as crianças não se preocupavam em sair na rua sozinhas e era tão fácil esbarrar em alguém desconhecido e dizer: Quer brincar comigo? Se dissesse aquilo em voz alta iria parecer uma tremenda saudosista, mas a verdade era que sentia muita falta dessa sensação. Com a ascensão de equipes criminosas como os Rockets e até mesmo envolvimento de políticos corruptos, talvez ela mesma tivesse optado por não sair em jornada se ainda fosse pequena.

— Já ouviu falar de Mystery Gift? — perguntou Karen.

— Aquele negócio que você conecta online pela internet e ganha itens? — perguntou Todd.

— Err... mais ou menos. Digamos que esse aqui seja mais arcaico — brincou a mulher. — Veja, é só acessar essa opção no menu, e então nós conectamos nossos aparelhos através de infravermelho.

Beep! O clássico barulhinho confirmou a troca virtual. Os olhos de Todd brilharam no instante em que ele recebeu o item mais raro que vinha cobiçando em seu jogo. Era impossível de adquiri-lo por métodos normais, e o tempo todo aquela opção estava ali disponível ao seu alcance, faltando apenas alguém com quem se conectar.

— Isso foi muito legal! — afirmou Todd. — Não é a mesma coisa que pegar pela internet, tipo, eu preciso te encontrar pessoalmente e não tenho mais nenhum outro amigo com quem trocar.

— Na minha época era assim que fazíamos — respondeu Karen. — Eu costumava vir aqui no quinto andar sempre que podia, era como a central de reunião da garotada do bairro. Às vezes vinha gente de longe só para trocar itens conosco, e... nós nos divertíamos muito. São coisas que não voltam mais, sabe?

Quando se deram conta, Karen e Todd estavam no terraço bebendo Soda Pop e contemplando o movimento da esplendorosa Goldenrod. Era possível enxergar a Torre do Rádio e as águas revoltas do oceano, Karen apontou cada um dos lugares que costumava frequentar quando era menina, contou que na época ainda não existiam os trilhos do trem magnético que guiavam até a região de Kanto, nem o shopping ou a casa de jogos. Ela vira Goldenrod crescer e tornar-se a capital símbolo de Johto. E quem poderia dizer como as coisas estariam dentro de alguns anos?

Pessoas e cidades mudam. O tempo não para. Dentro de alguns anos provavelmente não estaria mais na Elite — não queria ser como a velha Agatha e ainda estar enfrentando jovens treinadores com seus oitenta e poucos anos —, ou quem sabe até encontrasse um parceiro para compartilhar as obrigações, dividir a cama e assistir desenhos animados?

— Você acha que consegue vir aqui mais vezes pra trocar itens comigo? — Todd perguntou esperançoso.

— Eu não sei. Sou muito ocupada — lamentou Karen. — Mas se quiser você pode ficar com meu Game Boy para trocar itens entre os dois aparelhos.

— Ah, mas aí não teria a mesma graça...

Karen sorriu, derrotada.

— Você tem toda razão, Todd.

O menino escutou alguém chamar seu nome. Os dois olharam para o fim do corredor e notaram uma mulher de vestido laranja e cabelos morenos, com uma bolsa debaixo do braço e um dos pés batendo irrequieto no chão. Todd despediu-se de Karen às pressas, pois sua mãe lhe dera apenas alguns minutinhos para brincar e ele já havia ultrapassado com folga aquela marca.

Karen pôs-se de pé, incrédula. A mulher do outro lado devia ter quase a sua idade, mas já era mãe; tinha o porte elegante, mas exalava um ar jovial. Seria ela Carrie, a doce menininha que por tanto tempo frequentara o quinto andar da loja?

A mulher limitou-se a cumprimentá-la com um aceno distante, e logo desceu as escadas de mãos dadas com seu filho. Karen esquecera completamente que estava disfarçada, era óbvio que ela não a reconheceria.

— Aqui estão suas vitaminas, senhorita Karen — disse o velho atendente.

— Obrigada, senhor — ela começou, mas ainda não se lembrava do nome dele. — Senhor Dono da Quitanda.

 — Volte sempre, senhorita cuja identidade permanece desconhecida.

 

Nos dias que se seguiram, Karen não parou de pensar naquele inusitado encontro. Teriam elas continuado amigas se voltassem a conversar? Será que ainda compartilhariam os mesmos sonhos e interesses? Karen sabia lá no fundo que algumas coisas da vida precisavam ser deixadas como estavam. Não importava o quanto desejasse, elas nunca voltariam a ser como eram.

Passou o restante do fim de semana dentro de casa, jogando videogames antigos e divertindo-se com seus Pokémon. Assim que retornasse ao trabalho, as pessoas voltariam a enxergá-la como sempre — a mulher impetuosa e destemida que dominava a Liga Pokémon, construindo uma fila de derrotados em frente ao seu estádio até que seus oponentes beirassem a loucura.

E pelo visto ainda estava na idade de ganhar alguns Mystery Gifts. Quando o interfone tocou, o porteiro contou que ela recebera uma encomenda bem grande de caminhão. Karen nem se dera conta de que vencera o Lapras de pelúcia no sorteio de sua amiga.

As visitas para Goldenrod eram sempre lembradas com carinho, afinal, era sua cidade natal, e dizem que nosso coração sempre está no lar onde crescemos. Desde pequena esta era sua pretensão: queria ser livre para viver da forma como quisesse, independente do que achassem dela ou não, e que se dane a reputação!

Se ela se considerava um Ditto, então poderia se orgulhar de ser uma caixinha de surpresas. Da próxima vez que os executivos da Liga torrassem sua paciência perguntando sobre qual seria sua frase de efeito antes da batalha, já sabia qual usar: “Adapte-se e triunfe!”.

A vida é curta demais para ser uma coisa só.



Capítulo 65

 

 


Um uivo ecoava pelo quarto naquela manhã ensolarada. Apesar das grossas cortinas tamparem os vidros da janela, alguns espectros de luz solar iluminavam de forma fraca aquele cômodo. Ethan não queria abrir os olhos. Esperava que o sono retornasse e ele dormisse novamente, mas o uivo do vento o incomodava. O garoto levantou nervoso, saltou da cama e foi até a janela tentar vedá-la, mas sem sucesso. Como se em tom de provocação, o uivo continuava a passar pela fresta da janela e a ventilar o quarto.

 

Ethan não se lembrava de como conseguia dormir com aquele barulho insuportável antes de sair em jornada. O garoto voltou à cama e sentou-se no colchão. Ainda com o rosto inchado, observou cada detalhe do quarto que há meses não via. Ele mantinha sua essência como um quarto de um adolescente. Havia o velho Nintendo 64 plugado na televisão e o cartucho dourado de “Yamask’s Mask”, além da estante de livros com alguns mangás e enciclopédias sobre Pokémon. Marieta fez questão de manter tudo no seu devido lugar na ausência dele. O menino sorriu — era bom estar em casa outra vez.

 

A única coisa fora do lugar era o colchão com a colcha amarrotada, o travesseiro torto e o cobertor gentilmente dobrado em cima que jazia ao lado da parede do outro lado do quarto, onde Ethan se lembrou que havia sido onde Forrest tinha dormido na noite passada. Respirou fundo, espreguiçou-se e decidiu enfim tirar o pijama estampado por vários Skiploom. Abriu o guarda-roupa, pegou uma das trocentas camisetas pretas que guardava e o short preto que adorava e o vestiu. Antes de sair do quarto, vestiu o chinelo de tiras e pegou o boné na cabeceira da cama e o colocou na cabeça, sem fazer questão de pentear os cabelos.

 

Desceu as escadas sem se preocupar em pegar no corrimão, como era de costume, e desceu para o andar inferior da casa. Caminhou alguns passos e logo chegou na sala de estar, que estava vazia, exceto pela presença de Sandslash que dormia tranquilamente no sofá como era costumeiro. Dirigiu-se então até a cozinha, de onde ouvia sons.

 

— Bom dia, mamãe.

— Bom dia, querido. Como é bom poder ouvir você me desejando bom dia depois de tanto tempo — sorriu Marieta, virando-se da pia de onde lavava a louça.

— Cadê todo mundo?

— No laboratório do Professor Elm.

— E eles nem me esperaram? Nem me acordaram! — disse Ethan, cruzando os braços e franzindo a testa.

— Fui eu que pedi pra que deixassem você dormindo. Você passou meses fora de casa e dormindo mal, umas horas a mais de sono só fariam bem pra você.

— Enquanto todo mundo tá fazendo algo útil, eu tô aqui, perdendo tempo dormindo.

— Você só reclama, meu filho. Vá fazer algo útil, vá tomar seu café.

— Não quero tomar café, eu tô indo pro laboratório também.

— Você só vai sair de casa quando tomar seu café.

— Mas mãe, eu...!

 

Marieta virou-se e encarou seu filho com um olhar tão amedrontador que Ethan engoliu em seco. O menino reparou que sua mãe segurava uma peixeira toda ensaboada — provavelmente sendo preparada para o almoço de mais tarde —, e chegou à conclusão de que tomar café antes de sair era, realmente, a melhor coisa a se fazer.

 

O menino sentou-se então à mesa e começou a se servir. Como sempre fazia na estrada, começou colocando o Moomoo Milk no copo de vidro e partiu para o achocolatado — três colheres e meia, para ser exato —, açúcar — outras três colheres cheias —, e partiu para o pão com manteiga que ainda estava morno. Nem percebeu Marieta passando por ele e saindo pela porta da cozinha, retornando pouco tempo depois com um embrulho em mãos e colocando-o gentilmente ao lado do menino que mantinha a boca cheia.

 

Ethan só foi reparar no embrulho depois da terceira mordida.

 

— O que é isso? — perguntou o menino de boca cheia.

— Presente pra você.

 

O menino pegou a embalagem depressa e começou a rasgá-la. Embaixo de todo aquele papel de presente azul, uma caixa branca. Não havia nada estampado ou escrito nela. Ethan levantou a tampa e surpreendeu-se quando viu o que havia dentro da caixeta.

 


— Um PokéGear?! — exclamou o garoto.

— É a nova versão. Duas telas, telefone, MP3, rádio AM/FM, mapa com touchscreen e o melhor de tudo, funciona igualzinho um relógio, até dá pra colocar no pulso! — exclamou Marieta, empolgada, enquanto enumerava todas as opções com os dedos e seus olhos brilhavam.

 

Ethan encarou novamente o dispositivo eletrônico que acabara de receber. Olhou seu rosto refletido na tampa que estava perfeitamente lustrada e o abriu, observando as duas telas. A de cima, mostrava o relógio digital, o dia da semana, e a intensidade do sinal. A tela de baixo mostrava as opções de menu: Lista telefônica — onde já constavam o telefone de casa e o do Professor Elm —, o mapa da Região de Johto, o rádio — onde o dial era digital e mexia-se nele através do touchscreen para mudar entre as estações — e finalmente, as configurações gerais. Com certeza, aquele aparelho não havia custado muito barato.

 

— Mamãe, a senhora deve ter gasto uma fortuna nisso aqui! — exclamou Ethan.

— Imagina, filho. Estava na hora de trocar o seu mesmo, o que você usava sequer fazia uma ligação decente.

— Eu não posso aceitar... A senhora deveria ter comprado algo pra senhora usar.

 

Marieta deu um sorriso terno e sentou-se ao lado do filho. Afagou seu rosto e o acarinhou com o polegar.

 

— Você é o meu orgulho, Ethan. Quem um dia iria dizer que o meu filho iria conseguir as oito insígnias e entraria para a Liga Pokémon? Só nós sabemos o quanto foi difícil a sua jornada... Você passou por muita coisa. Estar de volta em casa é com certeza apenas o começo de um grande capítulo da sua história que você recomeça hoje.

— Obrigado, mamãe... — sorriu o garoto.

— Termine seu café e vá encontrar o Professor Elm. Não se esqueça de calçar um tênis e trocar essa camiseta.

— O que tem de errado com a minha camiseta? — perguntou o garoto.

— E eu lá quero filho meu andando todo mulambento, parecendo um mendigo? Não! Meu filho é o Campeão da Liga Pokémon, e deve se portar como um!

— Mas mamãe, e--

— Eu não vou falar duas vezes.

 

Ethan engoliu em seco. Sua teimosia só tinha um ponto fraco: O olhar feroz de sua mãe quando era contrariada.

 

***

 

New Bark continuava na mesma paz de sempre. Por um lado, isso irritava Ethan. Meses fora de casa, mas parecia que nem um único dia havia se passado naquela pacata cidade. Por outro, uma parte do menino agradecia por poder ver e reconhecer as mesmas casas de quintais largos e vizinhança pacífica que fazia questão de acenar para o menino quando ele passava. Não se sabia se era porque ele acabou por ficar conhecido pelo feito de conseguir oito insígnias, ou se os vizinhos sempre foram simpáticos e o próprio Ethan nunca havia prestado atenção por ser um garoto anti-social. Naquele momento, no entanto, ele só queria retribuir a gentileza. Acenava de volta e aquela atitude o fazia se sentir bem. New Bark continuava na mesma paz de sempre.

 

Há alguns metros de casa, havia o velho estabelecimento que Ethan conhecia desde criança. O Bar e Restaurante do Alcides, como sempre, ainda ostentava a velha cor amarelada que, de tão velha, já estava quase branco. Na calçada, vários conjuntos de mesas quadradas e suas cadeiras de plástico na cor vermelha que quase sempre estavam lotadas aos finais de semana, principalmente para assistir as partidas de batalhas Pokémon que frequentemente eram exibidas pela televisão.

 

— Olha só, se não é o meu amigo Ethan! — bradou a voz do velho conhecido que varria a calçada no momento em que Ethan dobrava a esquina.

— Oi, seu Alcides. Como vai? — respondeu o menino.

— Fiquei sabendo que você conseguiu as oito insígnias da Liga Pokémon. Fiquei muito feliz em saber! Por que não entra? Tome aquele seu refrigerante favorito, por conta da casa!

— Imagina, seu Alcides... Eu to devendo todos aqueles refris pro senhor ainda...

— Aquela sua dívida? Já tá tudo certo. Vamos, garoto, vai ser um prazer receber o futuro Campeão da Liga Pokémon no meu estabelecimento!

— Se o senhor diz... Mas agora eu não consigo. Na volta eu passo aqui, estou indo no laboratório do Professor Elm.

— Está bem. Então passe aqui na volta! — exclamou o homem, voltando a varrer a calçada.

 

Ethan despediu-se com um aceno e voltou a caminhar, colocando as duas mãos no bolso. Já era possível enxergar o grande jardim que dava para a entrada do laboratório, onde havia alguns Pokémon correndo por entre o gramado verde. O prédio que abrigava o laboratório do Professor Elm ficava metros adentro. Após o ocorrido meses atrás com o roubo de Totodile, havia seguranças na frente da porta de madeira, que mantinham o controle de quem entrava e saía do laboratório.

 

O garoto se dirigiu à guarita de segurança próximo à entrada.

 

— Bom dia. Meu nome é Ethan, eu vim me encontrar com o Professor Elm.

 

O homem olhou de dentro da cabine para o garoto, de cima a baixo.

 

— Você não é o rapaz que conseguiu as oito insígnias? O Professor Elm falou mesmo de você. Por favor, prossiga.

 

Ethan agradeceu e seguiu até a porta, dando três batidas. Quando ela abriu, o garoto deu de cara com um dos assistentes do Professor Elm. O homem ergueu as sobrancelhas ao reconhecer o garoto.

 

— Oh! Você é o menino que...

— ...Que conseguiu as oito insígnias. Isso mesmo — completou Ethan. Já havia decorado aquela fala. — Eu vim ver o Professor Elm.

— Ah, claro, claro. Ele está pesquisando sobre um ovo Pokémon que recebeu. Por favor, entre.

 

O assistente deu passagem para Ethan e o garoto adentrou o enorme local. O curto corredor de paredes brancas, com vários quadros de Pokémon pendurados e, embaixo das fotografias, placas que comentavam sobre aquelas espécies de Pokémon. O centro de pesquisas era enorme, começando pelo teto — tão alto que parecia o céu lá fora. Os assistentes de Elm mantinham-se concentrados em papeladas e computadores portáteis, observando desde ovos Pokémon às próprias criaturas que corriam pelo jardim através de binóculos. Se havia um lugar no mundo em que Pokémon era levado a sério, com certeza, o lugar era aquele centro de pesquisa.

 

Ethan e o rapaz caminharam poucos metros, em direção aos fundos, onde, encarando uma incubadora, Elm fazia anotações em uma prancheta.

 

— Doutor Elm, com licença. Ethan está aqui.

 

O professor virou-se e, com um sorriso convidativo, colocou sua prancheta em cima da mesa e levantou-se de sua cadeira, caminhando em direção ao garoto, dando-o um abraço.

 

— Ethan, que bom revê-lo! Já faz alguns meses desde que te vi sair com o Cyndaquil por aquela porta. Hoje, ele já é um Quilava forte e saudável. Deve estar muito orgulhoso de si mesmo por ter retornado portando as oito insígnias da Liga Pokémon. É uma nova fase começando em sua vida.

— Sim, é verdade... Muito obrigado, professor! ­­— exclamou o menino com um sorriso. — O que está fazendo?

— Estou desenvolvendo um estudo para apresentar em uma conferência da Liga Pokémon em dezembro... Mas estou sinto que falta alguma coisa... — Elm coçou o queixo, caindo em reflexão.

— O senhor disse que eu tinha alguém me esperando. Quem é? — questionou Ethan, tirando Elm do transe.

— Ah, sim. Ela... Ela deve estar retornando logo. Enquanto isso será que você poderia, por favor, me acompanhar até o lado de fora?

 

O menino concordou com a cabeça e logo ele e Elm se despediram do assistente. O professor pegou a incubadora portátil com o ovo dentro no colo e guiou o garoto para os fundos do laboratório, onde, após passar por estantes enormes e cheias de livros de pesquisas, uma porta de madeira fincada no meio de uma parede branca jazia fechada. Elm girou a maçaneta e a abriu, fazendo com que Ethan sentisse no rosto uma brisa fresca que trouxe o aroma da grama verde que havia do lado de fora. O grande campo onde os Pokémon do laboratório corriam e brincavam ao ar livre. Outros pesquisadores trabalhavam observando o comportamento daquelas criaturas — muito provavelmente para complementar depois o trabalho dos colegas que observavam do lado de dentro. Havia alguns Pokémon que Ethan já havia visto em jornada, como vários Sentrets, Rattatas, Pidgeys e até mesmo Hoothoots que só podiam ser vistos durante à noite. Ledians e Butterfrees voavam livremente, parecendo comparar velocidades. Ver cada um daqueles Pokémon fez com que Ethan soltasse um sorriso terno: Como os Pokémon eram criaturas fantásticas! Cada um com sua própria característica, cada um com sua beleza.

 

A atenção do garoto foi desviada quando ouviu um grunhido o chamando. Ao olhar em direção ao som, viu Quilava próximo à Forrest, Elaine, Chase e o resto de sua equipe de Pokémon, próximos a uma das cercas que cercava a propriedade.

 

— Oi gente! Como foi a primeira noite de vocês em New Bark? Muito monótona? — perguntou o garoto cumprimentando os amigos.

— Nada com o que a gente já não esteja acostumado, né? — respondeu Elaine, recebendo uma cotovelada do irmão. — Q-quer dizer, nossa cidade também é meio parada.

— Não se pode dizer que Pewter é uma grande metrópole, né? — respondeu Forrest com um sorriso sem graça. — Temos alguns prédios legais, mais ainda somos quase uma pedreira a céu aberto.

— Obrigado por cuidar da nossa equipe de Pokémon, professor — comentou Ethan enquanto fazia um afago no topo da cabeça de Quilava.

— Não há de quê. É sempre um prazer poder estar próximo aos Pokémon. E eu tenho certeza de que eles poderão me ajudar em minha atual pesquisa.

 

Ethan olhou pra Elm com as sobrancelhas erguidas.

 

— Como assim?

— Os Pokémon, assim como os seres humanos, são criaturas bastante sociáveis. Desde o Pokémon mais comum, como o Pidgey, até mesmo Pokémon que a gente só ouviu falar em lendas antigas, como é o caso de Mew, sempre andaram em grupos. E isso se reflete na maneira como eles se reproduzem e como eles evoluem.

 

Elm aproximou-se de Tyranitar e começou a acarinhar sua barriga.

 

— Você me disse que encontrou o ovo deste Tyranitar em ruínas antigas das Ruínas de Alpha. E assim, você desenvolveu uma relação de afeto com esse ovo Pokémon que permitiu que ele nascesse e, hoje, se encontrasse na forma magnífica de um Tyranitar. Mas minhas pesquisas indicam que é muito provável que os ovos de um Pokémon só se desenvolvem dessa maneira porque estão entre outros Pokémon.

— Caramba... Eu nunca havia parado para pensar nisso — comentou Forrest. — O meu irmão ama cuidar dos Pokémon e entende pra caramba dessas coisas, mas confesso que eu nunca dei muita bola pras explicações dele. Eu sempre gostei mais das batalhas.

— Um bom treinador Pokémon é aquele que entende muito mais do que de batalhas, entende de Pokémon — disse Elm tirando um sorriso de Forrest.

— O senhor tem razão ­— comentou o moreno.

— Eu gostaria que vocês me ajudassem a concretizar essa teoria carregando com vocês um ovo Pokémon que estou estudando. Vocês estão viajando e a equipe de vocês tem muitos companheiros que podem ajudar esse ovo a nascer mais rápido. Talvez seja isso que esteja faltando para eu poder incluir em minha pesquisa e apresentar na conferência... Posso contar com a ajuda de vocês?

 

Ethan levantou-se em um salto e pegou o ovo das mãos de Elm.

 

— Claro que sim! Vai ser ótimo ajudá-lo, professor! Saber que eu ajudei o Professor Elm em uma pesquisa de verdade... Caraca! Vai ser o melhor dia da minha vida! — exclamava o garoto com um grande sorriso.

— Você é realmente um grande fã do Professor Elm... Nunca te vi assim tão empolgado — comentou Forrest para o amigo.

— Nem me fale... Nada me tira da cabeça que o papai escondia um pôster do Professor Elm dentro do guarda-roupa dele — riu Elaine.

— Acho que o Professor Elm é mais popular do que eu pensei... — riu Forrest, que não percebeu Chase dando uma cotovelada em sua irmã.

— Cherry! — chamou uma voz feminina.

 

Ethan viu quando Imperador passou correndo por ele em direção à moça que chamava. Nidorino pulou no colo da garota e começou a lamber seu rosto, estava completamente feliz por ver aquela pessoa. O garoto ergueu as sobrancelhas, sem entender o que estava acontecendo.

 

— Aquela é a pessoa de quem falei, Ethan. Ela quem veio até o laboratório te procurar — comentou Elm.

 

A menina chorava enquanto abraçava Imperador. O mundo parou ao redor dela. Naquele momento, era apenas os dois, um reencontro de almas.

 

— Ai, Cherry... Eu senti tanta a sua falta... — disse a menina para Nidorino, que continuava lambendo alegremente o rosto dela.

— Com licença... Você estava me procurando? De onde você conhece o Imperador? — perguntou Ethan, aproximando-se.

 

Ela ergueu os olhos cor de mel para Ethan, que reparou o quanto ela era bonita. Seus cabelos castanhos, amarrados em um rabo de cavalo, iam um pouco além do ombro. O jaleco branco, aberto, permitia ver que ela vestia uma legging preta e uma camiseta social cor de rosa — vestida a rigor pelo trabalho de pesquisadora no laboratório.

 

— Eu sou a treinadora dele. Esse Nidorino é meu. Vim atrás de você porque eu soube que você estava de posse dele.

 

Ethan continuou a encarar a menina por alguns instantes, em silêncio, abraçando a incubadora rente ao peito. Ela secou as lágrimas e levantou-se, demonstrando ser um pouco mais alta que o garoto.

 

— Meu nome é Sunny. Muito prazer em conhecê-lo, Ethan. Podemos dar uma volta?

 

O garoto confirmou com a cabeça, muito mais de forma automática do que, necessariamente, consciente do que estava respondendo. Passou a caminhar com Sunny e Nidorino pelo grande jardim do laboratório, deixando Elm, Forrest, Chase, Elaine e os Pokémon lentamente para trás. Ele não entendia o que estava acontecendo, não abriu a boca por alguns longos minutos. Foi Sunny quem quebrou o silêncio e passou a contar a sua história para o garoto.

 

Há alguns anos, a garota decidiu correr atrás do seu sonho de enfrentar a Elite 4. Iniciou sua jornada, partindo da Cidade de Cherrygrove junto de seu parceiro Nidoran. Foi até rápido, dentro de um mês, ela já possuía as insígnias Zephyr, do Ginásio de Violet, Colméia, do Ginásio de Azalea e a da Planície, do Ginásio de Goldenrod. Sunny se dedicava a cada batalha, cuidava e zelava por seus Pokémon como poucos na sua época. Não focava apenas em força, mas também no bem-estar da sua equipe, o que era um diferencial, pois seus Pokémon sempre conseguiam dar muito mais nas batalhas travadas.

 

Caminhava pela Rota 39, rumo à Olivine. Naquela tarde, fazia sol, o céu estava azul e quase não havia nuvens no céu. O dia estava muito mais do que perfeito para Sunny e seus Pokémon continuarem sua viagem rumo à próxima cidade, que ficava no litoral, onde a menina poderia matar a saudade da praia — já que Cherrygrove também tinha uma praia, apesar de não ser um ponto turístico como era Olivine. A menina caminhava sorrindo, e sua alegria era compartilhada com Cherry, que apesar de manter-se atento aos arredores, sempre observando pra ver se havia algum perigo na estrada, também carregava em seus passos ritmados a felicidade que sentia dentro do peito.

 

Por entre as árvores, nas moitas que caminhavam paralelamente com a estrada de terra que rumava à costa, algo observava. Era um Pokémon, com certeza. Próximo a ele havia outra figura, mais alta — apesar de sua estatura baixa. Sincronizavam sua respiração como muito pouco se via, tanto Pokémon quanto seu mestre eram um só. Os dois sentiam que aquela bela moça de cabelos nos ombros e caminhado serelepe poderia trazer um belo entretenimento com tudo o que carregava consigo. Já a estavam seguindo há alguns dias, sempre escondidos. Não podiam se mostrar. Como um Ekans, arrastava-se no chão, em silêncio, de forma indetectável, apenas para dar o bote.

 

O Pokémon sentiu o homem acariciar uma das grandes pétalas de flor em sua cabeça, que emitiam um cheiro doce em direção à estrada.

 

— Você já sabe o que fazer, não é, meu querido Vileplume? — cochichou a voz para o Pokémon, que respondeu assentindo levemente a cabeça. — Muito bem... Que mal tem saciar a vontade de um velho homem, não é?

 

O sorriso sádico que aquele desconhecido dava era compartilhado com o seu Vileplume, cujos olhos não podiam ser vistos. A sombra produzida por sua grande flor os escondia, cobrindo-os, apesar de ser sensível a aura de maldade que o rodeava.

 

— Nossa... Que cheiro bom. Está sentindo, Cherry? — perguntou Sunny ao Pokémon quando o aroma róseo que vinha por entre as árvores próximas foi captado por suas narinas. Cherry parou no lugar, inalando o ar perfumado e tentando rastrear de onde ele vinha.

 

Os dois soltaram uma exclamação alta quando, em um piscar de olhos, um Vileplume apareceu e parou na direção dos dois. O Pokémon continuava a esconder seus olhos com a grande pétala de flor em sua cabeça e seu rosto estava oculto pela sombra gerada pelo brilho do sol.

 

— Um Vileplume! Será que ele é selvagem? — perguntou a menina ao Pokémon, já em posição de ataque. — É uma sorte imensa a nossa! Cherry, use o seu ataque Pec--

 

Antes que Sunny pudesse terminar de ordenar o golpe, sentiu-se fraca. Um embrulho no estômago a atingiu, uma ânsia de vômito antecipou uma paralisia completa de seu corpo, que começou pelas pernas e foi subindo por seus músculos, fazendo a menina perder o equilíbrio e cair para frente, tentando manter a consciência. Cherry correu até a treinadora, tentando ajudar de alguma forma, completamente perdido, sem saber o que fazer naquela situação.

 

O Vileplume atacou Nidoran investindo contra ele utilizando seu pesado corpo.  O pequeno Pokémon gritou de dor, mas não havia o que fazer. Ele não tinha chance contra o oponente, muito maior e mais forte que ele.

 

Passos foram ouvidos. Sunny tentou gritar por ajuda. Seja quem quer que fosse, com certeza iria ajudá-los. A voz mal saía, um sussurro rouco que tentava pedir socorro. Viu que a pessoa agachou-se a seu lado. Era um homem calvo, já com certa idade, com um bigode perfeitamente cortado tão grisalho quanto o que restava de seus cabelos. Sunny o encarou e seus olhos refletiam uma súplica, um pedido de ajuda. Tentou esboçar som, mas o homem tocou em seus lábios com seu dedo indicador.

 

— Shhh, shhh... Isso mesmo, boa menina...

 

O que estava acontecendo? Por que aquele homem estava fazendo aquilo? Bem que sua mãe havia falado que ela nunca deveria falar com estranhos... Ela, como irmã mais velha, deveria seguir a risca tudo o que sua mãe falava, assim, poderia ser exemplo para suas irmãs.

 

— Você foi atacada... Pelo Baoba? — perguntou Ethan, totalmente chocado com a história que havia ouvido. Sunny confirmou com a cabeça.

— Cherry tentou me defender, mas eu pedi pra ele fugir. Eu prometi que voltaria pra buscá-lo. Quando eu me dei conta, eu estava num hospital em Olivine. Ao receber alta, eu voltei pra Rota 39, onde tinha me acontecido tudo... Foi muito difícil pra mim, mas eu encontrei um sitio onde um casal me recebeu. Eu perguntei do Cherry e eles me disseram que um treinador havia levado-o e que aquele... Miserável do Baoba havia morrido. Então, eu comecei a minha saga em te procurar.

 

Ethan parou de caminhar. O vento tocou em seu rosto e sua franja esvoaçava junto com a brisa.

 

— M-me procurar?

— Sim. Até então, eu não sabia quem era você. Então, quando ela me disse que você tinha ido para Olivine, eu voltei, mas aí você já tinha partido de novo. No Centro Pokémon, disseram que o Professor Elm poderia me ajudar, então, telefonei para ele e ele me deu o seu nome. Vim pra New Bark e estou te esperando desde então.

— Caraca... Você realmente fez uma grande viagem... — comentou Ethan. — Mas você não disse que morava em Cherrygrove? Por que você ainda não foi pra casa?

— Eu não posso ir pra casa sem levar o Cherry comigo. Foi lá que começamos tudo, e é lá que eu quero recomeçar. Com ele comigo.

 

Ethan olhou para Nidorino. O Pokémon permanecia caminhando fielmente ao lado de Sunny, passos ritmados com uma felicidade que vinha do seu coração. O garoto amava Imperador, mas acima de tudo, alguma coisa em seu coração o fazia entender o pedido da garota. E afinal de contas, ele mesmo havia prometido devolver o Nidorino ao treinador um dia quando o capturou na fazenda de Mariana e George.

 

— Você tem razão, Sunny... Eu posso fazer um pedido pra você?

— Você pode me pedir o que quiser. Eu sou realmente muito grata a você por ter cuidado de Cherry esse tempo todo. Ele até conseguiu evoluir para Nidorino por sua causa! — disse a menina com um sorriso.

— Você poderia vir jantar comigo lá em casa hoje? Tem algo que é do Cherry e está comigo. Queria entregar pra você.

 

Sunny corou. Ethan percebeu que a garota havia ficado sem graça.

 

— Desculpa, não quero que pense que eu--

— Eu vou sim. Obrigado pelo seu convite, vai ser um prazer.

 

O garoto sorriu. Sunny devolveu o sorriso.

 

— Ethan! É urgente!

 

O garoto se virou e viu o Professor Elm, acompanhado de Forrest, Elaine e Chase, correndo em sua direção, completamente esbaforido.

 

— O que está acontecendo, professor? — perguntou o garoto.

— É o prefeito. Ele está lá na recepção do laboratório. Ele quer ver você, Ethan.

— O prefeito?! — exclamou o garoto, completamente surpreso.

 

***

 

O homem estava olhando para o relógio de pulso e mexendo em seu bigode grande. Seu terno laranja o fazia ser notado por qualquer um que passasse por ali — que era exatamente o que ele queria. Sua barriga só não era maior porque um homem daquela estatura não poderia crescer mais ou iria explodir. Estava visivelmente impaciente. Batia o pé no chão em um ritmo inconstante. Sorriu de alivio quando viu o Professor Elm aproximando-se.

 


 

— Prefeito Jones! A que devo o prazer de sua visita?

— Estimado Professor Elm, desculpe vir sem avisar. Mas eu fiquei sabendo que o senhor está recebendo uma visita ilustre — disse o prefeito, olhando para Ethan com um grande sorriso. — Veja se não é o jovem Ethan, que ganhou todas as oito insígnias de Ginásio e agora carregará o nome da cidade até a Liga Pokémon!

 

O garoto ficou constrangido. Nunca na vida sonhou que um dia chegaria perto de figuras públicas tão importantes, apesar de, durante sua jornada, ter conhecido Lance e Red.

 

— É um prazer conhecê-lo, prefeito... ­— cumprimentou o garoto, sem graça.

— Querido Ethan, eu tenho algo para anunciar — disse o homem enquanto acariciava a barriga. — Podemos ir um pouco até o lado de fora?

 

O garoto procurou a ajuda de Forrest. Jones notou a hesitação do menino.

 

— Ora, não se preocupe. Seus amigos podem ir também!

 

Elaine e Chase aproximaram-se de Ethan, sendo seguidos por Forrest. Ethan abraçou a incubadora com o ovo Pokémon bem firme em seus braços.

 

— T-tá bom, eu acho... — respondeu o garoto, nervoso.

 

Ao abrir a porta de saída do Laboratório da Cidade de New Bark, um flash forte fez Ethan cobrir os olhos por impulso. Um enorme falatório começou a se espalhar. Microfones com vários logotipos foram estendidos ao garoto que não soube o que estava acontecendo. Não era possível entender o que falavam.

 

— Calma, calma. Vamos responder um de cada vez, senhoras e senhores — bradou o prefeito com sua voz grave e ressonante. — Estamos aqui hoje para celebrar o retorno de Ethan, morador da Cidade de New Bark, que conseguiu todas as oito insígnias de ginásio de Johto, o mínimo necessário para entrar na Liga Pokémon de fevereiro do ano que vem. Ethan levará o nome da nossa cidade para o topo do mundo! E com isso, eu também anuncio a minha campanha de reeleição para prefeito, afinal, eu também estou sendo representado pelas glórias de Ethan, não é mesmo? — disse o homem com um sorriso amarelo, enquanto apertava o ombro do garoto que estava ao seu lado, olhando de volta de maneira incrédula.

— É o quê, prefeito?! — exclamou o menino.

— Senhor Ethan, como o senhor se sente agora que pode enfrentar a Liga Pokémon? Está com medo? — questionou um repórter.

— Não. Q-quer dizer, estou sim, um pouco... — respondeu o garoto, se incomodando com mais um forte flash das dezenas de câmeras fotográficas ao redor.

— Senhor Ethan, Blackthorn TV. O que o senhor acha do atual momento político da nossa região? — questionou outra repórter, espremendo-se no meio dos colegas.

— Momento político? Eu não sei nada disso... Eu vou pra casa.

— Senhor Ethan, estamos ao vivo diretamente da TV Goldenrod. Qual a sua relação com Amanda Green? — questionou uma terceira repórter.

 

Ethan arregalou os olhos. Ao ouvir o nome de Amy, o menino encarou a repórter.

 

— Amanda Green? O que tem ela? — perguntou ele.

— Qual era sua relação com ela? Vocês viajavam juntos, não? — insistiu a moça.

— S-sim... Nós viajamos durante boa parte da minha jornada, ela era minha namorada.

 

A repórter franziu o cenho.

 

— Então vocês namoravam? Você sabia que ela era uma agente da Equipe Rocket? Quais eram os planos dela, você sabe? Ela planejava reerguer a organização?

— Moça, do que é que você tá falando? Como assim, reerguer a organização?

— Que tal falarmos da minha campanha de reeleição? — Jones tentou intervir.

— Você sabia dos planos de Amanda Green, correto? Você compactuava com eles? Você tinha pretensão de auxiliá-la se chegar ao cargo de Campeão da Liga Pokémon? Onde está Amanda Green, vocês mantêm algum tipo de contato? — a mulher insistia nas perguntas, o que deixava Ethan cada vez mais nervoso.

— Deixem o meu filho em paz! — bradou a voz de Marieta do meio da multidão que começava a se formar.

 

Os repórteres continuavam com as perguntas e os flashes de câmera, ignorando totalmente os protestos de Marieta.

 

— Sand, use o Sand Attack! — ordenou Marieta.

 

Sandslash começou a jogar areia nos repórteres, que imediatamente começaram a se dispersar para se proteger. A repórter da TV Goldenrod que perguntava sobre Amy imediatamente avançou para cima de Marieta.

 

— O que pensa que está fazendo? Você está atrapalhando a nossa reportagem!

— Você que está fazendo o seu trabalho de maneira errada, minha querida. Meu filho é menor de idade e eu não dei autorização pra nenhum de vocês entrevistá-lo! — exclamou Marieta, nervosa.

— Isso não vai ficar assim. Saiba que...

— Que o quê? Você não disse que está ao vivo? Continue mostrando pra Johto inteira como você está errada!

 

A repórter se calou. Arrumou o blazer com o logotipo da emissora e deu de costas para Marieta.

 

— Vamos embora, Henrique, já temos material o suficiente.

 

O cameraman assentiu com a cabeça e juntos caminharam até a van preta que estava estacionada na esquina.

 

Marieta virou-se para Ethan.

 

— Vamos pra casa, filho. Traga seus amigos.

— Para casa? Mas temos que ir até o Centro, onde organizamos a festa para receber Ethan! — exclamou Jones.

 

A mulher virou-se para o homem gordo e apontou o dedo indicador para o seu rosto, inflando o peito.

 

— O senhor deveria ter vergonha de usar o nome de uma criança pra se promover! Eu quero que o senhor se lasque, eu nem votei em você mesmo!

 

E virou-se, caminhando na direção oposta do laboratório, sendo seguida por Ethan, Forrest, Chase, Sunny, Cherry e Elaine. Fizeram o caminho todo em silêncio, sendo observados pelos vizinhos. Aquilo incomodava o garoto, será que eles não tinham mais nada para fazer?

 

Ao chegar em casa e ligar a televisão, Ethan viu seu rosto estampado nas manchetes das emissoras.

 

— “Candidato da Liga Pokémon mantém relações com a máfia”? Que história é essa? Eu nunca disse isso! — reclamou o garoto apontando para a tela.

— Você é famoso agora, cara. Acho que você vai precisar se acostumar com esse tipo de coisa agora — comentou Forrest.

— Mas isso é injusto! Como é que eles podem afirmar uma coisa que eu não disse? Agora eu virei bandido?

— Acho melhor você ligar pra Amy. Ela precisa ficar sabendo disso — disse Forrest, estendendo um papel com um número de telefone escrito à mão.

— Tá doido? Ela nem tá falando comigo. Desde aquele dia em Blackthorn que eu não faço ideia de onde ela esteja. Se ela quiser falar comigo, ela mesma pode me ligar.

— Forrest tem razão, filho — interrompeu Marieta. — Talvez a Amy possa ajudar em alguma coisa. O nome dela está envolvido nisso.

— Você está do lado de quem, mamãe?

— Eu sempre estive do lado do que é certo a se fazer. E o que é certo, nesse momento, é você calar a sua boca, botar esse orgulho no bolso e telefonar pra menina. Ou faço eu.

 

Ethan olhou para sua mãe com uma expressão incrédula.

 

— A senhora não faria isso.

— Você duvida?

— Não.

— Acho bom mesmo.

 

O menino se calou, mas estava contrariado. Por que será que todos queriam ter razão e não viam que ele não tinha culpa do que estava acontecendo?

 

Ethan pegou o papel das mãos de Forrest.

 

—Tá bom, eu vou ligar.

 

Marieta sorriu.

 

— Muito bem. Enquanto você faz isso, eu vou servir o almoço. Vocês me ajudam?

 

Forrest, Chase, Elaine e até mesmo Sunny se prontificaram e seguiram Marieta até a cozinha. Ethan ficou alguns momentos encarando aquele pedaço de papel até levantar-se e seguir na direção oposta, às escadarias que levavam ao andar superior da casa.

 

Trancou a porta de seu quarto e sentou-se na cama, perfeitamente arrumada. Colocou a incubadora ao seu lado e olhou o PokéGear no pulso, indo até a opção de telefone. Seu dedo tremeu. E se Amy não atendesse? E se ela não quisesse falar com ele?

 

No fim das contas, Forrest e Marieta tinham razão. O nome dela foi envolvido em coisas ruins e ele precisava fazer alguma coisa a respeito.

O menino digitou o número e hesitou por um instante antes de apertar o botão de chamada. Bip. Bip. Bip.

 

Alô? — chamou a voz de Amy do outro lado da linha.

 

Ethan paralisou. Nem sabia quando tinha sido a última vez que tinha ouvido a voz da agora ex-namorada.

 

Alô? — a voz do outro lado da linha chamou novamente.

 

O garoto emudeceu. Não fazia a menor ideia do que iria responder.

 

Olha, se você não me responder, eu vou desligar — disse a voz de Amy em um tom impaciente.

— Espera! — exclamou o menino antes de um silêncio súbito dominar a conversa. — Sou eu. Ethan.

 

Não houve resposta. Ethan olhou para a tela do PokéGear, a ligação continuava conectada.

 

— Alô? Amy? — chamou o menino, apreensivo.

Oi. Eu não tava esperando a sua ligação.

Eu percebi — disse o menino dando um sorriso. — Como você está?

Na medida do possível, estou bem. E você, o que anda fazendo?

— Eu ganhei as oito insígnias de Ginásio, Amy. Agora eu posso entrar na Liga Pokémon.

Nossa. Meus parabéns. Com essa noticia, eu imagino que você tenha feito as pazes com seus Pokémon.

Sim, eu fiz. — Alguns segundos de silêncio. — Alô?

Oi. Estou aqui ainda.

Eu tenho pensado muito em você.

 

Mesmo do outro lado da linha, foi possível perceber uma hesitação da parte de Amy.

 

Olha, Ethan... Eu estou meio ocupada agora. Por que foi que você me ligou?

Ah, certo. Então, eu estou meio famoso e me entrevistaram agora a pouco. Perguntaram do meu relacionamento com você.

E o que você respondeu?

— Que já namoramos. Agora eu estou na TV sendo acusado de ter contatos com a máfia.

Ethan, você o quê?!

— Eu disse a verdade, ué.

Isso é muito sério, Ethan. Já não bastam me caçar, agora vão atrás de você também. E eu nem estou falando da Equipe Rocket. A mídia inteira vai te perseguir.

 

Ethan ouviu outras vozes no telefone. Amy respondeu do outro lado da linha.

 

Olha, eu preciso ir. Vamos nos encontrar e conversar sobre isso pessoalmente.

 

Os olhos de Ethan brilharam.

 

— C-claro! Nos encontraremos onde?

Eu estou em Ecruteak. É só isso que eu posso dizer. Me liga quando você chegar que eu te passo a minha localização.

— Certo.

Eu te ligo, qualquer coisa. Mas sou eu quem vai ligar pra você. Esse número é novo?

— Sim, é do meu PokéGear.

­— Certo. Não fale com mais ninguém sobre nosso relacionamento, entendeu? É sério.

— Tá certo... Me desculpa.

Preciso ir agora. Nos veremos em breve.

— Tá bem. Eu te amo.

 

Houve um outro momento de silêncio do outro lado da linha antes da ligação ser encerrada por parte de Amy. Ethan ficou encarando a tela do PokéGear por algum tempo antes de dar um tapa na própria testa.

 

“Eu te amo”?  Sério que eu disse isso? Puta merda, Ethan, agora você se superou.

 

O garoto se jogou na cama e encarou o teto. Seu coração palpitava. Mesmo odiando-se profundamente por falar coisas estúpidas em momentos inapropriados, no fundo, estava feliz. Amy poderia ter gritado com ele, o xingado de muitos nomes, mas manteve uma conversa até que civilizada. Será que ela ainda estava chateada com ele?

 

Ethan voltou a se sentar na cama e voltou sua atenção para a sua mochila, que repousava próximo à porta. Lembrou-se de imediato que havia o item de Nidorino que ficou de entregar para Sunny. O menino pulou da cama e passou a vasculhar a bolsa.

 

Ao descer as escadas, o garoto sentiu o cheiro da comida de sua mãe. Antes de ir para a cozinha, no entanto, passou pela sala e dirigiu-se até a janela, onde reparou que havia três pessoas observando a casa de forma discreta.

 

— Repórteres? Droga! — xingou o garoto baixinho.

— Aconteceu alguma coisa? — a voz de Forrest surpreendeu o garoto.

— Acho que descobriram onde eu moro, cara... Precisamos ir embora o quanto antes daqui.

— Tá falando sério? Conseguiu ligar pra Amy? — cochichou o moreno com seriedade.

— Sim. Ela marcou um encontro com a gente em Ecruteak. Disse que daria a localização exata quando chegássemos na cidade.

— Entendi... Mas é arriscado sair agora, cara. Mal são 15 horas, todo mundo vai ter a certeza do seu endereço.

— E o que você sugere?

— Calma, vamos pensar em alguma coisa.

 

Os dois seguiram para a cozinha. Ethan se dirigiu até Sunny e tirou do bolso uma Pedra da Lua, o que fez a menina arregalar os olhos.

 

— Essa Pedra da Lua eu ganhei no Torneio de Caça aos Insetos, quando a gente estava em Goldenrod. Eu li em um livro que Nidorinos evoluem em Nidoking quando interagem com essa pedra, então eu gostaria que você guardasse pra quando o Cherry quiser evoluir.

— E-eu não p-posso a-aceitar... — gaguejou a menina.

— Pode sim. Eu não tenho intenções de usá-la, então é muito melhor que fique com você — sorriu o menino. — Mamãe, estou saindo em viagem novamente.

 

Marieta terminava de colocar os pratos na mesa quando encarou Ethan de forma séria.

 

— Não, você não vai. Você mal chegou e já vai sair assim?

— Sim. Eu preciso ir o quanto antes pra Ecruteak.

— E o que você perdeu lá que não pode sequer esperar você almoçar?

 

A resposta saiu de maneira tão automática que Ethan se surpreendeu com a própria resposta.

 

— A Amy.

 

Houve um silêncio na cozinha. Sunny deu uma risadinha.

 

— Você gosta mesmo dela, né?

 

Ethan corou de vergonha.

 

— E-eu n-n-não! É q-que e-eu...

— Eu vou também! — Elaine ergueu-se da mesa esbanjando um sorriso determinado. — Se Amanda Green está em Ecruteak, é pra lá que devemos ir.

 

Ethan e Forrest se encararam,

 

— Mas é perigoso. Não acho que voc-- — disse Forrest.

— Concordo com a minha irmã ­— interrompeu Chase. — Alguma coisa me diz que nosso destino é ir pra lá.

— Eu não sei se vou — comentou Sunny, olhando para a mesa. — Eu tenho medo de acontecer alguma coisa comigo, eu tenho que cuidar das minhas irmãs... Mas, gostaria de voltar pra Cherrygrove com vocês, se não for incômodo...

— Claro que não! Você já é bem-vinda à nossa trupe — comentou Ethan com um sorriso.

 

Marieta sentou-se à mesa e soltou um longo suspiro.

 

— Eu só espero que vocês pensem em viagem só depois que terminarem de almoçar. Deu muito trabalho, sabia?

 

Os garotos se entreolharam. Sentaram-se à mesa e começaram a se servir.

 

— Vamos amanhã logo cedo, quando o sol não tiver nascido ainda — disse Ethan.

— Por que tão cedo? — perguntou Marieta. — É perigoso, meu filho!

— Ethan tem razão... — comentou Forrest. — Se estão nos seguindo, precisamos dificultar o trabalho deles o máximo possível. E sair antes do dia amanhecer já é um bom começo.

 

Chase e Elaine se olharam.

 

— Eu devo falar pra eles que odeio acordar cedo? — cochichou a menina.

— É melhor deixar quieto — respondeu o menino no mesmo tom de voz. — A gente não pode perder eles de vista, lembra? Principalmente agora que a gente vai se encontrar com a mamãe logo, logo.

 

Elaine suspirou.

 

— Você tem razão, Ni... Aonde foi que a gente foi parar...

 

A fama de Ethan começa a se espalhar pela região de Johto. Agora que conseguiu as oito insígnias necessárias para disputar a Liga Pokémon, olhos e ouvidos estão todos concentrados no jovem de New Bark, que mais uma vez fica para trás no recomeço de uma nova jornada. Com Nidorino de volta à tutoria de Sunny, sua treinadora original, a equipe de Ethan só não ficará defasada pelo misterioso ovo Pokémon entregue pelo Professor Elm. As Aventuras em Johto de Ethan e companhia continuam rumo ao horizonte, junto aos ventos do recomeço, em direção à Cidade de Ecruteak onde se encontra Amy.

 

TO BE CONTINUED...

 

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