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Capítulo 52



— Que dor de cabeça...

Joey, meio zonzo, sentia tudo ao redor girar. Não por menos: havia acabado de acordar de um sonho esquisito, onde caía em um poço sem fundo e a aflição que sentia competia com a vontade de morrer.

Morrer, pelo menos no sonho, o faria se livrar de vez daquele pesadelo.

A consciência aos poucos fora retornando para sua mente. Pôde sentir o frio do chão cinzento e o ensurdecedor silêncio ao redor.

Abriu os olhos e viu o escuro dar-lhe as boas-vindas. Não eram tão acolhedoras quanto ele esperava, mas, pelo menos, tinha o gosto de vida real que ele procurava sentir.

A cabeça dava umas fisgadas e o fazia prestar atenção, como se pedisse para que o resto do corpo ligasse sinais de alerta a fim de pressentir o perigo.

O garoto se sentou no chão e encostou-se na parede fria. Seus olhos adaptavam-se aos poucos à escuridão do ambiente e seus ouvidos procuraram quaisquer ruídos que não fossem sua própria respiração ofegante.

Cof. Cof. Cof.

Três tossidas e Joey lamentou profundamente após sua cabeça ter latejado tão forte que seria melhor que ela explodisse.

— Joey? Joey querido, é você? — uma voz cochichou em uma súplica urgente.

Mesmo no escuro, o garoto arregalou os olhos. Aquela voz conhecida fez Joey ficar de pé em um pulo.

— Gabi? Meu Arceus, Gabi? Eu tô tão feliz de ouvir a sua voz, gatinha, você não tem nem noção!

A euforia de Joey o fez correr para a frente e meter a cara nas grades da cela. Mas o garoto não ligou, ouvir a voz da companheira era tudo o que ele queria.

— Estou aliviada também! Fale baixo, estamos sendo vigiados, tenho medo do que eles podem fazer conosco se descobrirem que estamos conscientes.
— Vigiados? Putz, eu não acredito que estamos ainda naquele rolê da Equipe Rocket... — comentou Joey, enquanto agachava e se deixava abater pela decepção. — Eu esperava estar sonhando... Eu preferia estar sonhando. Saber agora que o Ethan se aliou a esses caras me deixa muito bravo!

Gabrielle suspirou.

— Eu também acho... Eu non consigo entender o motivo... Ethan não parece ser do tipo de pessoa que farria isso...
— Eu vou te dizer, Gabi. Depois da Lyra e do Ethan, eu vou é parar de confiar nas pessoas... Só tem gente cretina nesse mundo!

O silêncio prevaleceu por alguns instantes até a tímida voz de Gabrielle voltar a ecoar na sala.

— Você me acha crretina?

O escuro não permitia ver, mas o rosto de Joey queimou de vergonha.

— N-não! Você é minha parceira! Jamais pensaria isso de você. Na verdade, só eu, você e o Rattata somos os únicos seres inteligentes que merecem viver no mundo, o resto é tudo lixo!

Joey aliviou-se ao ouvir a risada doce de Gabrielle.

— Fico feliz...

O garoto suspirou e sentou-se ao chão. Respirou fundo e suspirou com pesar.

— Precisamos dar um jeito de sair dessa espelunca...

Três fortes batidas na porta de metal fizeram Joey e Gabrielle tomarem um susto. Do outro lado, a voz grave de um homem dava ordens.

— Calem a boca, seus moleques! Não me façam entrar aí!

Os corações batiam tão alto que era possível ouvir alto e claro. Os dois garotos ofegavam de nervoso.

***

Do outro lado do complexo, Proton depositou outro prato de comida no chão próximo à Amy e se retirou, fechando a cela enquanto a encarava com curiosidade. A garota mais uma vez não demonstrava nenhum interesse em tocar na comida, visto que outros três pratos de refeição jaziam intocados, já começando a estragar.

Ela se encontrava sentada no chão da cela, abraçando as pernas. Vestia um uniforme penitenciário negro, da cor da organização, e encarava o teto testando sua paciência, como fazia desde que havia chegado ali.

— Você é dura na queda... Vamos ver até quando você vai aguentar — comentou Proton.

Amy não fez nenhum tipo de contato visual com o homem.

— Eu não sei por que se preocupa. Se você fosse fazer alguma coisa comigo, não precisaria que eu ficasse enfraquecida de fome. Você me viu pelada e virou o rosto. Quem não te conhece, pensa até que você é decente.

Proton deu uma risadinha.

— Eu te conheço desde pirralha. Não parece, mas tenho meus caprichos. Não seria nem um pouco cavalheiro da minha parte.

Amy suspirou, ainda encarando o teto.

— Acabou pra nós, Proton. Se bem que eu não esperava ficar tanto tempo sem ser capturada. Foi um recorde pessoal.
— “Pra nós”? Você é quem vai ser provavelmente torturada, assassinada e esquartejada. Esse prêmio é todo seu, eu não tenho nada a ver com isso.
— Ah, não? Eu estou presa numa cela num baita esconderijo tecnológico a prova de fuga e você é meu segurança particular, como era quando eu era criança. Você está preso comigo, também é um prisioneiro. Acho que vai ficar com peso na consciência pelo resto da vida.

O Rocket riu.

— Você acha que me conhece, não é? Que sabe alguma coisa sobre mim e que pode me tocar com sua sensibilidade de quinta categoria. Mas, você tem razão quando diz que “acabou pra nós”. Eu tenho muitos planos na vida, e um deles com certeza não é correr atrás de você. Pelo menos com a sua morte eu vou poder viver em paz.

Amy desviou o olhar do teto pela primeira vez e repousou-o em Proton. Ele segurava com uma das mãos uma das barras da cela enquanto a outra estava dentro do bolso de sua calça preta. Ele encarava a garota com curiosidade, talvez pelo fato de estar esperando que ela tirasse algum tipo de truque para escapar, mesmo tendo a certeza de que ela estava desarmada.

— Eu não sabia que causava em você tamanha repulsa... — comentou ela.

Proton ergueu o cenho, surpreso com aquela afirmação.

— Seja qual for o sentimento, acredito que “repulsa” ainda assim é algo muito pesado. Eu até acabo tendo certa simpatia por você. Você matou o Giovanni, menina. Eu não queria estar na sua pele agora.

A garota continuou a sustentar o olhar por mais alguns segundos, refletindo sobre as palavras sinceras que Proton havia dito. Pensando melhor, ela não o conhecia direito. Aqueles breves instantes de conversa foram o suficiente para abrir os olhos dela a respeito de muitas coisas.

— Mantenha seus amigos próximos e seus inimigos mais próximos ainda... Esse ditado começa a fazer bastante sentido — comentou ela.

Proton virou-se e dirigiu-se em direção à porta.

— Quando a próxima refeição estiver pronta, farei questão de lhe trazer, pirralha. Vê se não passa fome.

O Rocket passou pela porta de aço e deu um último olhar para Amy, que continuava a encarar o teto. Olhou para o relógio em seu pulso, eram duas e vinte e sete da manhã. Num suspiro, fechou-a, trancando a garota.

***

No laboratório da Equipe Rocket, havia uma intensa concentração de cientistas e capangas ao redor da PokéBola GS, que fora colocada dentro de uma grande cúpula onde lasers tentavam cortar o botão central da cápsula para que ela abrisse. Diversas tentativas foram realizadas para liberar o Pokémon que havia dentro da PokéBola, todas elas fracassadas. Silver permanecia impaciente, de braços cruzados assistindo cada nova ideia de abrir o objeto sem machucar o que estava dentro.

— Se algo acontecer com o Celebi, eu vou matar vocês — alertou o ruivo sem perder sua seriedade, o que tornava a ameaça ainda mais macabra.

Forrest, Red e Bruno permaneciam atentos à tentativa de abertura da PokéBola GS. Pareciam tão ansiosos quanto Silver, afinal, não é todo dia que se vê um Pokémon Lendário. Ninguém ousava emitir um único barulho, nem mesmo em pensamento. A concentração ao redor do objeto lembrava um culto religioso, tamanha a devoção de todos pelo objeto.

Lyra, no entanto, estava entediada. Olhou para o relógio em uma das paredes que marcava quinze para as três da madrugada. Não tinha a atenção do namorado e não gostava nem um pouco de ser trocada por uma PokéBolazinha qualquer. Sentada em uma cadeira próxima, com a perna direita cruzada sobre a esquerda, apoiava seu braço na coxa enquanto a cabeça jazia apoiada na mão direita. O tédio fazia a garota dar uns bocejos curtos enquanto balançava seu pé continuamente. Ariana, em pé ao seu lado, deu uma olhada para a garota de canto de olho e não escondeu satisfação.

— Tch. Se você está tão entediada assim, deveria procurar outra coisa pra fazer. Não estamos brincando aqui.

Lyra encarou a ruiva, mas nada disse. Levantou-se em silêncio e dirigiu-se para a saída do laboratório, em direção às demais áreas do complexo. Conforme avançava, passava pelos recrutas Rocket que faziam a segurança do local, tendo a certeza de para onde queria ir.

Ao chegar à parte do complexo onde ficavam as prisões, notou estar sendo seguida.

— Não sei por que me surpreendi. Deveria imaginar que na primeira oportunidade que tivesse, você viria atrás de mim — a garota deu uma risadinha. — O mundo dá voltas mesmo, não acha, Forrest?

O moreno deu um passo para trás, como um gato pego no flagra pela presa. Forrest começou a suar frio e sentiu seu coração palpitar cada vez mais.

— Lyra, eu...
— Eu estava esperando por você. Ou melhor, eu imaginaria que você daria um jeito de se encontrar comigo. Sabe que eu até fiquei surpresa? Não, sério, dessa vez eu digo: você me surpreendeu.

Forrest permaneceu em silêncio por alguns instantes, mas Lyra realmente surpreendeu-se quando o viu rir.

— Hahaha, pois é, fomos surpreendidos novamente. Eu jamais imaginei que da próxima vez que te visse, você seria aliada de uma organização criminosa. Acho engraçado como a vida é irônica.

Lyra retribuiu o sorriso sádico.

— Eu achei que você fosse continuar sendo aquele moleque mole que eu conheci há alguns meses. Mas deu pra ver que você se tornou um cara interessante...
— Você sempre gostou de caras dominantes. Que bom que me tornei um.

Os dois se olharam. Um sorriso de prazer sincronizado apareceu em seus rostos e suas respirações ficaram ofegantes.

— Onde você estava indo? — perguntou ele.
— Fui procurar alguma diversão. Mas acho que encontrei — ela respondeu, aproximando-se de Forrest como uma serpente prestes a dar o bote.

O moreno olhou para cima e viu uma câmera de vigilância apontando para os dois. Ele deu uma risadinha e aproximou-se de Lyra, colocando a mecha de seu cabelo atrás de sua orelha. Lyra mordeu o lábio. Nenhum dos dois tomava atitudes drásticas. Se observavam detalhadamente, quase se devorando com os olhos.

— Vem comigo — pediu Forrest, surpreendendo Lyra.
— P-pra onde?

O moreno deu um selinho nos lábios da garota.

— Você confia em mim?
— Confio.

Sem dizer mais nenhuma palavra, Forrest segurou na mão de Lyra e a levou na direção contrária do laboratório, para onde ficavam as celas. Os dois ofegavam, mas o garoto parecia com pressa de chegar até lá.

— O que nós vamos fazer aqui? — perguntou Lyra.
— Você disse que confiava em mim. Acho que nós temos satisfações pra tirar com alguém que está lá dentro.
— Quem?
— Joey.

Lyra olhou para o moreno sem entender.

— Que tipo de satisfações eu teria para tirar com ele?
— Ué, não foi ele que disse que você era uma fracassada?

A garota arregalou os olhos. Fechou os punhos com força e começou a tremer. Seu corpo ficou rígido e sua respiração ficou ofegante. Forrest ficou surpreso com a reação de Lyra.

— Eu achei que você soubesse...
— Q-que história é essa? — o ódio na voz da menina era ainda mais evidente pela gagueira. — O-o que ele disse?
— Após o Torneio de Caça aos Insetos... Ele ficou dizendo por aí que você era uma fracassada. Quando vocês terminaram, ele deve ter ficado com ódio... Como você não venceu a competição, começaram a acreditar no discurso dele.

Lyra abaixou a cabeça e pareceu lutar para não chorar.

— E-eu não sou uma fracassada...
— Eu sei disso, meu amor. E justamente por isso que estamos aqui. Eu acho que você deve mostrar pra ele quem é você de verdade. Mostre quem é a Lyra por quem eu me apaixonei.

Forrest aproximou-se de Lyra e, com seu dedo indicador, levantou o rosto da garota e a fez encarar seus olhos puxados.

— Eu acredito em você.

A garota virou para a grande porta de metal do complexo e sacou seu cartão-passe do bolso da calça do uniforme negro. Ao passá-lo pelo controle de acesso, a porta em sua frente se abriu, revelando uma segunda porta com um agente Rocket de prontidão, que acabou se surpreendendo com a inesperada visita.

— Abra a porta — disse Lyra com firmeza.

O Rocket ficou surpreso.

— Mas senhora, eu tenho ordens para não abrir.
— EU MANDEI ABRIR ESSA PORTA.

Lyra chutou as partes íntimas do homem que caiu no chão segurando a área atingida com suas duas mãos. Lyra agachou e pegou de seu bolso o cartão de acesso do agente, passando pelo controle de acesso digital e abrindo a porta de metal que dava para as celas onde os prisioneiros eram trancafiados. Forrest retirou do cinto do agente as chaves das celas do interior da sala.

As luzes se acenderam. Joey e Gabrielle levaram as mãos aos olhos para amenizar a repentina claridade às suas irises, acostumadas com o breu total. Estalos de PokéBolas liberando Pokémon foram ouvidos seguido de um berro agudo ordenando um golpe.

— VICEGRIP!

O portão de aço que guardava Joey dentro da cela fora destruído, cortado como se fosse papel. O garoto tomou um susto tamanho que brigou com seus olhos para tentar ver o que estava acontecendo enquanto Gabrielle gritava de medo.

— Lyra?! — exclamou o garoto.
— SEU MERDA! EU VOU MOSTRAR PRA VOCÊ QUEM É A FRACASSADA!

Lyra correu na direção de Joey e deu um chute na boca de seu estômago, deixando-o sem ar. O golpe repentino fez a visão de Joey escurecer e o ar desaparecer de seus pulmões.

— QUE HISTÓRIA É ESSA DE DIZER QUE EU SOU FRACASSADA? EU VOU MATAR VOCÊ! PINSIR, TIRE A CABEÇA DELE DO PESCOÇO, USE O VICEGRIP! — berrou a garota para seu Pokémon.

Pinsir abriu suas pinças afiadas e impulsionou-se para frente na direção de Joey, caído ao chão tentando recuperar-se do golpe recebido.

O Pokémon de Lyra, no entanto, foi arremessado para a parede oposta por algo tão rápido quanto um míssil.

A garota olhou com ódio para o local onde seu Pokémon jazia caído e viu um Heracross se levantando após utilizar seu Aerial Ace.

Ao olhar para trás, viu Forrest aproximando-se dela e Gabrielle acuada, olhando com cautela para fora da cela, agora aberta.

— O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO?! — berrou Lyra.
— Meu bem, eu acredito em você. Por isso mesmo eu acho que você está sendo idiota em se juntar à Equipe Rocket, não desperdice o seu talento — disse Forrest.

Lyra virou-se bruscamente e avançou na direção do moreno, dando-lhe um soco no rosto. O garoto cambaleou para trás, colocou a mão no rosto e sorriu.

— Ok, eu mereci essa.
— Você merece que eu te mate primeiro.

As mãos de Lyra agarraram o pescoço de Forrest e o apertaram. O garoto sentia sua garganta ser cada vez mais comprimida enquanto seus pulmões lutavam com uma pressão inútil contra a ausência de ar. O moreno pôs a mão no cinto para pegar uma PokéBola, mas a garota deu uma joelhada na barriga do rapaz, que deixou a cápsula cair ao chão, rolando até próximo de Joey, que se recuperava do golpe recebido.

Ao perceber a PokéBola próxima, Joey olhou para o objeto e viu Forrest tentando se livrar da agressora agarrando seus pulsos e tentando se desvencilhar de alguma maneira. O garoto percebeu que conhecia aquela PokéBola.

— Mas... Como?

Forrest soltava grunhidos altos. Seu rosto estava mais escuro do que o normal e sua visão escurecia. Lyra continuava a apertar seu pescoço e sua pele rasgava dolorosamente, ardendo conforme as unhas da garota fatalmente pressionavam, além da traquéia, as veias que passavam por ali.

O agente da Equipe Rocket que fazia guarda do lado de fora da sala recuperou-se e invadiu o local segurando uma PokéBola em mãos.

— Eu não sei o que está acontecendo aqui, mas isso acaba agora! Drowzee!

O Pokémon psíquico surgiu e olhou assustadoramente para as pessoas ao redor.

Joey arremessou a PokéBola e seu Venomoth rapidamente surgiu em sua frente.

Silver Wind! — ordenou o garoto.

Venomoth bateu suas asas e um poderoso ciclone prateado surgiu e partiu com velocidade para cima de Lyra, Forrest, Drowzee e o agente Rocket, separando-os para cantos diferentes da sala. A garganta de Forrest ardia e o moreno tossia cada vez que o oxigênio chegava aos seus pulmões, enquanto o agente Rocket jazia nocauteado após bater a cabeça violentamente contra a parede.

Uma forte explosão fora ouvida vinda de algum lugar do lado de fora. Um alarme soava incessantemente. Lyra levantou-se em um salto e procurou recolher seu Pokémon.

Wrap! — berrou Forrest.

O corpo de Lyra foi envolvido com tentáculos amarelos, imobilizando a garota de fazer qualquer tipo de movimento. O moreno levantou-se e, ainda segurando o próprio pescoço, correu para a cela de Gabrielle onde entregou-lhe algumas PokéBolas.

— Você vai precisar — avisou o garoto entre tossidos.

Joey saiu correndo de sua cela e foi em direção à de Gabrielle.

— NÃO TOQUE NELA! — berrou ele para Forrest.

O moreno olhou para o garoto e estendeu a mão, mostrando outras cinco PokéBolas.

— Nós estamos lutando por um bem comum. Use tudo o que puder.

Diversos agentes da Equipe Rocket corriam nos corredores na direção do laboratório. Forrest recolheu seu Shuckle, que continuava a impedir Lyra de se mexer, e saiu correndo pela porta.

— Ariados, use Spider Web, ma chérie!  — ordenou Gabrielle enquanto arremessava uma PokéBola para o alto.

Lyra até tentou pegar uma PokéBola, mas as poderosas teias de aranha de Ariados prenderam seus membros junto ao corpo e a impediram de levantar-se do chão.

— Eu vou matar vocês! — gritou Lyra do chão, enfurecida, enfatizando cada palavra.

Joey segurou na mão de Gabrielle e, junto com Venomoth e Ariados, se retiraram da sala de prisão, dirigindo-se para o lado do laboratório Rocket.



TO BE CONTINUED...





Terceiro Ato




Já passava das dezenove horas quando a Equipe de Resgate dos Corações de Ouro decidiu partir para o Pólo Norte. Detetive Wobbuffet sabia que todas as pistas e provas encontradas sempre levavam para Papai Noel — e já que ele vivia no Pólo Norte, decidiu-se assim partir para lá à procura de alguma prova concreta e definitiva a respeito do sumiço de Nicolau e o congelamento de Jynx.

Johto, no entanto, ficava a milhares de quilômetros do lugar. Existia o caminho pelo mar, onde eles poderiam contar com algum tipo de Pokémon aquático para guiá-los, mas Psyduck prontamente se recusou a nadar e levar seus companheiros.

— Você tinha UM SIMPLES trabalho, Psyduck — reclamou Magby com sua característica irritação de sempre.
— Eu não sei do que você tá reclamando aí, não. Achei que você seria o primeiro a reclamar de ter que cruzar um oceano inteiro pra chegar numa ilha congelada — retrucou o pato.
— Jamais! Eu sou um detetive agora, eu não tenho o que temer! E outra coisa também, eu nunca disse que iria com vocês. Eu posso muito bem ajudar o pessoal na delegacia, meu parceiro — disse Magby com o nariz empinado.
— Eles não aceitariam você lá — cortou Bulbasaur.
— E como é que você sabe disso, gênio? — perguntou Magby em tom provocador.
— É que pra entrar pra policia você precisaria ser, pelo menos, competente — respondeu Bulbasaur, tirando Magby do sério.
— Ora seu...
— Ao invés de vocês brigarem, por que é que não ajudam a pensar em como é que a gente vai chegar até o Pólo Norte? — perguntou Pichu, começando a perder a paciência.

Em frente à delegacia, a Equipe de Resgate dos Corações de Ouro discutiam, em uma roda, as melhores alternativas para se chegar até a fábrica de Papai Noel.

— Ninguém conhece um Lapras que pode levar a gente até lá? — perguntou Bulbasaur.
— Eu conheço — respondeu Psyduck.

Pichu, Magby e Bulbasaur o olharam surpresos. Magby, sorrindo, empolgou-se.

— Sério?
— Sim, mas ele morreu — respondeu Psyduck.

Magby baixou a cabeça e massageou a têmpora.

— Eu não sei por que ainda pergunto...
— Bem, a pergunta ainda está em aberto: Como iremos chegar até o Pólo Norte? — perguntou Pichu.
— Eu não acho que vai ser possível chegar lá antes da meia-noite... — opinou Bulbasaur, pensativo.
— Se isso não acontecer, não existirá o Natal! — exclamou o líder.
— E o que você sugere? Que a gente magicamente se teletransporte até o Pólo Norte? — perguntou Magby de forma irônica.

Wobbuffet que fumava seu charuto parou abruptamente como se tivesse levado um soco. Franzindo a testa, olhou para Magby que, assustado, deu alguns passos para trás.

— P-Por que está me olhando assim, senhor Wobbuffet?  — gaguejou.
— Eu acho que você me deu uma excelente ideia, rapaz.

Wobbuffet retornou a delegacia deixando a Equipe de Resgate dos Corações de Ouro sem entender nada.

***

— Eu não acredito que essa ideia de jerico realmente está sendo levada a sério.

Alguns minutos dentro da delegacia, Detetive Wobbuffet conseguiu o contato de um amigo de muito tempo, Xatu, o Vidente. Tinha poderes místicos, podendo prever o futuro e até ver espíritos. Estava ali para usar um dos seus poderes mais incríveis: O de se teletransportar para lugares que nunca esteve antes. Magby, incrédulo, continuava inconformado.

— Situações extremas exigem medidas extremas — comentou Wobbuffet.

Um forte e alto estalo chamou a atenção de todos os Pokémon do lado de fora da delegacia. Xatu surgira de repente, materializando-se no local. Era um Pokémon verde que se assemelhava a um pássaro condor, com longas asas brancas com pontas vermelhas e pretas que cobriam a maior parte da frente do seu corpo. Debaixo destas asas, inclusive, havia desenhos que lembravam dois olhos vermelhos, estáticos, que passavam a impressão de estarem enxergando a alma de quem os encarava. Seus olhos eram amendoados e seu bico era longo e levemente enganchado na ponta. De trás de sua cabeça, havia duas cristas longas e vermelhas que davam um toque hippie ao Pokémon, que mantinha sua expressão calma e serena ao aproximar-se em passos curtos até o grupo de Pokémon.

— De onde ele veio?! Ele surgiu do nada! — exclamou Psyduck, surpreso.
— Acho que é isso o que chamam de teletransporte... — comentou Bulbasaur, maravilhado.

Wobbuffet se dirigiu até o Pokémon.

— Meu grande amigo Xatu, que prazer revê-lo!
— Tive uma visão de que você precisaria de mim. Logo, aqui estou — a voz de Xatu era calma e serena, tal qual a sua própria personalidade.

Bulbasaur aproximou-se de Magby.

— Sei não... Essas coisas de vidente aí... Eu não acredito muito não.
— Eu acho que é charlatanismo — concordou o colega.

Psyduck e Pichu, no entanto, pareciam admirar a figura mística.

O vidente Xatu repousou seu olhar em Pichu.

— Pichu, muito bom saber que você está são e salvo!
— Ué, mas eu tô bem... Você me conhece de onde?
— Opa, falei muito cedo... Nada, esqueça o que eu falei.

Wobbuffet ergueu o cenho.

— Previsão...? — se perguntou o detetive, baixinho.

O vidente aproximou-se de Wobbuffet.

— Em que posso ajudá-lo, meu amigo?
— Xatu, preciso que você me leve até o Pólo Norte, conhece?O lar do Papai Noel.
— Pólo Norte? Hmm... Difícil. Sei que fica em uma ilha tropical no meio do oceano...
— Ilha tropical? Acho que você se engana, senhor vidente. A ilha do Papai Noel é gélida e neva todo dia — contestou Bulbasaur.

Xatu olhou para o Pokémon de forma serena.

— Como sabe disso? Você já esteve lá?
— Claro que não! Mas isso é bastante óbvio, visto que os assistentes dele são Pokémon do tipo Gelo, como Delibird e Jynx.

Wobbuffet aproximou-se e apoiou a pata no bulbo do Pokémon.

— Às vezes, a realidade se distorce perante os nossos olhos — e deu outra tragada em seu cachimbo.
— Bem, é possível levá-los até lá. Mas vai ser difícil — alertou o vidente.
— Faça o que for possível — disse Wobbuffet com firmeza.

Xatu assentiu com a cabeça e caminhou alguns passos curtos para frente. Concentrou-se tentando visualizar o local desejado e uma aura contornou seu corpo.

Magby olhou para Bulbasaur com a expressão incrédula ainda estampada em seu rosto.

— Como é que ele vai se teletransportar pra um lugar que nunca esteve antes?

Um solavanco no estômago fez a Equipe de Resgate dar um grito. O chão desapareceu por alguns instantes e tudo ao redor começou a girar.

Aqueles curtos segundos foram o bastante para fazer Psyduck vomitar assim que sentiu terra firme sobre suas patas.

— Urgh... — Magby encarou o companheiro com uma expressão de nojo. — Nem morto eu chego perto de você... Literalmente.
— Você está bem? — perguntou Pichu, aproximando-se do companheiro.
— Estou bem... Foi só a minha enxaqueca que deu uma piorada...
— Cuidado para não soltar seus poderes psíquicos e explodir a cabeça de todo mundo! — exclamou Bulbasaur.

A grama verde e o cheiro litorâneo chamaram a atenção do Detetive Wobbuffet. O sol ainda se despedia do céu, apesar de já ser noite quando o grupo deixou Johto. A Equipe de Resgate dos Corações de Ouro olhava aos arredores sem entender nada, afinal, como podia existir Natal sem neve? Tudo o que viam eram revoadas de Pidgey que cruzavam o céu alaranjado em direção ao oeste, um suave vento que tocava as plantas das árvores espalhadas por toda a extensão daquela ilha.

— Mas esse é o PÓLO Norte! Deveria ter neve por toda parte, os pólos da Terra são massas de gelo! — protestou Bulbasaur, indignado.
— Na verdade, esse é o PÓLO INDUSTRIAL Norte, onde o Papai Noel construiu sua fábrica de produção de presentes — explicou Wobbuffet.
— Então existe o Pólo Industrial Sul? — questionou Magby, interessado.
— Sim. É onde o Coelho da Páscoa fabrica os ovos de chocolate.
— A Ilha da Páscoa também é uma mentira?! — Bulbasaur arregalou os olhos em choque.
— Jamais saberemos. Ela é envolta por ondas eletromagnéticas tão poderosas devido aos Probopass que vivem lá que repelem qualquer poder psíquico de teletransporte — comentou Xatu.

Wobbuffet tinha razão. Diversas Jynx trabalhavam de um lado para o outro empurrando caixas e carregando embalagens de presentes enquanto diversos Stantler galopavam de um lado para o outro. O ambiente esquisito chamou a atenção de Wobbuffet, que acendeu um charuto novo e respirou fundo.

— Quando a gente acha que não tem como ficar mais esquisito...

O detetive caminhou pela grama até o grupo de Jynx, mas uma voz o impediu de prosseguir.

— Senhor, por favor, não se aproxime mais. Esta é uma área restrita.

A voz calma e serena acabou surpreendendo Wobbuffet, que olhou para o lado e viu um Pokémon aproximar-se dele com os braços para trás. Os passos lentos e a expressão serena no rosto harmonizavam com a grande concha que trazia presa na cabeça, como uma coroa onde, após uma boa analisada, o detetive notou que era um Shellder estranhamente maior do que aqueles que costumava ver. Era um Pokémon rosa de focinho amarelo pálido e barriga escamada. Ao redor de seu pescoço, uma gola gorgeira espinhosa com listras vermelhas e brancas alternadas que dava todo um ar pomposo à figura. O Shellder em sua cabeça tinha uma forma espiral com dois chifres perto da base e uma gema vermelha brilhante no centro de seu corpo.

— Muito prazer em conhecê-lo. Eu sou Wobbuffet, detetive particular. Trabalho para a polícia Pokémon.
— Polícia? Hum... Isso não é bom... Ou melhor, é bom. Céus, que confusão... — disse o outro Pokémon, levando as mãos à cabeça. — Eu sou o Slowking, rei do Pólo Norte. Coisas estranhas têm acontecido aqui.
— Estou aqui para investigar justamente essas coisas estranhas... Estes são meus assistentes, a Equipe de Resgate dos Corações de Ouro. Podemos conversar em algum lugar?
— Claro. Por favor, acompanhe-me.

Xatu aproximou-se de Wobbuffet.

— Preciso ir. Meu trabalho por aqui terminou.
— Obrigado, meu amigo. Nos falamos em breve.

O vidente acenou em positivo com a cabeça e levou a ponta da asa até sua testa. Em um piscar de olhos, desapareceu.

Detetive Wobbuffet, acompanhado da Equipe de Resgate dos Corações de Ouro, começou a seguir Slowking, caminhando solene pela ilha tropical. Um dos Stantler, no entanto, encarou de forma desconfiada aquele grupo de Pokémon recém-chegados até a ilha.

***

Slowking vivia numa caverna de frente ao mar. Apesar de todo o luxo que sua vida de rei poderia trazer, ele abdicou tudo em busca do que ele chamava de “Conhecimento”, com “C” maiúsculo, após o encontro com um Pokémon alienígena chamado “Beheeyem”. O estranho encontro no meio da noite se deu quando o rei da ilha caminhava perdido em pensamentos pelas areias da praia que banhava a ilha. Uma forte luz pairou sobre ele e Beheeyem surgiu perante ele.

— Leve a minha mensagem para a Terra, rei Pokémon. Busquem Conhecimento. Com C maiúsculo.

Bulbasaur encarava incrédulo o Pokémon.

— Cada vez que eu me dou conta, essa história fica cada vez mais bizarra...
— Nem me fala... Eu estava feliz só em ter de lidar com o Psyduck... — concordou Magby.

Wobbuffet tragava lentamente seu charuto.

— Então quer dizer que você abdicou de toda sua riqueza para poder viver como um ermitão aqui?
— Isso mesmo. Eu percebi que não adiantava ter dinheiro se isso não me trouxesse Conhecimento. E como rei desta ilha, eu preciso ter Conhecimento.

Pichu e Psyduck encararam Slowking encantados.

— Como rei da ilha, você deve ter percebido que Papai Noel desapareceu, não é? — perguntou Wobbuffet tentando retomar o foco da conversa para a investigação.
— Oh, sim, é verdade... Eu ouvi que ele desapareceu logo depois de sua Jynx assistente sumir também. Oh, céus... O mais triste disso tudo é que amanhã é o Natal e se ele não for encontrado, será um desastre...

Wobbuffet respirou fundo, dando uma última tragada em seu charuto.

— Amanhã é o dia de Natal. Nós precisamos entregar os presentes, tio — Pichu encarava Wobbuffet de forma séria. — A Equipe de Resgate dos Corações de Ouro não pode deixar o Natal passar em branco!

O rei Slowking juntou as duas patas e soltou um suspiro aliviado.

— Vocês realmente fariam isso? Ficaria extremamente grato!
— Claro que sim! Não existe um problema que não possamos resolver! — exclamou Pichu, determinado.

Bulbasaur pareceu refletir por alguns instantes.

— Não sei não... Acho que não temos tanto tempo assim... Eram quase oito horas da noite quando olhei para o relógio da última vez, dar a volta ao mundo em poucas horas até a meia-noite não parece ser algo muito lógico...
— Não se preocupe com isso! Os Stantler que vivem aqui são treinados para viajar através do globo em uma super velocidade! Além do mais, possuem poderes psíquicos capazes de driblar qualquer tipo de imprevisto, vocês não seriam vistos! — afirmou Slowking, empolgado.

Wobbuffet balançou negativamente a cabeça.

— Não temos tempo pra isso. Devemos é encontrar o Papai Noel.
— Nós sabemos que você tem a capacidade de fazer isso sozinho, tio. Nossa prioridade é fazer com o que o Natal aconteça, a sua é descobrir quem congelou a Jynx — disse Psyduck.

Magby abriu a bocarra.

— Bicho, essa foi a primeira coisa inteligente que você disse na sua vida inteira.
— Obrigado, eu acho... — respondeu Psyduck sem graça.
— É uma ótima oportunidade de você investigar a fábrica de presentes, senhor Wobbuffet... Pode haver pistas! — exclamou Bulbasaur.

Wobbuffet cobriu os olhos com seu chapéu fedora e respirou fundo.

— Bem, cada um com sua prioridade então.

A Equipe de Resgate dos Corações de Ouro pulou de felicidade e logo correu para abraçar o detetive, que ficou visivelmente constrangido.

Slowking parecia ser o mais empolgado de todos.

— Viva! Viva! O Natal não será cancelado!

O rei da ilha levou a Equipe de Resgate dos Corações de Ouro até a entrada para a Fábrica de Presentes do Papai Noel onde algumas Jynx se reuniam com os Stantlers.

— Oh, minhas caras Jynx! O Natal está a salvo! Esses pequeninos se comprometeram a realizar a entrega dos presentes deste ano!

As Jynx encararam Slowking com surpresa e em seguida encararam os pequenos Pokémon da Equipe de Resgate dos Corações de Ouro. Entreolharam-se entre si e deram um grito conjunto de alegria.

— Cada Jynx é responsável por auxiliar Papai Noel com a entrega dos presentes. Sob a posse delas está a lista das crianças que foram boas e ruins, as que merecem presentes e as que não. Elas guiarão vocês nesta entrega!

Um trio de Jynx aproximou-se dos baixinhos e os encararam como se os avaliasse. Comentavam entre si como senhoras idosas faziam enquanto observavam a vizinhança, até que sorriram simpáticas e acataram a ideia de ter os pimpolhos como integrantes da equipe de entrega de presentes.

— As titias adorarão ter vocês conosco na entrega dos presentes! — sorriu uma das assistentes abraçando Pichu e o espremendo entre os fartos seios.

Magby deu três passos para trás.

— Sem contatos físicos... Prefiro manter minha integridade física e mental intacta...

O grupo seguiu para a Fábrica de Presentes e deparou-se com uma construção enorme. A cabeça de Papai Noel com a boca aberta saudava os visitantes e, vindas da sua garganta — fato este que fez Psyduck imediatamente ter uma ânsia de vômito — diversos Pokémon, entre outras Jynx, Smeargle e Corsola — caminhavam carregando caixas e mais caixas de presentes e conferindo listas. Os Smeargles conferiam as listas, checando se tudo estava em ordem, os Corsolas iam colocando os presentes em esteiras que rolavam até as Jynx, que finalmente os colocava nos grandes sacos vermelhos que iam nos trenós presos nos Stantlers. E então, os Smeargles conferiam as listas, os Corsolas colocavam os presentes nas esteiras que chegavam até as Jynx que arrumavam no saco vermelho que estavam nos trenós presos aos Stantlers, fazendo com que os Smeargles checassem outro item da lista.

O trabalho se repetia na medida em que o progresso avançava.

— Bastante discreto, não acham? — comentou Bulbasaur olhando para a estrutura.
— A Fábrica de Presentes não tem seguranças? Tudo tem livre acesso? — questionou Wobbuffet.
— Vocês são as primeiras pessoas a alcançar o Pólo Norte, então não tem ninguém pra barrar — explicou Slowking.
— Então se existe alguém culpado pelo congelamento da Jynx e o sumiço de Papai Noel, esse alguém é de dentro... — deduziu o detetive.
— Quem são vocês? — uma voz austera ecoou com grande volume.
— C-Carlos?! — exclamou Slowking.

Um dos Stantlers aproximou-sedo grupo, encarando-os de forma séria.

— Eu sou Carlos, o líder dos Stantlers de Papai Noel. Exijo saber o que fazem aqui.

Wobbuffet aproximou-se.

— Eu sou o Detetive Wobbuffet, da Polícia. Estou investigando o sumiço de Papai Noel e o congelamento de uma das Jynx assistentes dele. Muito prazer.

Carlos encarou Wobbuffet e franziu o cenho.

— Eu não confio na Polícia.
— Quem não deve, não teme. Você sabe de alguma coisa, senhor Carlos? — perguntou Wobbuffet sério.

O Stantler hesitou por alguns segundos antes de voltar a responder, seco.

— Tch. A única coisa que sei é que essa bagunça toda vai nos impedir de fazer as entregas hoje à noite. Já estamos atrasados...

Uma das Jynx aproximou-se de Carlos.

— Os garotos se prontificaram a ajudar. Acho que nós conseguimos, se começarmos logo as entregas!

O Stantler a encarou com um olhar de fúria.

— Nós temos ordens explícitas de só permitir que o senhor Nicolau faça essas entregas.

Slowking aproximou-se.

— Acima do Nicolau, apenas eu. Eu autorizei a entrega, pode fazê-la.

Carlos olhou para o rei da ilha e caminhou até sua direção.

— Mas senhor, o senhor sabe que...
— Não importa o que eu sei. Apenas faça o que ordeno — falou Slowking com autoridade que nenhum dos Pokémon havia visto até então.

Stantler deu um passo para trás e afirmou com a cabeça, apesar de visivelmente a contragosto.

— Sim, senhor... — e virou-se de costas dirigindo-se para voltar à fila dos Stantlers.

A Equipe de Resgate dos Corações de Ouro se entreolhou. Eles estavam incomodados e confusos, se perguntando o motivo de a situação ficou tão tensa de repente.

— Eu não gosto desse Carlos... Ele não me parece ter uma boa índole — cochichou Bulbasaur.
— Talvez o que ele precise é apenas entender que nós queremos ajudar. Não fica difícil se a gente conversar com ele — opinou Pichu.
— Falar com ele? Me inclua fora dessa, eu tô de boa aqui sem tomar esporro — Magby cruzou os braços e virou o rosto, deixando clara a sua posição de recusa.
— Talvez se eu usar meus golpes psíquicos pra fazer uma lavagem cerebral nele, possa ficar mais fácil — sugeriu Psyduck.
— Força bruta nunca é a solução — cortou Pichu.
— Baixinhos, hora do trabalho — a voz de Wobbuffet logo cortou o raciocínio do grupo.

O grupo se assustou.

— Não foram vocês que tiveram a ideia de entregar os presentes? Se apressem, os Stantlers estão esperando.

A Equipe de Resgate dos Corações de Ouro se entreolhou e assentiu com a cabeça. O grupo se dirigiu para a fila onde os Stantlers se encontravam reunidos sendo equipados pela equipe de Jynx. Cada um dos quatro ficou com um Stantler diferente e Pichu acabou ficando com Carlos, ainda sobre a ideia de fazê-lo mais sociável.

Ao término da checagem do equipamento, os Stantler logo se prepararam para sair em viagem. Pichu e os demais receberam instruções das Jynx que os acompanhariam na viagem. As carruagens eram levitadas pelos poderes psíquicos das assistentes que também faziam espessas nuvens de gelo no céu para ninguém conseguir ver as carruagens voando.

Em alta velocidade, os cinco integrantes da Equipe de Resgate dos Corações de Ouro partiram em direções diferentes para iniciarem os trabalhos. Sobrevoavam o oceano e, ao longe, viam as luzes do continente dando as boas vindas. Logo que entraram em terra, os trenós começaram a espalhar-se ainda mais pelo continente, em direção às residências espalhadas por endereços e cidades.

O Stantler que levava Psyduck parou em frente a uma residência enorme, cujo terreno da casa se estendia pela rua inteira. Os muros e portões altos impediam qualquer um de pular para acessar o interior da casa. O Pokémon olhou para a Jynx que conferia uma lista e pegava as encomendas dentro do saco de presentes.

— Com licença, como é que eu posso entrar nessa casa?

Jynx o encarou como se a resposta fosse a mais óbvia do mundo.

— Você é um pato, não é? Patos voam. Use suas asas.

Psyduck a encarou de volta como se aquela resposta fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— Você tem razão.

Psyduck correu até o outro lado da avenida. Abriu os braços, encolheu a pança e correu de forma desengonçada, pegando velocidade e batendo suas asas para alçar voo pelos céus.

O Pokémon, porém, não era do tipo Flying, e, portanto, não sabia voar. Na tentativa frustrada, chocou-se pela janela da sala de estar, quebrando-a. O barulho ecoava pela casa de uma forma espalhafatosa enquanto Psyduck jazia largado no chão ainda tentando entender o que havia dado errado.

Passos apressados foram ouvidos. Imóvel, Psyduck não esboçava reação.

— O que foi isso?
— Crianças, voltem para o quarto, agora!
— É um Pokémon?
— Será que está morto?
— Crianças, obedeçam seu pai e voltem para o quarto!
— Olha lá, ele tá se mexendo!
— Letícia! Volta aqui, já!
— Pedro, eu não vou falar de novo!

Psyduck foi revirado com a barriga para a cima. Encarou duas crianças, muito parecidas, que o olhavam com certa curiosidade. A menina era mais velha, tinha cabelos castanhos e olhos de mesma cor. Seu irmão era quase idêntico, tirando o fato de que seus cabelos eram mais curtos.

Seus pais continuavam encarando Psyduck com um visível olhar de reprovação.

— Eu vou ligar para o Controle de Pokémon Selvagens.
— Ele pode estar com carrapato, querido.
— UM POKÉMON DE PRESENTE! — as crianças gritaram simultaneamente e correram para abraçar os pais.

Psyduck levantou-se com dificuldade e pôs-se de pé de frente pra família. Devido ao stress, sua dor de cabeça atacou, fazendo o Pokémon colocar as duas patas na cabeça.

Psy... Duck? — questionou o pato.

A mulher adulta, mãe das crianças, dirigiu-se até o interior da residência.

— Eu vou pegar o inseticida.

***


Bulbasaur se encontrava parado já há alguns minutos na frente de uma casa simples, com apenas uma janela que dava para o interior da residência e uma porta que dava para a rua — provavelmente sendo a porta principal. Sua missão era simples: Entrar na residência e entregar os presentes, mas o grande problema era que havia pessoas fazendo a ceia de Natal ainda, portanto, não havia jeito de entrar na casa sem ser notado.

— Meleca, como é que eu vou resolver isso? — O Pokémon começou a olhar para os lados procurando alguma solução.

Jynx, a assistente, aproximou-se com o saco de presentes.

— Está precisando de ajuda? — questionou a Pokémon.
— Não, eu estou bem. Estou apenas pensando como é que eu posso acessar uma residência cheia de pessoas sem ser notado. Os humanos não dormem não? Deveria ter algum tipo de lei que obrigasse todo mundo a dormir antes da ceia de Natal! — praguejou Bulbasaur, visivelmente incomodado.

Ao voltar sua decoração para os arredores, o Pokémon notou o quanto eram bonitas as decorações natalinas que enfeitavam portas e casas. As guirlandas coloridas eram o que mais chamavam a atenção de Bulbasaur, que percebeu um certo padrão entre as residências: Todas elas faziam questão de ter guirlandas e pisca-piscas iluminando entre a decoração de Natal. Não havia neve, então o encantamento se dava por meio de tais enfeites que se destacavam na noite escura e festiva.

Bulbasaur observou alguns arbustos enfeitados de forma natalina próximo à porta de entrada da casa. Uma ideia passou por sua cabeça.

— Bem, já que eles não dormem por bem... Eu vou ter de dar uma ajudada, hehehe...

Ding dong...

A campainha tocou. A barulheira era imensa. Carlos Roberto cantava na televisão em mais um de seus especiais anuais arrancando suspiros das tias e avós que assistiram. As crianças corriam ao redor da mesa cheia de comida, cujo cheiro fazia salivar a todos os que permaneciam próximos a ela. Do meio do tumulto, uma mulher de estatura baixa de meia-idade que mal seria vista se não fosse tão querida por sua família saia pedindo licença para os familiares. Apesar da dificuldade, a mulher logo alcançou a porta — apesar de ter tido de ficar na ponta dos pés para poder girar a maçaneta, cena bastante comum.

Ao abrir a porta, ela não viu ninguém. Olhou para a direita, para a esquerda e deu de ombros. Mas, antes de fechar a porta, reparou que ao pé da porta havia um vaso de plantas com uma linda semente bulbosa verde que emanava um maravilhoso aroma. A mulher encantou-se com aquilo e, antes de pegar, checou novamente se havia alguém por perto. Talvez o remetente do presente... Como a resposta fora negativa, ela pegou aquele vaso — levemente mais pesado do que ela poderia imaginar a primeira vista — e o carregou de volta para dentro da casa.

Sua voz estridente tentou chamar a atenção dos presentes que, ou estavam conversando em voz alta, ou cantando junto com Carlos Roberto na televisão ou correndo com as demais crianças. Aos poucos, quem ia percebendo suas frustradas tentativas de chamar a atenção dos familiares, ia ajudando a transformá-la no centro das atenções.

— Tia Mirtes, o que aconteceu? — um dos sobrinhos adultos aproximou-se da mulher.
— Vocês não ouviram tocar a campainha — perguntou a mulher, recebendo uma resposta negativa da família. — Enfim, o que acontece é que tocaram a campainha e ao abrir a porta, eu vi esse vaso de plantas lindo lá fora. Cheiroso que é uma beleza! Sintam só!

A família concentrou-se em sentir o cheiro do perfume daquele bulbo incrível. Todos começaram a ficar encantados e a comentar uns com os outros sobre o delicioso aroma vegetal que agora impregnava a casa e deixava todos relaxados.

— Nossa, mas o perfume dessa planta dá um sono, né?— comentou uma das sobrinhas.

Ela tinha razão. Quanto mais o perfume se impregnava, mais sono todos sentiam. Um a um, os membros da família foram caindo no sono.

No fim, a única voz no ambiente era a de Carlos Roberto cantando na televisão.

O bulbo no vaso de plantas começou a se mexer. Bulbasaur saiu de dentro e se espreguiçou, esticando todas as patas e alongando seu corpo.

— Hehe, Sweet Scent com Sleep Powder. Eu sou um gênio.

O Pokémon se dirigiu até a porta e a abriu. Jynx esperava do lado de fora com Stantler em seu encalço.

— E então, o que achou?
— É, foi inteligente. Perigoso, mas inteligente. Vamos, temos trabalho a fazer.

Bulbasaur só se prendeu no elogio. “Foi inteligente”. Era o suficiente.


***

— MAS NEM A PAU QUE EU ENTRO NUM NEGÓCIO DESSES!

No topo de um telhado a metros do chão, Magby discutia com a Jynx assistente que o auxiliava na entrega dos presentes. Ele estava perante uma chaminé que saia fumaça, então visivelmente havia fogo na lareira. O plano de Jynx era que Magby descesse a lareira para fazer a entrega dos presentes.

— Deixe de escândalo, nem é uma tarefa tão complexa!
— Ah, mas é claro que é simples, não é a sua bunda que vai queimar!
— Magby, você é um Pokémon de fogo. Você não vai se queimar.

Magby, que estava de cara fechada, imediatamente mudou sua expressão. Arregalou os olhos, surpreso com aquela afirmação. Pareceu refletir por um instante.

— Você tem razão... Mas, ainda assim, eu não vou fazer. Eu prefiro entrar pela porta.

Stantler se irritou.

— Eu vou fazer você cumprir o combinado.

Magby foi arremessado de forma certeira para dentro da chaminé pelo Stomp de Stantler. O membro da Equipe de Resgate dos Corações de Ouro caiu de cócoras no fogo da lareira que ardia àquela hora da madrugada.

O Pokémon saiu da lareira aos xingamentos. O barulho alto chamou a atenção do morador daquela casa, que estava bebendo água. Quase se engasgou ao se assustar com o estrondo. Correu até a sala e tossiu pela fumaça negra que se espalhava e tentava, de forma quase frustrada, enxergar o motivo da bagunça. O rapaz, vestindo seus pijamas azuis com estampas de PokéBola, com seus cabelos loiros desarrumados e meias gastas, cujo par esquerdo estava furada, permitindo que o dedão ficasse a mostra, soltou uma exclamação surpresa ao ver um Magby irritadiço sair por sua lareira.

— Oi, amigo. Como foi parar aí?

Magby encarou o humano e, sem que ele esperasse, arremessou uma embalagem pesada de presente em sua cara, nocauteando-o imediatamente.

— Humpf. Tá entregue seu presente— bufou o Pokémon, sem paciência.

***

Apesar dos percalços, a noite foi passando e a entrega dos presentes fora sendo concluída. Após darem a volta ao redor do planeta, assim que os primeiros raios do sol da manhã foram surgindo no horizonte, a Equipe de Resgate dos Corações de Ouro retornava para a Fábrica de Presentes no Pólo Norte. Cada integrante, acompanhado por uma Jynx assistente e um Stantler, fora chegando em sequência, sendo Bulbasaur o primeiro com Psyduck em seguida. O terceiro a chegar fora Magby.

Assim que desceram dos trenós, o trio de Pokémon logo notou algo estranho. Uma inquietação pairava sobre os outros Pokémon que ali viviam, outras Jynx choravam, Smeargles checavam e rechecavam anotações e, principalmente, Detetive Wobbuffet aparentava estar tenso.

O grupo se aproximou dele.

— Oi, tio. O que aconteceu?— perguntou Psyduck.
—Olá, meninos! Ainda bem que vocês chegaram. Recebemos informações que milhares de casas não receberam suas entregas de presentes...
— Como isso é possível?— questionou Bulbasaur. — Nós fizemos tudo certinho!
— Eu não sei... ¼ dos presentes não foram entregues.
— ¼? Que engraçado, somos em quatro... Então, fica parecendo que um de nós não entregou os presentes — comentou Psyduck, rindo.

Os demais se entreolharam.

— Pera aí... Cadê o Pichu? — questionou Wobbuffet.




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