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Capítulo 69
Ethan abriu os olhos e
despertou antes mesmo de o despertador, marcado às 8 da manhã em ponto, tocar.
Com os olhos semicerrados, notou que a luz alaranjada do sol matinal havia
penetrado pelas cortinas fechadas da sala onde dormia. Espreguiçou-se e ergueu
a cabeça, notando o colchão no chão próximo do sofá em que estava onde Chase e
Elaine dormiam tranquilamente, com a menina abraçada com o Snubbull de pelúcia
e ele com Takara deitado sobre seu corpo. O garoto levantou-se com cautela, pegou
sua mochila no pé do sofá, passou pelos gêmeos e se dirigiu ao banheiro.
O som da descarga chamou a
atenção de Forrest, que estava de pé no balcão da cozinha naquele instante,
colocando a água do café para ferver.
Os dois, acompanhados de
Elaine e Chase, haviam passado a noite na casa de Sunny, que havia voltado ao
endereço depois de muito tempo. Tuscany havia deixado preparado em casa um
jantar especial para comemorar sua vitória no concurso Miss Cerejeira, mas depois
de sua derrota, ela não queria nem tocar no cardápio.Acabou cedendo ao apelo
dos amigos que insistiram em fazer algo para ela que, como adorava só um pouco ser o centro das atenções,
não resistiu.
As horas foram passando
como minutos. Joey quase se esquecera de comentar com Forrest a respeito do
evento da Batalha da Fronteira que aconteceria em Ecruteak dali a poucas semanas.
Ele e Gabrielle decidiram seguir para o Centro Pokémon para passar a noite
enquanto Forrest convenceu Ethan a ficar com ele, Sunny e Tuscany — esta última
que ofereceu seu quarto, o maior da casa, para a mais nova ficar com Forrest e
passou a noite no quarto de hóspedes. Ethan preferiu dormir no sofá ao ter que
dividir o quarto com a loira enquanto ela fingiu não ver os olhares de reprovação
de Elaine que, curiosamente, fezEthan lembrar de Amy. Era o mesmo olhar reprovatório
que ela costumava dar quando ele fazia ou falava algo idiota.
Ele andava pensando tanto
nela nos últimos dias que a enxergava em cada passo de Chase e Elaine.
— Bom dia — cumprimentou
Ethan, bocejando, ao sair do banheiro, com a camiseta velha e a calça de
moletom substituídas pelo visual de viagem que o garoto costumava usar.
— Bom dia. Conseguiu dormir
bem? — perguntou Forrest apontando com o queixo para o sofá.
— Pra quem vai passar as
próximas noites dormindo no chão das rotas no caminho até Violet, encarar um
sofá não é nada — riu o garoto. — Que horas nós vamos sair hoje?
Forrest desviou o olhar e
dirigiu-se até um armário próximo, procurando o pó de café.
— Cara, eu andei
refletindo... Acho que eu não vou seguir viagem com vocês.
Um silêncio tomou conta do
ambiente, sendo quebrado apenas pelo ronco leve de dos gêmeos que ainda
dormiam.
— Como assim não vai? Não
vai me dizer que é por causa da Sunny.
— Tá bem, então eu não
digo.
O cheiro de café já perfumava
o ambiente e harmonizava com o silêncio ensurdecedor que pairava sobre ele.
Ethan fechou os punhos e os olhos, mas, para surpresa de Forrest, nada disse.
Respirou fundo e caminhou em direção ao amigo, olhando no fundo dos seus olhos
puxados.
— Se é o que você quer
fazer, você tem o meu apoio. Eu não concordo, mas não posso ser contra uma
decisão que você acha que vai ser o melhor pra você.
Forrest olhou para o amigo
com as sobrancelhas erguidas. De todas as reações possíveis que pensou que
Ethan teria, aquela com certeza não estava na lista.
— Eu... Fico realmente
feliz por ouvir isso de você.
— Eu estaria sendo egoísta
se eu não te apoiasse. Mas... Eu não posso ficar aqui. Eu preciso seguir pra
Ecruteak.
Forrest riu.
—
Muitos treinadores estariam preocupados essa hora de treinar pra Liga Pokémon.
Você realmente está focado nela... — Ethan
deu um sorriso sem graça.
Conforme
o cheiro do café e o som do impacto das frigideiras nas grades do fogão iam
tomando conta da casa, os demais foram se reunindo na cozinha. Primeiro, Elaine
e Chase, que fizeram questão de guardar os colchões em que dormiram e dobrar os
cobertores antes de irem usar o banheiro e se arrumar antes de se alimentarem
para seguir viagem.Em seguida, Tuscany, que desceu as escadas descabelada e com
cara de poucos amigos. Ethan até se perguntou como aquela criatura poderia ser tão bonita em um dia para amanhecer daquele jeito no dia seguinte. Resolveu
não expressar o pensamento em voz alta para não perder os dentes da frente com
um provável soco que levaria da moça. Ela pareceu não ter notado. Logo
desapareceu, aparecendo completamente diferente exatos vinte minutos depois,
com os longos cabelos perfeitamente arrumados e um belo vestido xadrez. Ela até
mesmo saiu para ir à padaria comprar complementos para a refeição.
O
cardápio estava variado —ovos mexidos, bandejas com mortadela, presunto e mussarela
e outros frios em geral—, já fazia muito tempo que Chase e Elaine não tinham
uma refeição como aquela, afinal, mesmo no Centro Pokémon, as opções de café da
manhã não costumavam ser tão fartas. Sunny assou duas dúzias de pão de queijo,
sem falar na variedade infinda de pão francês, italiano, de forma, integral e
sovado.
Ethan
fora o primeiro a terminar de comer. Ativou o mapa na sua PokéGear e começou a
elaborar com Forrest o melhor caminho a ser feito para a próxima cidade.
—
Siga pelas Rotas 30 e 31, quando alcançar Violet continue seguindo o percurso
pelo leste e Ecruteak estará logo após a Rota 37. Na Rota 36, você pode seguir
para Goldenrod pelo sul de novo, se você quiser — explicou o moreno.
— Certo, eu entendi —
respondeu Ethan, preferindo não questionar como saberia que estava indo para o
leste ou para o sul. Era Forrest quem costumava tomar conta dos mapas e trilhas
feitos pelo grupo. Ele olhou para os gêmeos e os apressou. — Partimos quando
vocês estiverem prontos.
— Eu só preciso trocar de
roupas — comentou Elaine de boca cheia após dar a última mordida no pão com
margarina.
— Eu já estou pronto —
respondeu Chase, ajustando o boné na cabeça.
Forrest soltou uma
risadinha.
— Confesso que já estou com
saudades de vocês.
Elaine quase se engasgou
com o achocolatado.
— Por que você está dizendo
isso? Você não vai com a gente?
— Você diz como se fosse um
adeus, é mais um “até breve”. Preciso resolver umas coisas aqui.
A menina olhou para Ethan
como se procurasse algum suporte da parte do garoto, mas o rapaz só se levantou
da mesa com um prato vazio e uma xícara em cima e se dirigiu à cozinha.
— Daqui a pouco nós
seguimos viagem.
Elaine olhou para o irmão
que também não disse nada. Como sempre, Chase era do tipo que nunca se
manifestava, mesmo quando lhe era solicitado.
***
Com um breve aceno de
cabeça, Ethan se despediu de Forrest, que permanecia parado na frente da porta
ao lado de Sunny e Tuscany. O garoto virou-se de costas, em direção à estrada,
e caminhou alguns metros, sem olhar para trás para ver o aceno dado pelas moças.
Elaine hesitou por um instante, mas Chase arrumou o boné em sua cabeça e
virou-se para o trio na porta.
— Muito obrigado por nos
deixar passar a noite. Espero vê-los de novo algum dia.
Elaine olhou para Forrest
ainda com a expressão incrédula.
— Você realmente vai ficar,
tio? Por quê?
O rapaz olhou para a menina
e sorriu.
— Acho que nós precisamos
de uma pausa.
— “Nós”? — repetiu Elaine.
— Eu acho que ele não está
falando da gente — disse seu irmão.
Forrest confirmou com a
cabeça.
— Eu preciso ficar para
acertar algumas coisas.
— Você não pode acertar
enquanto viaja com a gente? — insistiu Elaine.
— Não é um adeus, Elaine, é
um até logo.
— Mas, mas...
Chase segurou na mão da
irmã e a puxou para junto de si. Elaine permanecia olhando para Forrest que a
encarava ainda com um sorriso terno no rosto enquanto via os irmãos se
afastarem da casa.
— Você tem certeza de que
quer ficar? — perguntou Sunny, tocando o rosto do garoto.
— Tenho. Preciso de um
tempo só pra me entender comigo.
— Você pode ficar o tempo
que quiser.
— Eu agradeço — respondeu o
moreno dando um selinho na moça.
Tuscany olhou para os dois
com certo desprezo.
— Se você lavar a louça
todo dia, eu até deixo você ficar mesmo.
— Tus! — Repreendeu
Tuscany.
— Ela está certa. Eu posso
até fazer o almoço, se vocês quiserem.
— Não precisa...
— Agora você está falando a minha língua, cunhado! — exclamou
Tuscany, passando o braço atrás dos ombros de Forrest e o levando para dentro
da residência.
Ethan caminhava em
silêncio, a caminho da saída da cidade de Cherrygrove. Segurando as alças da
mochila, aproximava-se do PokéMart da cidade, o grande mercado de telhado azul que,
curiosamente, estava cheio de clientes, muito provavelmente por causa do
festival que acontecera no dia anterior — o local costumava receber uma parcela
muito menor de treinadores em dias convencionais.
Elaine não parecia nada
contente. Enquanto Ethan pagava os itens de uma lista escrita por Forrest que,
entre os itens, constava PokéBolas, Poções, Repelentes e Cura-Paralisia, a
menina permanecia emburrada, de braços cruzados, do lado de fora do local.Chase
fazia um chamego no cocuruto de Dunsparce e parecia não perceber o mau humor da
irmã.
Ethan saiu do
estabelecimento com duas sacolas cheias na mão. Agachou para arrumar os itens
dentro da mochila e reparou na expressão da menina.
— Vocês brigaram?
— Eu não tenho nada a ver
com isso — respondeu Chase, rapidamente.
— Então o que tá
acontecendo?
— Você ainda pergunta? —
bufou a menina. —
Como que você pode estar tão tranquilo com o Forrest querendo ficar em
Cherrygrove?
Ethan não respondeu. Tirou a incubadora com o ovo Pokémon de dentro da mochila para conseguir mais espaço e o entregou para Elaine.
— É mais fácil aceitar do
que me perguntar o motivo. O Forrest não foi o primeiro a querer ir pra outros
caminhos... A Amy, a menina de quem comentamos sempre, já tinha decidido seguir
viagem sozinha. Eu tive uma Pokémon, Flaaffy, que também decidiu ficar com a
Líder do Ginásio de Olivine e ajudá-la no farol que tem lá. Todo mundo tem seus
motivos.
O rapaz terminou de arrumar
as compras dentro de sua mochila. Levantou-se após fechar o zíper e olhou para
os irmãos, arrumando a alça da mochila nos ombros.
— Eu mesmo não sei até
quando vocês dois vão seguir viagem junto comigo. Eu não sei lidar com
despedidas, mas eu vou me esforçar pra não ser egoísta o bastante pra impedir
alguém de fazer o que lhe deixa feliz.
Elaine olhou para Chase e
baixou a cabeça, constrangida.
— Me desculpe...
— Você não tem com o que se
desculpar — sorriu Ethan. — Está tudo bem. Só preciso saber se vocês vão comigo
ou se pretendem ficar também.
— Nossa meta é Ecruteak —
respondeu Chase. — Vamos com você.
— Isso é ótimo. Então é melhor
começarmos a andar porque a viagem é longa.
***
As horas foram passando.
Junto com a tarde, o vento frio do auge do inverno vinha junto, anunciando que
o mês de agosto se aproximava. O céu estava colorido com um tom
laranja-avermelhado, cores que só aquela época do ano podia produzir. Johto
continuava sendo uma região muito bela, mesmo com as baixas temperaturas
teimando em dar as caras. Como sempre, Ethan parecia não se incomodar, visto
que andava de bermudas e com a mesma blusa de frio fechada até o topo do tórax,
caminhando com as mãos no bolso.
Elaine permanecia olhando o
ovo do garoto e cuidando dele como a coisa mais preciosa do mundo — deu até um
jeito de amarrar o Snubbull de pelúcia na mochila para que continuasse a
carregá-lo mesmo com a incubadora nos braços. Chase até se permitia achar
engraçado o fato de que aquela pelúcia encarava o caminho pelo qual passavam
como se usasse um Scary Face, fazendo com que alguns Pokémon pequenos
que moravam por entre as vegetações daquelas rotas sequer cogitassem em se
aproximar.
— Vamos dar uma pausa?
Daqui a pouco anoitece e eu estou ficando com fome... — suspirou Ethan. —
Andamos uma boa parte do caminho, amanhã chegamos em Violet antes do almoço.
— Por mim tudo bem —
concordou Chase. — Vamos precisar montar o acampamento.
— Geralmente o Forrest que
monta, né? Por onde ele começava? — Elaine parecia tentar puxar da memória a
resposta da própria pergunta.
— Podemos começar
recolhendo material pra cozinhar. Eu sei que tem uma lagoa aqui perto...
— Eu posso ir buscar água!
— Exclamou Elaine. — Queria passar mais um tempinho com ele.
A menina abraçava a
incubadora. Chase a encarava com certo desdém.
— Eu não acho que seja
muito inteligente você ficar sozinha com esse ovo.
— Por quê? Pra sua
informação, eu posso cuidar muito bem de qualquer Pokémon que eu quiser! — E
mostrou a língua.
— Tá legal, tá legal, vamos
acalmar os ânimos... — Ethan tentou intervir. — Preciso de ajuda pra procurar
madeira. Elaine, você cuida da água que usaremos pro ensopado.
O menino pareceu
contrariado. Elaine, no entanto, abriu um sorriso de uma ponta a outra dos
lábios.
— Ok! Pode contar comigo!
A menina pegou uma das panelas
cedidas por Ethan e colocou dentro de sua mochila. Elaine agarrou a incubadora
e saiu praticamente saltitando em direção à lagoa que ficava por entre as
margens da Rota 31. Ethan não pode deixar de soltar uma risadinha ao ver a
cena.
— Você acha mesmo tudo bem da minha
irmã sair sozinha com um ovo Pokémon nas mãos? — Chase parecia realmente
preocupado.
— O que pode dar errado? — Ethan deu
de ombros. — Vamos, precisamos encontrar lenha pra fogueira.
***
Elaine permanecia agachada na beira
da lagoa, cantarolando canções desafinadas. A menina fez questão de colocar a
incubadora confortavelmente em cima de algumas folhas secas que encontrou ali
próximo. Ela colocou a panela dentro do
lago e a encheu com água até mais ou menos metade. Ouviu passos e, ao se virar,
tomou um susto.
No lugar da cabeça, um monitor de
computador. Vestia um macacão verde que era largo, frouxo a ponto de esconder
todo e qualquer traço de seu corpo, o que dava àquela figura um status ambíguo
que contribuía mais ainda com o seu mistério. Aproximava-se lentamente, em um
passo marcado, exagerado, de forma maniqueísta, de forma que Elaine, a
princípio, achou engraçado.
A figura com cabeça de monitor
aproximava-se devagar. Podia-se dizer que estava até encarando a menina, mas
Elaine não sabia se a pessoa enxergava alguma coisa atrás da tela, não era
possível enxergar seu rosto.
— Quem é você? — Era a única pergunta
que Elaine poderia fazer naquele momento.
A figura não respondeu. Arqueou a
cabeça de forma curiosa e a menina sentiu que estava sendo observada.
— Você não é de falar muito, né? — A
menina riu sem graça. — Mas eu gostei muito do seu cosplay. Foi inspirado em
que personagem?
A atenção daquele ser foi desviada
para a incubadora que estava ao lado.
— Você gostou? Esse ovo é do meu pai.
Ele me deixou cuidar enquanto ele monta o acampamento. Eu me pergunto qual
Pokémon vai nascer dele...
A pessoa por detrás daquela fantasia
aproximou-se da incubadora e a pegou no colo.
— Ei, isso é meu! — Exclamou a
menina, levantando-se imediatamente.
O indivíduo saiu correndo de maneira
cômica, arqueando as pernas de forma ágil e seguindo em direção à entrada da
cidade de Violet, alguns poucos quilômetros de onde estava. Elaine saiu em
perseguição e sacou uma PokéBola do bolso dos shorts. Eevee saiu da cápsula e
não tardou a acompanhar a treinadora na perseguição.
— Vera, Buzzy Buzz!
Os pelos da Eevee da menina se
eriçaram. A energia estática transformou-se em um poderoso choque elétrico que
foi arremessado na direção da figura que corria com a incubadora nos braços.
Atingido, o ser tropeçou no gramado e caiu para a frente quando sentiu os
músculos de seu corpo travarem. A incubadora atingiu o chão e a sua tampa se
abriu e o ovo que se encontrava dentro, rolou para fora. Elaine correu para
tentar salvá-lo, mas a criatura mascarada agarrou um dos pés da menina e fez
com que ela caísse para a frente, empurrando o ovo para a borda do barranco
onde ambos estavam. O ovo rolou e, aos poucos, foi ficando cada vez mais veloz,
até que saiu de controle e acelerou para dentro do bosque, desaparecendo por
dentro das árvores. Vera, a Eevee de Elaine, saiu correndo para tentar
impedi-lo de ir muito longe, também desaparecendo por dentro do bosque.
Apesar da tela de computador ter
rachado com a queda, Elaine não se preocupou em ver qual era a face daquela
pessoa que tentou roubar o ovo de Ethan. A menina apenas chutou aquele ser e,
ao sentir seu pé ser solto por um breve momento, se jogou em direção ao
barranco e, tal qual o ovo, saiu rolando em direção ao bosque.
...
A luz do sol era coberta pela
densidade das folhas das árvores gigantes que faziam parte daquele ambiente.
Não era possível sequer ver o solo, visto que o chão estava completamente
coberto pelas folhas que caíram das centenas de árvores próximas. Elaine sentiu
seu joelho arder, e ao olhar para as pernas, viu os machucados causados pela
queda. Canelas raladas e cotovelos feridos, mas aparentemente, apesar dos
hematomas, ela não havia quebrado nada ou feito algum machucado mais sério. A
menina se levantou com certa dificuldade, escorregando devido à falta de atrito
entre seu tênis e o solo coberto pelas folhas e tentou estudar o ambiente ao
seu redor. Não havia sinal nas proximidades de Eevee ou do ovo. O frio na barriga
tomou conta da menina que sentiu o coração palpitar, mas respirou fundo e
tentou manter a calma; o sol ainda não havia se posto, então havia ainda a
chance de Elaine encontrar o ovo de Ethan. Sabia que Vera iria proteger o ovo,
mas precisava encontrá-la antes que algum Pokémon selvagem atacasse.
— Vera? Onde você está? — perguntou a
menina, quase em um sussurro. Tinha medo de fazer barulhos que denunciassem a
sua localização para prováveis Pokémon selvagens que certamente a devorariam na
primeira oportunidade.
Elaine ouviu passos e, ao olhar para
trás, viu a figura misteriosa aproximando-se com velocidade. Tratou de se
esconder atrás de um tronco grosso enquanto tentava abafar a respiração para
não chamar a atenção da pessoa com um monitor na cabeça que protegia sua
identidade. Olhou para um lado e para o outro e não viu sinal de Elaine. Optou
por seguir sua intuição e caminhar para o lado oposto do qual a menina estava
escondida. Elaine respirou aliviada e, após confirmar que a figura misteriosa se
encontrava já distante, por meio da mata, a menina disparou em frente, tentando
encontrar algum sinal de Vera e do ovo. Ela começou a observar o ambiente e
notou uma situação estranha; havia casulos e crisálidas penduradas nos galhos
das árvores e tais casulos eram dispostos em fileiras organizadas em tamanhos
diferentes. A menina abriu a boca, mas não saiu som algum.
Com um pouco de observação, chegou-se
à conclusão de que as crisálidas e os casulos eram Kakuna e com certeza aquele
era o ninho deles. Então, se havia Kakuna, com certeza haveriam...
O zumbido do bater de asas de um
Beedrill passou a metros de onde Elaine estava escondida, mas por sorte, a
menina não foi notada. Agora ela se encontrava tão nervosa quanto havia
chegado. A garota pegou uma PokéBola e, tentando fazer o maior silêncio
possível, saiu na ponta do pé apoiando-se nos grandes troncos ao redor para não
escorregar. Não conseguiu evitar, no entanto, o som dos galhos secos que
quebravam no chão enquanto a menina caminhava. Ao longe, alguns pios do que
Elaine supôs serem de Pidgey, mas era óbvio que nenhum Pokémon selvagem iria
encarar um enxame inteirode Beedrill. Talvez por estar adentrando o bosque,
Elaine começava a sentir um arrepio no corpo quando o vento frio que soprava da
Rota 31 a tocava. O sol continuava seu caminho natural de se esconder atrás da
Caverna Escura e a menina já começava a ficar ainda mais apreensiva com o fato
de se perder na floresta. Ela tentou apertar o passo, mas quanto mais andava,
mais barulho fazia e o medo de chamar a atenção dos Kakuna aumentava e isso a
fazia perder o equilíbrio. O ciclo se repetia cada vez mais intensamente.
Mas não foram os passos de Elaine que
despertou o enxame.
Metros à frente de onde a menina
estava, um berro que ela reconheceu. Um clarão cortou por entre as árvores e
fez Elaine cobrir os olhos. Os pelos de seus braços arrepiaram. Um forte zumbido
começou a tomar conta do ambiente e logo Elaine percebeu que os Kakuna
pendurados nos galhos e nos grossos troncos das árvores daquele bosque começaram
a brilhar e seus corpos começaram a se transformar. Asas cresceram de suas
costas, seus abdomens rasgaram-se e de dentro de suas entranhas, saíram ferrões
afiados. Os casulos caíam aos montes enquanto um enxame de Beedrill ia se
formando ao redor de Elaine e formaram uma grande e ameaçadora sombra em cima
que cobria a garota de forma assustadora. Ela segurou a PokéBola com força e
levou o dedo indicador até o botão central, até quea atenção fora desviada
quando percebeu uma das enormes árvores logo à frente caindo ao chão. Elaine
saiu correndo enquanto os Beedrill voavam atordoados tentando se proteger do
perigo iminente.
Uma clareira havia se formado onde
Elaine havia visto o clarão à primeira vez. Havia fuligem nas raízes do que
havia sobrado de árvores naquele trecho do bosque, muito provavelmente
consequência do Buzzy Buzz que Eevee
havia usado para se defender. Mas o foco da menina estava bem à sua frente: Vera
encarava a figura misteriosa que tinha parte de um monitor de computador que
cobria sua cabeça e que, apesar de ainda não revelar seu rosto por completo,
podia-se ver que estava bastante irritado. Elaine percebeu que Vera protegia o
ovo, mas a pressão da menina quase caiu quando ela notou uma grande rachadura
em sua casca, provavelmente oriunda da queda de mais cedo.
— Não, não, não, não, não... —
repetia Elaine em desespero.
A figura misteriosa sacou uma
PokéBola de um dos bolsos do macacão azul. Ao apertar o botão da cápsula, um
Pokémon curioso materializou-se no ar. Ele era redondo, cor-de-rosa e tinha uma
espécie de bico achatado na cor azul, mesma cor da parte debaixo de seu corpo. Elaine
rapidamente sacou sua PokéDex.
— Porygon2,
o Pokémon Virtual. Esta versão atualizada do Porygon foi projetada para
exploração espacial. Mas não pode voar— informou o aparelho.
A figura misteriosa puxou a manga do
macacão e revelou um pequeno teclado de pulso dentro de um relógio inteligente.
Digitou alguns comandos e Porygon2 começou a se dividir na frente de Elaine,
que deu um grito.
— Que tipo de Pokémon é você?! — gritou
a menina.
O Pokémon foi sugado para dentro do
relógio inteligente da figura misteriosa. A tela do monitor em seu rosto
acendeu e logo um sprite do Pokémon
que segundos antes estava materializado no mundo real surgiu.
Elaine então ouviu uma voz disfarçada
por um filtro robótico falar com ela em uma mistura proposital de timbres
graves e agudos, distorcendo-a.
— Game.
Over.
Da ponta do dedo indicador do seu
oponente começaram a sair fagulhas de luzes coloridas que circulavam ao redor do
dedo em três cores diferentes, amarelo, azul e vermelho. Rapidamente, as
fagulhas transformaram-se em partículas e tais partículas dividiram-se em seus
grupos de respectivas cores, aglomerando-se e se reunindo em um piscar de
olhos. O ser mecatrônico levantou o polegar rente ao indicador e o utilizou como
mira, fixando a pontaria bem no meio da testa de Elaine. A menina arregalou os
olhos e jogou seu corpo para o lado na direção de Vera enquanto a figura
misteriosa acionava o gatilho, baixando o polegar. O Tri Attack atingiu em cheio o tronco da árvore que Elaine estava
escorada, abrindo um enorme buraco no centro.
A menina guardou a PokéBola que
segurava de qualquer jeito dentro do bolso dos shorts, agarrou Vera pelo tórax
com uma mão e com a outra, segurou o ovo Pokémon rachado com firmeza, saindo em
disparada para dentro do bosque. Os disparos do Tri Attackeram constantes e por muito pouco não atingiam Elaine, que fazia o
possível para não escorregar no chão coberto de folhas úmidas.
No
entanto, a menina veio ao chão quando um dos raios disparados pelo seu
perseguidor a atingiu no pé direito, congelando-o imediatamente e fazendo a garota
gritar de dor. O ovo mais uma vez escapou dos braços dela e rolou alguns metros
até parar debaixo de uma das árvores do bosque, deixando um rastro de cascas
por entre as folhas no chão. Elaine ouviu os passos da criatura misteriosa
aproximando-se com rapidez e, ao olhar novamente para ele, viu que o Porygon2
ainda se mantinha na tela, como se tomasse para si a identidade de seu algoz.
Elaine
rapidamente tentou buscar alguma saída para a situação em que se encontrava.
Ouvia a massa sonora que o zumbido do bater das asas do enxame de Beedrill,
metros adentro do bosque, ela não tinha para onde correr. Até mesmo em uma
árvore próxima havia um Kakuna pendurado por um fio de teia em um galho. A
menina começou a se arrastar para trás, para longe da figura misteriosa, mais
próxima do ovo Pokémon e cada centímetro que a menina se afastava, a pessoa— ou
o Porygon2? — aproximava-se o dobro.Elaine sentiu quando suas mãos encostaram
em um galho relativamente grande e o agarrou com força. Sem pensar duas vezes,
a menina o arremessou na direção da figura misteriosa, que desviou. O galho
voou e atingiu o exato local onde o casulo de Kakuna estava pendurado,
derrubando-o no chão.
A
menina podia garantir que aquele Porygon2 sorriu para ela de forma maligna.
—GAME. OVER. TURN OFF. THE POWER. — A voz
robótica do Porygon2 ecoou pelo bosque de forma medonha.
No
entanto, algo chamou a atenção da figura mecatrônica possuída pelo Pokémon
Virtual. Um clarão de luz iluminou o local que já estava ficando escuro devido
ao pôr do sol. Ao se virarem para o foco de luz, testemunharam o Kakuna que
caiu da árvore transformar-se aos poucos em uma abelha gigante. O Beedrill
surgiu do que antes era o Kakuna e seus ferrões foram apontados ameaçadoramente
para os dois humanos à sua frente. O Beedrill avançou para atacar, mas a figura
mecatrônica controlada pelo Porygon2 apontou seu dedo novamente para o Pokémon
selvagem e da ponta do indicador saiu um raio tricolor, o que afugentou o
Beedrill para dentro do bosque.
O
ser mecatrônico se virou para Elaine e apontou o dedo para o rosto da menina.
Ainda saía a fumaça do último ataque. Vera rosnou e avançou em direção à figura
misteriosa, mordendo seu braço, mas foi arremessada para próximo de onde Elaine
jazia deitada. O Porygon2 voltou a fazer uma expressão macabra; dentro da tela
daquele monitor de computador ele demonstrava ter tudo sob controle — o que era
óbvio, afinal, Porygon2, acima de tudo, era um programa de computador. O dedo
foi apontado mais uma vez para o rosto de Elaine e o polegar foi erguido,
servido como mira para o Pokémon Virtual poder calcular com precisão o tiro que
não iria errar desta vez.
Sua
concentração, no entanto, foi interrompida com um barulho ensurdecedor. Um
zumbido que foi crescendo e foi engolindo o espaço e se tornando cada vez maior,
em uma onda sonora que aumentava — e assustava — a cada segundo. Do meio das
árvores, centenas de Beedrill voavam em disparada e se colocaram ao redor de
Elaine e da figura misteriosa que controlava — ou era controlada por —
Porygon2. A menina arregalou os olhos. O medo era maior do que a dor lancinante
no tornozelo.
Raios
foram disparados do dedo indicador da figura com capacete de monitor, mas eram
tantos Beedrill que seus ataques não funcionavam. Elaine tentava escapar dos
ferrões mortais dos Pokémon Abelha, mas o enxame parecia mais concentrado em
atacar o Porygon2 dentro do ser mecatrônico do que atacar a menina. Elaine, no
entanto, foi pega de surpresa quando um Beedrill voou com velocidade em sua
direção, com o ferrão do rabo apontado para ela. A menina fechou os olhos e
encolheu o corpo. Vera correu para defender sua treinadora, jogando seu corpo
contra o Pokémon que conseguiu apenas quebrar o gelo que prendia o tornozelo da
garota quando um de seus ferrões dianteiros o atingiu quando Eevee o acertou.
Não
se podia ter um número exato de quantos Beedrill circulavam dentro daquela
clareira. Elaine se jogou em cima do ovo Pokémon para protegê-lo com seu corpo
enquanto Vera, apesar de seu corpo pequeno, se colocava diante do enxame pronto
para defender sua treinadora a qualquer momento.
—
Vera! Nós não praticamos muito esse golpe ainda, mas... Eu acho que é o único
jeito de sairmos daqui com vida...
A
Eevee concordou com a cabeça, já sabendo onde sua treinadora iria chegar.
—
Use o Freezy Frost!
Vera
concentrou-se enquanto sentia seus pelos se arrepiarem. As unhas em suas patas
se fincaram no chão e um vento frio começou a emanar de seu corpo, cercando em
rodamoinho os arredores. As pupilas da Eevee ficaram brancas e o ar
cristalizou-se em flocos de neve. Vera fez com que estalagmites de gelo se
formassem no chão a sua frente, mas eram pequenas demais para acertar um único
Beedrill, já que o enxame voava alto e descia sorrateiro apenas para continuar
atacando a figura misteriosa, que se debatia para tentar afastar os Beedrill
sem sucesso. Vera não escondeu a expressão de decepção.
—
Não pode ser... — murmurou Elaine, visivelmente preocupada. — Vera, Buzzy Buzz!
A
Eevee se recompôs e mais uma vez se colocou em posição de combate. Seus pelos
se eriçaram e, novamente, um choque elétrico foi disparado da energia estática
que se formou, dessa vez derrubando algumas dúzias
do enxame no chão da floresta. Elaine rapidamente sacou uma PokéBola, decidindo
impulsivamente capturar cada um dos Beedrill para que o ataque cessasse, mesmo
consciente de que ela não tinha PokéBolas o bastante para isso. Arremessou a
primeira cápsula em um Beedrill próximo de onde ela estava. Curiosamente, ele
era bem maior do que os demais da mesma espécie e, talvez pelo seu tamanho,
tenha tomado os maiores danos para defender seu grupo. O Pokémon foi sugado
pelo raio vermelho e a PokéBola mal se moveu: a captura tinha sido um sucesso.
Se preparava para pegar a segunda cápsula quando, de dentro do bosque, ouviu seu
nome sendo chamado.
— Stone
Edge!
O chão se rasgou. Um urro ensurdecedor
cobriu o zumbido formado pelo bater de asas do enxame de Beedrill. De dentro do
solo, uma massa sólida de pedra e terra formou grandes pilares que avançaram
com violência em direção ao centro do conflito, atingindo em cheio os Beedrill
e a figura misteriosa que estava entre eles. Elaine deu um grito agudo, mas o
susto foi maior quando viu Tyranitar derrubar as árvores com a mesma facilidade
com a qual se abre uma janela em um dia ensolarado. Logo atrás dele, Ethan
apareceu completamente afobado.
— Elaine! — Exclamou o rapaz,
correndo em direção à Elaine
— O ovo! O ovo! — Gritava a menina
para ele, enquanto se desesperava vendo a casca se desfazer aos montes.
Ethan pegou Elaine no colo e gritou
para seu Pokémon. Tyranitar colocou Vera cuidadosamente em um de seus ombros e
segurou seu treinador, que continuava a segurar Elaine nos braços, com
segurança nos seus próprios braços, rapidamente se dirigindo de volta por onde
vieram, deixando o enxame de Beedrill atordoado e sem notar o treinador com seu
Porygon2 que aos poucos iam perdendo a batalha contra eles.
Assim que a estrada da Rota 31 foi
tocada, Tyranitar colocou seu treinador no chão com cuidado. Ethan ainda
segurava Elaine com certa apreensão, a menina ainda estava em estado de choque
e soltava palavras desconexas, olhando para o ovo Pokémon que mantinha a sua
casca se esfarelando.
— O ovo... O ovo... Eu quebrei o ovo,
eu... — Elaine não parava de chorar.
— Ei, tá tudo bem, Elaine, você
não... — Ethan tentou acalmar a menina, mas foi interrompido quando uma massa
sonora o cortou. Não era de asas do enxame de Beedrill o perseguindo. Eram
sirenes e motores de carros em alta velocidade que vinham de todos os lugares.
Os carros da polícia os cercaram.
Quando as portas abriram, rosnados dos Growlithe e Arcanine acompanharam o
grupo de dezenas de oficiais vestidos com jaquetas vermelhas que foram para
cima dos dois, circulando-os.
— Como uma Pokémon Ranger em serviço,
estou informando que vocês estão presos por invadir e destruir uma área
preservada!
Como se não bastasse o choque de
Elaine em ter quebrado ovo de Ethan e com certeza matado o Pokémon que havia
nele, ser atacada por um desconhecido e por um enxame de Beedrill selvagem, os
problemas agora chegaram em um outro patamar. Ethan mal conseguiu reagir. Como
que eles iriam sair dessa?
TO BE CONTINUED...