Posted by : CanasOminous Aug 6, 2021

Capítulo Especial - por Canas Ominous


“Com qual Pokémon você mais se identifica, Karen?”

A notícia transmitida pelo telejornal Johto Urgente trouxe à tona uma memória antiga. Beverly Sinclair, 36 anos, Pokéfan assumida, teve sua permissão de treinador apreendida após falsificar a identidade para entrar na categoria Júnior do Torneio de Caça aos Pokémon Inseto, que acontece no Parque Nacional da Cidade de Goldenrod.

Karen estava vestida com uma jaqueta de couro, óculos escuros e boina para esconder o cabelo. Seu objetivo: infiltrar-se na Loja de Departamento da capital sem ser interceptada por nenhum fã perguntando por fotos, autógrafos ou a marca de xampu que ela usava para que seus cabelos ficassem sempre lindos e sedosos. Assistia à notícia através de uma televisão suspensa com algumas compras na sacola, estava tão distraída que nem percebeu que o atendente no caixa falava com ela.

— Senhorita? — o velhinho repetiu. — Vai pagar com dinheiro ou cartão?

— Ah, desculpe. Passa no débito.

Na TV, a repórter dava mais detalhes do caso. Segundo ela, não seria a primeira vez que Beverly utilizava seu Ditto para se inscrever no torneio. “As recompensas na categoria Júnior são melhores e a competição é menos acirrada”, esclareceu à polícia. Beverly respondia em liberdade, mas sem a permissão não poderia participar de nenhuma batalha de ginásio oficial, o que a impossibilitava de entrar na Liga Pokémon pelo período de um ano.

Karen continuava distraída enquanto o velhinho do caixa terminava de empacotar suas vitaminas e repelentes.

— Acha que esse ano haverá algum desafiante capaz de derrotar a Elite 4? Já faz algum tempo que você não recebe ninguém à altura.

A mulher encarou surpresa o atendente ao perceber que seu disfarce fora exposto. Por sorte, aquele velhinho não parecia querer importuná-la com fotos ou autógrafos.

— Sim, já faz tempo, mas a Liga Pokémon desse ano promete. Temos fortes candidatos, alguns tendo inclusive superado a Clair — falou Karen com uma risada franca. — Estou ansiosa para ver quais surpresas nos aguardam. Eu admiro um treinador capaz de se manter firme e fiel aos seus ideais.

— Você sempre foi uma treinadora com um tremendo potencial. Lembro-me de vê-la ainda bem pequenininha nesse mesmo andar, brincando com seu vídeo game e bebendo refrigerante antes de voltar para casa — disse o velhinho, entregando as sacolas nas mãos dela assim que terminou de empacotá-las. — Você vai se sair bem.

Karen precisou vasculhar fundo em sua memória para lembrar quem era aquele senhor de idade. No elevador, teve um vislumbre de sua infância — claro, só podia ser o vendedor de berries que todo domingo trabalhava na feirinha no final da rua! Ele agora estava calvo e sua barba toda decorada de branco, afinal, quase 20 anos se passaram desde que Karen deixara Goldenrod para viver sua própria aventura Pokémon como treinadora. Só não conseguiu se lembrar do nome dele.

Levou a mão aos bolsos e soltou um suspiro. Estava tão distraída naquele dia que esquecera seu Cartão Black sobre a bancada. Apertou o botão do quinto andar e voltou às pressas, tendo uma desculpa para não parecer deselegante. Quando a porta se abriu, o velho já a aguardava com o cartão em mãos.

— Ah, eu já estava descendo para devolver isso.

— Obrigada. Não acredito que o senhor ainda trabalha aqui depois de todos esses anos — disse Karen, pondo suas compras de lado como quem quer conversar. — Você era o dono da quitanda, não?

— Sim, sim. Depois que a prefeitura decidiu construir o shopping em cima do espaço da feira eu fiquei desolado, mas aí ofereceram um emprego para mim e aqui permaneci por todos esses anos — explicou o atendente. — O quinto andar é como a minha casa agora. Virei gerente e hoje sou eu quem organiza tudo aqui dentro, e dizem que tenho uma memória muito boa.

— Isso eu pude reparar — disse Karen com a voz tranquila, sentindo-se mais à vontade para retirar sua boina e revelar os longos cabelos azul-prateados como ondulações num oceano infindo. — Acho que mesmo que eu não estivesse disfarçada você teria me reconhecido de quando eu era criança, não é?

— Claro. Que outra pessoa compraria duas dúzias de Max Repels todo mês?

— Alguns hábitos nunca desaparecem — ela respondeu entre risadas.

— Quando o shopping inaugurou você começou a vir aqui todos os domingos, lembra?

— Claro! Eu escapava da minha mãe para olhar o setor de pelúcias — brincou Karen. — Vocês ainda vendem aqueles PokéDolls fofinhos?

— Segundo andar — confirmou o atendente.

 — Certas coisas nunca mudam mesmo.

Os dois se entreolharam e compartilharam um silêncio respeitoso como quem diz: “Quem diria que chegaríamos aqui depois de todos esses anos!”.

— Eu lembro também que você costumava brincar com outra garotinha — disse o velho. — Todos os dias vocês traziam seus videogames e ficavam por horas conversando, rindo e bebendo Soda Pop sentadas ali naquele mesmo sofá.

Karen virou-se e observou o espaço recreativo usado para descanso. A nostalgia foi tão intensa que ela sentiu como se Celebi a tivesse levado em uma viagem no tempo. Viu uma garotinha de cabelo preso em dois coques na cabeça, seu vestido era laranja e amarelo. Ela permanecia de pé debaixo de um foco de luz para enxergar a tela pixelizada escura, tão concentrada em seu Game Boy que não tinha tempo nem para olhar para os lados. A criança olhou para ela e acenou antes de desaparecer.

— Estou me lembrando. O nome dela era Carrie, e nós brincávamos de fazer Mystery Gift.

— O que é isso? — perguntou o velho. — É outra dessas gírias jovens?

— Não, não. Era um jogo simples que, quando conectado com outra pessoa, dava um presente aleatório. “With just a little beep, you get a gift!”, eu me lembro até do slogan deles — disse Karen entre risadas. — Nem sei se ainda fabricam esses brinquedos. O senhor sabe me dizer o que houve com essa menina?

— A pequena Carrie? Nunca mais a vi. Vocês pareciam ser boas amigas.

— Bem, senhor, agora preciso ir. Acha que amanhã terão um maior estoque de vitaminas? Meus Pokémon precisam de ferro e zinco.

— Suas caixas estarão reservadas, senhorita Karen.

 

Karen enfim despediu-se do senhor e voltou para o conforto de sua casa. No elevador, encarou seu reflexo no espelho e lembrou-se de quando ainda tinha 9 anos. Hoje beirava a casa dos 30, e o mundo era um lugar muito diferente. Vivera em tempos mais simples, e por mais que sentisse saudades, aos poucos sua memória se certificava de apagar o que não era importante. Praticamente todas as amizades que tinha naquela época não sobreviveram aos desencontros do destino. Karen cresceu e mudou-se, tornou-se uma treinadora especialista no Tipo Noturno e conquistou seu espaço na Liga Pokémon. Era uma figura famosa em Johto, tanto que nem podia dar as caras em um shopping sem ser assediada pelos fãs. As pessoas diziam que ela agora era o rosto da Liga, a treinadora mais linda de uma geração.

“Com qual Pokémon você mais se identifica, Karen?”

Então fora Carrie quem lhe fizera aquela pergunta. E, naquela ocasião, assim como na reportagem sobre Beverly e seu roubo de identidade, ela lembrou-se de sua resposta:

“Acho que eu seria um Ditto.”

No caminho de casa, Karen não parou de pensar sobre aquela garotinha do quinto andar da Loja de Departamento. Goldenrod era a maior cidade de Johto, mas a região ainda trazia um ar campestre que não se encontrava em outros lugares.

“Talvez sejamos diferentes agora”, ponderou Karen. “Vinte anos mudam demais uma pessoa.”

Ao abrir a porta em seu apartamento, um Umbreon e um Houndoom foram recebê-la com entusiasmo, pulando feito filhotes animados e completamente diferentes dos figurões ameaçadores que se apresentavam durante as batalhas da Elite. Karen limpou os pés no capacho e jogou as chaves sobre a mesinha de canto, depois tirou um saco de petiscos da bolsa e começou a balançar um em cada mão, ditando ordens para que seus Pokémon a obedecessem como parte do treinamento.

— Meus lindinhos. Quem é o meu bom garoto?

Os dois Pokémon noturnos se encararam e começaram a rosnar um para o outro, como quem diz: “Só haverá um bom garoto”.

Enquanto seus Pokémon se estranhavam e brigavam pela supremacia, Karen foi para a cozinha pegar uma soda, depois esparramou-se na sala com os pés para cima e ligou a televisão no volume alto só para ter a impressão de que havia mais gente em casa.

Quando pequena, sua paixão por Pokémon Noturnos surgira com seu Umbreon. Fora amor à primeira vista. Seus inimigos ficavam loucos com suas estratégias ousadas, alguns até desistiam da batalha. A noite era seu horário favorito, e ela estava louca para maratonar algumas séries pendentes.

Sozinha, solteira e entediada sem saber o que fazer em uma sexta-feira à noite, abriu sua caixa de e-mails e imediatamente a fechou quando percebeu que havia 54 mensagens não lidas. Em seguida abriu o aplicativo Snap! para atualizar-se das últimas fofocas, mas a rede social estava tão tóxica que ela já não tinha interesse em usá-la, muito menos dar conta das mensagens milhares de mensagens dos fãs e haters que lotavam seu feed de notícias.

Abrira em segredo uma conta alternativa só para acompanhar a vida de alguns amigos e familiares mais próximos, mas a conta privada era chata e sem graça. Havia apenas duas marcações, uma de sua mãe e outra de uma colega da faculdade.

 

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@karindarklover Filhinha, quando vc vai apresentar aquele seu namoradinho novo?? Ou vcs já terminaram?? É melhor vc sossegar em um só relacionamento viu, ou daqui a pouco vai ficar que nem sua tia! Se quiser no domingo vou fazer um rizzotto bem gostoso ao molho fungi do jeito que vc gosta. Não esquece de levar flores para o seu pai. Beijão da mamis.

@karindarklover Miga, curte aí pra gente ganhar um Lapras gigante de pelúcia no sorteio kkkkkkkkkkk | Responder | Mensagem | Curtir | há 2 horas

 

— Chega de tecnologia por hoje — declarou Karen, esparramando-se em seu sofá.

Em seu Natuflix tinha um catálogo contendo uma infinidade de filmes e séries ao seu dispor. Com o Zapzapdos em seu celular poderia responder qualquer pessoa em questão de segundos. A tecnologia no Mundo Pokémon avançava como nunca, e por isso pegou-se pensando em Carrie e suas brincadeiras na infância. Sua mãe lhe enviara uma caixa cheia de pertences e tranqueiras no dia em que ela se mudou de casa, estava escondida no armário desde então, lacrada e intacta. Karen abriu-a e foi como se tivesse encontrado um baú de tesouros. Encontrou seu álbum de formatura, brinquedos velhos e roupas coloridas vergonhosas que um dia já foram o auge da moda. Seu Umbreon aproximou-se devagar e começou a farejar o que quer que fosse aquela caixa com cheiro de mofo e glitter.

— Meu Arceus, olha só o meu cabelo rebelde nessa época! Acho que eu estava no colegial — disse Karen para seu Pokémon. Só o fato de ela usar a palavra “colegial” já denunciava a sua idade.

Umbreon debruçou-se sobre a caixa e começou a vasculhar com o focinho algo de interessante. Pegou um aparelho eletrônico com a boca e o mostrou para sua treinadora como quem questiona: “O que é isso?”.

— Meu Game Boy! — disse Karen entre risadas. Aquilo sim era um verdadeiro achado. Sua cor era translúcida e parecia muito bem conservado, estava com um cartucho igualmente velho, mas faltavam duas pilhas para se certificar de que ele realmente funcionava.

Karen deu-se conta de que não tinha nenhuma pilha em casa. Elas não eram mais necessárias, afinal, tudo era movido através de baterias e os Pokémon elétricos eram de grande ajuda em manter tudo funcionando. Amanhã compraria algumas, se é que ainda existissem.

Passou as três horas seguintes deitada com as costas apoiada no Houndoom, folheando fotografias velhas e assistindo desenhos animados enquanto o Umbreon esquentava seus pés (o vencedor da noite tinha o direito de dormir no sofá, enquanto o outro ficava no chão). Chegou até a mandar algumas fotos para sua mãe, perguntando: “Quem era essa pessoa? Em que ano foi isso?”.

Existia uma Karen que ninguém nunca via — ela vestia moletons confortáveis e calça skinny, prendia o cabelo em um coque esquisito e escutava Imagine Dragonites no volume mais alto enquanto devorava um pote de sorvete de creme na cozinha. A Karen popular com milhões de seguidores tinha uma reputação a prezar, as pessoas a temiam e respeitavam, uma mulher sem defeitos e último obstáculo antes que qualquer treinador tivesse sua chance de enfrentar o campeão; mas também existia a Karen meiga e gentil, que gostava de ficar em casa, cantar, dançar e jogar videogames. Será que o mundo estava mesmo pronto para conhecer aquela sua outra versão?

“Acho que eu seria um Ditto.”

A Karen adolescente morria de medo de ser considerada uma Ditto. Pensava estar fingindo ser alguém que não era para proteger a sua reputação. Desde pequena odiara ser taxada como uma treinadora mediana por treinar um time estranho — seu inicial fora um Murkrow, capturado com muito afinco depois de o danado ter roubado seus óculos de sol. Por que se contentar em usar apenas aqueles Pokémon que todos diziam serem fortes? Estava cansada de dar uma surra em treinadores que traziam seus Pokémon insetos e lutadores, pensando ter vantagem para cima do tipo noturno. Cada um deles era único à sua própria maneira, e só cabia ao treinador saber como utilizá-los da melhor forma.

Pegou no sono assistindo seus desenhos e só levantou na manhã seguinte, toda torta e descabelada. Muitos paparazzi e revistas de fofoca pagariam rios de dinheiro para ter uma foto sua em um momento de descontração assim. Manchete — pasmem! — Karen da Elite 4 também é humana.

Quando abriu a geladeira para beber outra soda, viu as vitaminas e lembrou-se que precisava passar na Loja de Departamento para buscar as que faltavam. Olhou para o relógio no pulso e deu-se conta de que logo seria a hora do almoço, o shopping ficaria insuportável e ela nunca conseguiria passar despercebida, por isso enfiou todos seus pertences na mala e saiu às pressas.

Já no departamento, aproveitou para comprar as pilhas extras antes de subir para o quinto andar. Era sábado e a praça de alimentação estava muito movimentada, mas ela conseguiu se esconder feito um Pokémon noturno em meio às sombras. Assim que saiu do elevador, deparou-se apenas com o dono da antiga quitanda e uma criança brincando sozinha na área recreativa.

— Bom dia, senhorita — cumprimentou o velhinho. — Vou buscar as vitaminas para você. Pode esperar um instante?

Karen concordou e ali permaneceu. Começou a folhear uma revista de moda quando se deu conta de um barulhinho muito familiar. Virou-se para trás e viu o menino estirado sozinho em um sofá grande demais para o seu tamanho, percebendo que ele também estava com um Game Boy Verde Chikorita em mãos. Karen levou a mão à bolsa e tirou dali o seu próprio aparelho, acoplou as pilhas em seu devido lugar e — plim! — ele funcionou perfeitamente, como há 20 anos.

O menino virou o rosto em sua direção, como se atraído pelo som.

— Você também joga? — ele perguntou impressionado. — É a primeira vez que vejo outra pessoa jogando aqui. Ainda mais um adulto.

— Eu jogava isso antes mesmo de você nascer, garoto — disse Karen em tom esnobe, só para atiçá-lo. — Mas o que me impressiona é pensar que a sua geração ainda se divirta com isso.

— Pois é, meus amigos estão todos ocupados demais acompanhando as tendências, jogando Forretressnite e fazendo vídeos toscos de dancinha pro KlinKlong. Alguns nem mesmo se interessam mais em sair em aventuras, caçar Pokémon e conquistar insígnias.

— E você pretende ser treinador? — perguntou Karen.

— Eu ainda não tenho idade pra sair em jornada, tenho 9 anos... Minha mãe também morre de medo que eu saia por aí e fique falando com estranhos, que nem você.

— Ah — Karen recuou, ofendida. Esquecera-se completamente de que estava vestida como uma stalker. — Desculpe.

— Tá tudo bem — o garoto falou com a voz mansa. — Meu nome é Todd. Quais jogos você têm?

Karen aproximou-se e mostrou-lhe o cartucho que era tão velho que já tinha começado a descolorir. Aquilo imediatamente lhe trouxe uma lembrança dos clássicos Mystery Gift, em tempos onde as crianças não se preocupavam em sair na rua sozinhas e era tão fácil esbarrar em alguém desconhecido e dizer: Quer brincar comigo? Se dissesse aquilo em voz alta iria parecer uma tremenda saudosista, mas a verdade era que sentia muita falta dessa sensação. Com a ascensão de equipes criminosas como os Rockets e até mesmo envolvimento de políticos corruptos, talvez ela mesma tivesse optado por não sair em jornada se ainda fosse pequena.

— Já ouviu falar de Mystery Gift? — perguntou Karen.

— Aquele negócio que você conecta online pela internet e ganha itens? — perguntou Todd.

— Err... mais ou menos. Digamos que esse aqui seja mais arcaico — brincou a mulher. — Veja, é só acessar essa opção no menu, e então nós conectamos nossos aparelhos através de infravermelho.

Beep! O clássico barulhinho confirmou a troca virtual. Os olhos de Todd brilharam no instante em que ele recebeu o item mais raro que vinha cobiçando em seu jogo. Era impossível de adquiri-lo por métodos normais, e o tempo todo aquela opção estava ali disponível ao seu alcance, faltando apenas alguém com quem se conectar.

— Isso foi muito legal! — afirmou Todd. — Não é a mesma coisa que pegar pela internet, tipo, eu preciso te encontrar pessoalmente e não tenho mais nenhum outro amigo com quem trocar.

— Na minha época era assim que fazíamos — respondeu Karen. — Eu costumava vir aqui no quinto andar sempre que podia, era como a central de reunião da garotada do bairro. Às vezes vinha gente de longe só para trocar itens conosco, e... nós nos divertíamos muito. São coisas que não voltam mais, sabe?

Quando se deram conta, Karen e Todd estavam no terraço bebendo Soda Pop e contemplando o movimento da esplendorosa Goldenrod. Era possível enxergar a Torre do Rádio e as águas revoltas do oceano, Karen apontou cada um dos lugares que costumava frequentar quando era menina, contou que na época ainda não existiam os trilhos do trem magnético que guiavam até a região de Kanto, nem o shopping ou a casa de jogos. Ela vira Goldenrod crescer e tornar-se a capital símbolo de Johto. E quem poderia dizer como as coisas estariam dentro de alguns anos?

Pessoas e cidades mudam. O tempo não para. Dentro de alguns anos provavelmente não estaria mais na Elite — não queria ser como a velha Agatha e ainda estar enfrentando jovens treinadores com seus oitenta e poucos anos —, ou quem sabe até encontrasse um parceiro para compartilhar as obrigações, dividir a cama e assistir desenhos animados?

— Você acha que consegue vir aqui mais vezes pra trocar itens comigo? — Todd perguntou esperançoso.

— Eu não sei. Sou muito ocupada — lamentou Karen. — Mas se quiser você pode ficar com meu Game Boy para trocar itens entre os dois aparelhos.

— Ah, mas aí não teria a mesma graça...

Karen sorriu, derrotada.

— Você tem toda razão, Todd.

O menino escutou alguém chamar seu nome. Os dois olharam para o fim do corredor e notaram uma mulher de vestido laranja e cabelos morenos, com uma bolsa debaixo do braço e um dos pés batendo irrequieto no chão. Todd despediu-se de Karen às pressas, pois sua mãe lhe dera apenas alguns minutinhos para brincar e ele já havia ultrapassado com folga aquela marca.

Karen pôs-se de pé, incrédula. A mulher do outro lado devia ter quase a sua idade, mas já era mãe; tinha o porte elegante, mas exalava um ar jovial. Seria ela Carrie, a doce menininha que por tanto tempo frequentara o quinto andar da loja?

A mulher limitou-se a cumprimentá-la com um aceno distante, e logo desceu as escadas de mãos dadas com seu filho. Karen esquecera completamente que estava disfarçada, era óbvio que ela não a reconheceria.

— Aqui estão suas vitaminas, senhorita Karen — disse o velho atendente.

— Obrigada, senhor — ela começou, mas ainda não se lembrava do nome dele. — Senhor Dono da Quitanda.

 — Volte sempre, senhorita cuja identidade permanece desconhecida.

 

Nos dias que se seguiram, Karen não parou de pensar naquele inusitado encontro. Teriam elas continuado amigas se voltassem a conversar? Será que ainda compartilhariam os mesmos sonhos e interesses? Karen sabia lá no fundo que algumas coisas da vida precisavam ser deixadas como estavam. Não importava o quanto desejasse, elas nunca voltariam a ser como eram.

Passou o restante do fim de semana dentro de casa, jogando videogames antigos e divertindo-se com seus Pokémon. Assim que retornasse ao trabalho, as pessoas voltariam a enxergá-la como sempre — a mulher impetuosa e destemida que dominava a Liga Pokémon, construindo uma fila de derrotados em frente ao seu estádio até que seus oponentes beirassem a loucura.

E pelo visto ainda estava na idade de ganhar alguns Mystery Gifts. Quando o interfone tocou, o porteiro contou que ela recebera uma encomenda bem grande de caminhão. Karen nem se dera conta de que vencera o Lapras de pelúcia no sorteio de sua amiga.

As visitas para Goldenrod eram sempre lembradas com carinho, afinal, era sua cidade natal, e dizem que nosso coração sempre está no lar onde crescemos. Desde pequena esta era sua pretensão: queria ser livre para viver da forma como quisesse, independente do que achassem dela ou não, e que se dane a reputação!

Se ela se considerava um Ditto, então poderia se orgulhar de ser uma caixinha de surpresas. Da próxima vez que os executivos da Liga torrassem sua paciência perguntando sobre qual seria sua frase de efeito antes da batalha, já sabia qual usar: “Adapte-se e triunfe!”.

A vida é curta demais para ser uma coisa só.



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  1. YOOOO SALVE DA ESTRELA DAS LONGÍQUIAS TERRAS DE UNOVA

    Rapaz, você só olha diferente para um personagem depois que alguém fanfica né? COMO QUE O DEPARTAMENTO DE GOLDENROD SE TORNOU UM LUGAR TÃO FOFO E INCRÍVEL?

    Karen me fez sofrer muito na Elite 4 de Johto, mas vê-la aqui no seu dia a dia me fez me identificar em muitos aspectos!
    EU ADOREI O CONCEITO DE DITTO!
    Eu realmente adoro essa mensagem de poder ser mais de uma pessoa e se adaptar com as situações. Isso proporciona experiências tão divertidas que uma casca dura não traria <3

    EU ADOREI TODAS AS ADAPTAÇÕES DOS NOMES E REFERÊNCIAS ( tem dedo do Dento no meio disso, com certezah uashuashahus)! Mas no final, eu realmente conseguiu sentir uma nostalgia que eu nunca vivi com Game Boys! DROGA, AGORA QUERO DESENTERRAR O MEU!

    MARAVILHOSO CAPÍTULO CANAS <3

    See ya

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    1. NEM TÔ NA MINHA REGIÃO E A GENTE JÁ CHEGA CAUSANDO. QUE COISA, MENINA ESTRELA!

      Obrigadinho por vir aqui até essas terras distantes deixar seu comentário, significa muito :3 Engraçado pensar que metade da história se passa dentro de um andar de shopping, um lugar genérico que deveria apenas vender TMs com um toquezinho de magia. Tudo parecia tão nítido dentro de minhas jogatinas por Johto, mesmo com aquela tela super limitada cheia de pixels. É para isso que escrevemos fanfictions!

      Eu também apanhei muito pra Karen no Stadium, era só Confuse Ray e Double Team até ficar louco kkkkkk Fico feliz que tenha curtido, eu não quis mostrar a personagem só "forte e bonita" como todo mundo pensa, e que na verdade ela também está cheia de seus trejeitos, suas vontades e hobbies. Estou ansioso para ver como o Dento vai trabalhar ela na Liga, e se ela fará questão de mostrar apenas seu lado mais durão ou vai se deixar levar kkkkk

      No próximo rolezão faremos A FESTA DOS GAME BOY! Tragam seus aparelhos dos anos 90, toca Sandy e Júnior e finalizada com uma maratona de Sailor Moon e Dragon Ball Z kkkk Obrigadinho mais uma vez, beijos! :3

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  2. Lembro de ler no Spirit este capitulo á alguns meses atrás, mas não me lembro se cheguei a comentar alguma coisa. Canas, adorei! É um especial muito delicioso de ler!

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