Capítulo 72

 


Pela primeira vez em algum tempo, Karen não se preocupava com a imprensa do lado de fora. A polícia havia cercado a área e impedido que repórteres e curiosos de plantão entrassem no local.Naquele instante, ao invés de alguma curta declaração decorada escrita pelos seus assessores, havia apenas o silêncio causado pela raiva. Seus olhos, escondidos por um par de óculos escuros, observavam a bagunça que estava o Centro Pokémon. Uma fina poeira se assentava sobre a mobília e o barulho das sirenes do lado de fora disputava atenção com o som que vinha dos encanamentos quebrados, dos vidros estilhaçados das janelas dos quartos e portas dependuradas nos batentes. Fumaça vinha dos corredores e as luzes no saguão piscavam aleatoriamente. Chansey se sentia melhor da batalha de antes e já ajudava a Miltank de Whitney a socorrer os pacientes e levá-los até as ambulâncias que fariam a transferência para hospitais mais próximos.

 

Ela era uma celebridade; a mais bonita, eleita pelas revistas masculinas a treinadora mais atraente de todos os tempos.Magazines de modatraziam páginas e mais páginas sobre detalhes do look que usara no último verão e os segredos de seus cabelos sedosos e brilhantes.Tabloides queriam saber quem era o rapaz que fora visto jantando com ela na última semana. Já se podia imaginar que, após assumir o cargo na Elite 4, os cliques, as matérias, as notas de jornal seriam ainda mais frequentes e incômodos. Claro, agora a opinião pública sobre ela ganhava ainda mais força. Ela era linda. E uma mulher daquelas jamais teria a capacidade de aguentarà pressão do cargo por muito tempo.

 

Uma coisa, porém, a incomodava mais do que a fama e as fofocas: O ser humano. Alguém havia destruído o Centro Pokémon de Violet, ferira Chansey, poderia ter piorado a situação de diversos pacientes internados ali.

 

Por algum motivo, lembrou-se do dia em que fora convidada por Lance para ocupar o cargo que ostentava.

 

Diferentemente de outras reuniões, o Campeão da Liga Pokémon havia marcado aquela em específico na biblioteca do castelo do Planalto Índigo. A sala era enorme, grande o bastante para comportar pelo menos cinco Onix um em cima do outro. As estantes, organizadas em paralelo, eram todas de mogno, tão largas quanto a cordilheira do Monte Silver e tão altas que quase tocavam o teto. As escadas mantinham-se eretas, praticamente coladas às prateleiras; foram especialmente desenhadas para aquela função de auxiliar o interessado leitor a chegar aos livros guardados mais alto — geralmente os de temas mais complexos e científicos.

 

Lance, no entanto, não lia livro algum. Quando as portas da biblioteca se abriram e Karen aproximou-se dele com seus famosos óculos escuros, mantinha os olhos colados em uma revista, a edição mais recente da Faces & Famosos, que curiosamente estampava a foto da convidada na capa. Estava encostado em uma mesa larga, feita de carvalho, onde repousava um computador antigo, cujo monitor branco já se encontrava meio amarelado, um grampeador grande na cor preta, um porta-canetas de madeira com uma PokéBola esculpida no corpo e um montinho de papel sulfite tamanho A4 ao lado. No topo, um documento digitalizado, uma espécie de contrato, grampeado.

 

— Espero que você não esteja considerando que eu vá autografar essa porcaria — comentou ela cruzando os braços sem fazer questão alguma de esconder o descontentamento.

 

Ele, no entanto, sorriu e a respondeu sem tirar os olhos da matéria.

 

— A única assinatura sua que eu preciso é no contrato atrás de mim. Estava me informando mais sobre você.

— Tch. Você é só mais um fã que acha que me conhece porque sabe meu horóscopo.

 

Lance fechou a revista e olhou para a mulher.

 

— Eu acho engraçado que quanto mais eu leio e pesquiso sobre você, menos eu sei quem você é. Você é famosa. Tem uma legião de fãs. Tudo o que você diz e faz repercute em todos os lugares... Mas eu não sei quem você é, Karen Nox.

 

A mulher encarou o ruivo e não mudou a expressão dura. Não se podia ver através dos óculos escuros, mas seus olhos escanearam Lance de cima a baixo.

 

— Você conhece o que eu permito o que você ou qualquer pessoa conheça. Você deveria saber disso, afinal, a fama que você carrega é avassaladora.

— E é exatamente por isso que lhe fiz o convite de fazer parte da Liga Pokémon.

— Parece que nós chegamos no assunto importante — disse Karen removendo os óculos pela primeira vez e colocando-o no decote. Lance, no entanto, continuou olhando para seus olhos. — Por que o seu convite? A Liga Pokémon já não é famosa o bastante? Você não precisa da minha influência para que a mídia fale de vocês.

— Karen, você sabe o porquê dessa reunião ser nessa biblioteca?

 

A mulher desviou o olhar e conferiu os arredores. Havia milhares, dezenas de milhares de livros espalhados e organizados ali. Ela com certeza adoraria conferi-los. Se tivesse tempo para isso. Mas, é claro, seu tempo era sempre contado.

 

— Eu não faço ideia — respondeu por fim.

— Há um ditado que diz que não devemos julgar um livro pela capa. Só podemos dizer se uma história é boa ou ruim quando a lermos. Você tem uma capa bonita, parece ter uma sinopse interessante também... Mas e o seu conteúdo, senhorita Nox? Muitas bibliotecas adorariam tê-la em sua coleção, mas será que seus capítulos são interessantes o bastante para prender a atenção do leitor?

 

Ela riu.

 

— Que piegas essa sua comparação. Eu nunca li nada assim em nenhum livro.

“O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém”.

— Não cite Shakespeare pra mim. Eu atuei em uma peça dele na escola. Foi a pior experiência da minha vida.

— Então você conhece.

 

Karen fez uma expressão quase como se tivesse sido pega fazendo algo infantil e embaraçoso.

 

— Eu leio bastante. Muita coisa. Não só Shakespeare.

— Você tem medo do palco?

— Não. Pessoas. Meu maior problema são as pessoas.

 

Lance pareceu refletir sobre aquela afirmação.

 

— As pessoas realmente são... Complexas.

— Então você me entende.

— Sinceramente, não. Mas estou disposto a tentar — comentou Lance com um terno sorriso.

 

Karen ergueu a sobrancelha. Sem dizer mais nada, aproximou-se da mesinha onde Lance, minutos antes, estava encostado e pegou o contrato que estava em cima da pilha de papel sulfite.

 

— Vou pedir ao meu assessor para dar uma olhada nisso aqui. Mas não espere muito ansioso por uma resposta.

— Só a sua “olhada” já me é o bastante.

 

Algo trouxe Karen de volta para o presente. O toque de Will em seu ombro a despertou do transe.

 

— Tudo bem?

— Shakespeare... — ela citou ainda meio hipnotizada.

— Como? — perguntou Will, confuso. — Você está falando do escritor?

— Desculpa — ela se constrangeu por um momento antes de voltar a focar. — Não é nada.

 

Will e Karen caminharam pelos corredores do hospital até chegarem a uma ala da enfermaria que estava praticamente vazia, não fosse uma Blissey que cuidava de um pequeno ovo Pokémon com eletrodos em sua casca, ligados a um monitor em que era possível acompanhar os batimentos cardíacos da criatura que havia ali. Já exibia rachaduras, provenientes da queda de mais cedo quando rolou no chão sem querer durante a fuga de Elaine da figura misteriosa que a perseguia. Ela jazia sentada, com curativos nos dois joelhos, cotovelos e na têmpora, com uma expressão pesada de preocupação, olhando para o ovo, enquanto seu irmão apoiava um dos braços no ombro da menina, parecendo consolá-la.

 

Ao verem Will, os dois levantaram-se de supetão.

Chase ainda era muito novo, mas não desgrudou os olhos de Karen. Ela era a mulher mais bonita que ele já havia visto na vida — e olha que ele nem tinha tanto tempo de vida assim. Incomodada, Elaine pigarreou alto, tentando chamar a atenção do irmão e libertá-lo do feitiço de Karen, ainda que tenha tido pouco sucesso na tentativa.

 

— Meninos, esta é Karen. Ela é integrante da Elite 4 da Liga Índigo, assim como eu — o rapaz mascarado apresentou a mulher às duas crianças. Eles contrastavam. Will estava sempre exibindo um sorriso simpático. Já sua parceira emanava uma aura densa, escura. Seu rosto bonito trazia uma seriedade tão dura quanto o mármore, quase como se tivesse sido esculpido por um artista da Renascença. Ela os cumprimentou com um breve aceno de cabeça e pareceu não se importar com a encarada que Chase, sem perceber, dava a ela, completamente hipnotizado.

— Vocês são os dois garotos que foram perseguidos por uma criatura esquisita no bosque da cidade, não é? Contem-me mais sobre isso.

 

Chase balbuciou sons inteligíveis. Sua irmã o deu uma cotovelada, o que o fez perceber que estava babando, literalmente. O menino rapidamente ficou constrangido e tentou limpar a boca com as costas da mão.

 

— Por que você não começa, Elaine? — pediu Will, com seu sorriso simpático.

— Um cara. Eu acho que é um cara. Ele era adulto, alto, magro, vestia um macacão e usava um monitor de computador na cabeça. Parecia que o Pokémon que ele tinha, Porygon2, falava com ele... Ele falava quando entrava no relógio desse cara. Ele disparava coisas do dedo como se fosse uma pistola... Eu juro que é verdade, tia... — o tom de voz de Elaine aumentava a cada vez que ela prosseguia na descrição. Era realmente algo assustador.

 

Karen continuava olhando para os destroços próximos a ela. A lâmpada pendurada no teto, pedaços de tinta descascada no chão, um pedaço de calha tombada que era possível ver balançando do lado de fora pela janela.Parecia não ter prestado atenção na conversa de Elaine. No entanto, ela tirou seus óculos escuros do rosto e o guardou no decote.

 

— Você disse “um homem com um monitor de computador na cabeça”, certo?

— Isso mesmo — confirmou Elaine. — A gente sempre guarda os detalhes de alguém que por acaso quer matar a gente...

 

Will a encarava com uma expressão ansiosa.

 

— Acho que agora você entende o porquê de eu ter te ligado, não é? Você não se lembra de nada?

— Claro que eu me lembro. Eu sempre me lembro. Algo tão absurdo assim não dá pra esquecer do dia pra noite. Eu li seu diário uma vez... Aquele que foi publicado e recolhido das livrarias depois por causa das polêmicas ideias malucas sobre construir uma inteligência artificial capaz de monitorar as pessoas e ler, catalogar e aprender tudo sobre seus materiais e costumesque produzirem na internet para construir um salto temporal virtual.

— Do que vocês estão falando? — perguntou Elaine.

— John L. Akihabara — disse Karen, segundos antes de se lembrar da ênfase.Professor Akihabara.

— O maior gênio da tecnologia que eu já conheci — incrementou Will.

— Acredito que Bill, o que mora no Chalé do Mar próximo à Cerulean, não vai gostar nada de ouvir isso.

— Bill é um cara legal. Ele é um gênio no bom sentido. Akihabara era louco.

— Então esse tal de Professor Akihabara é o cara que me atacou? — perguntou Elaine, com uma voz fraca, temendo saber a identidade de seu algoz como se ele pudesse aparecer agora a qualquer momento.

— Muito provavelmente — respondeu Karen, dura, sem poupá-la.

 

Algo no diálogo de Will despertou Chase do transe.

 

— “Era” louco? O que aconteceu com ele? Como alguém que “era” pode atacar agora?

— O professor Akihabara morreu há alguns anos — disse Will, quase que refletindo sobre o assunto. — Ou, pelo menos, é o que tudo indicava.

— Ele foi um dos primeiros grandes cientistas da computação da era atual. Ele desenvolveu grandes pesquisas que hoje permitiram que cientistas da computação como Bill, Lanette e Bebe desenvolvessem o Sistema de Armazenamento de Pokémon.

— O sistema que permite enviar e guardar Pokémon no laboratório através da internet? — questionou Elaine.

— O próprio — respondeu Will.

— Mas... O que aconteceu com o Professor Akihabara? — perguntou Chase.

 

O universo era algo engraçado. Quase como uma grande novela trágica, onde seus personagens pareciam fantoches,reféns da vontade de um Ser Maior, uma força que o regia e determinava o destino de cada um: O Tempo. Escondido no meio da mata escura no interior dos bosques da Rota 32, algo — ou alguém — se fazia a mesma pergunta que Chase havia feito: O que acontecera ao Professor Akihabara? Onde ele havia perdido o controle?

 

Não que soubesse o que era o ato de respirar — não tinha sequer narinas para isso —, mas o ser misterioso tinha a impressão de que estava com falta de ar. Sua cabeça era de uma máquina, mas seu corpo era fraco. Era... humano. E isso ainda era o maior defeito que poderia ter. Mesmo sendo um aparato tecnológico perfeitamente programado para as mais diversas situações, para poder se mover, tinha que dividir o corpo com o que costumava ser um humano — e aquele era seu ponto fraco.

 

O corpo humano pelo qual estava anexado como um parasita era de um velho conhecido dele. Até se podia dizer, em uma situação diferente, que o homem controlava a máquina. Acontece que, o que antes era um cérebro, tornou-se um computador. Não havia nem sequer mais um coração — era um núcleo. Era uma criação que superou as expectativas, mas o criador não podia mais ver.

 

Ele havia se tornado a criatura.

 

Mas ele nunca previu que aquilo poderia sequer acontecer. O grande objetivo de John L. Akihabara era fazer o impossível:desenvolver um Pokémon cibernético, uma forma de vida digital, que pudesse ser trazido para o mundo real. O mais difícil não era a programação — era um assunto que ele dominava —, mas sim a segunda parte.

Suas pesquisas chamaram a atenção de um grupo de investidores que o levaram à Ilha Cinnabar, em Kanto, em um laboratório que já aplicava recursos em pesquisas científicas envolvendo outros assuntos ultra-secretosabrangendo Pokémon, como reviver antigas espécies de fósseis e até mesmo clonagem entre espécies;tabus que o Professor Akihabara conhecia e que sabia que eram assuntos importantes demais para serem evitados. Afinal, era quebrando tais tabus que a ciência trazia as respostas que a humanidade sonhava obter.

 

Tinha uma sala só para ele. Uma sala simples, de paredes lisas, ar condicionado, luzes artificiais brancas e grandes mesas, dispostas uma ao lado da outra, onde computadores de última geração repousavam, dividindo espaço com grandes máquinas e painéis pretos que piscavam luzes coloridas nos cantos do ambiente.Quer dizer, para ele e para outra pessoa. Mas esta vivia em silêncio.

Nunca havia mencionado uma palavra sequerdesde que se juntara a ele — John até chegara a pensar que ela tinha alguma deficiência auditiva, mas ela respondia com acenos de cabeça aos superiores quando eles vinham supervisionar o trabalho. Talvez ela só não gostasse de falar mesmo. Mas, não se podia dizer que ela era feia.Tinha os cabelos na altura do ombro, lisos, milimetricamente cortados para que nem um fio fosse maior que o outro. Tinha traços asiáticos, usava o mesmo jaleco branco que Akihabara, com o logotipo da empresa bordado no busto — Silph Company — e nunca pintava as unhas, apesar de elas estarem sempre impecáveis, cortadas e sempre limpas. O crachá que pendia em seu peito mostrava sua foto e embaixo seu nome: Lucy Lane.

Diferente dela, o professor nem ao menos se preocupava em pentear os cabelos verdes que pareciam que não viam uma escova há semanas já que passava grande parte do seu tempo com os olhos — que pareciam distorcidos graças às lentes grossas nos grandes óculos de grau que tomavam parte de seu rosto — grudados em um monitor e digitando linhas de códigos cada vez mais complexas.

 

Era como se Akihabara estivesse sozinho naquele lugar — e era assim que se sentia e não via o menor problema nisso. Portanto, considerava que estava sozinho em seu local de trabalho e, com isso, a sala era apenas para ele.

 

Conforme as semanas foram se passando, John Akihabara ia progredindo em seu trabalho. Entre bocejos aqui e ali, já tinha um protótipo pronto de uma criatura bicolor tridimensional que havia batizado de “Porygon”, palavra derivada de “polygon”, que, em tradução do inglês, significava “polígono”. Afinal, o programa que criava vida na tela à sua frente era feito disso, de polígonos azuis e cor-de-rosa movido aimpulsos eletromagnéticos do mundo virtual.

 

Os superiores pareceram bem contentes quando John L. Akihabara o exibiu a pleno funcionamento. Lucy Lane, no entanto, não pareceu muito impressionada.

 

As coisas começaram a mudar durante a segunda parte do projeto. Como fazer com que aquele ser virtual pudesse ser trazido para o mundo real?

Aquela pergunta ficou pairando na cabeça do homem por dias.

 

...

 

Os cabelos de Akihabara estavam ainda mais bagunçados naquela manhã, quando se atrasou para o trabalho. Para sua surpresa, porém, ao entrar na sala em que trabalhava, Lucy Lane se encontrava sentada, mexendo justamente no computador em que John trabalhava. O arquivo de Porygon se encontrava aberto e ela digitava quase sem piscar os olhos, não os desviando da tela do computador.

 

— O que você está fazendo? — a voz do professor saíra um pouco mais austera do que pretendia.

— Adaptação — respondeu Lane sem olhar para o homem.

 

Então, sim, ela sabia falar.

 

— Sobre o que é que você está falando? Saia daí imediatamente!

 

Lucy apertou a tecla “Enter” do teclado e parou de digitar. Virou a cadeira em direção a John e o encarou. Ele esperava ter disfarçado melhor o rubor do seu rosto.

 

— Adaptação. Seu projeto era falho porque Porygon não conseguia ser mais do que uma projeção em um sistema operacional. Agora ele pode existir no mundo real, agora ele se adapta. Eu o chamo de “Conversion”. Com ele, Porygon pode emular qualquer coisa e se ajustar a qualquer ambiente.

 

Um estalo. Da tela do computador, um raio de luz forte iluminou o ambiente, forçando Akihabara a proteger os olhos. A temperatura caiu repentinamente, como se o ar condicionado tivesse sido aumentado de uma forma violenta. Ainda assim, John sentiu sua pele queimando, como se tivesse próximo do sol.

 

Segundos se passaram como se tivessem durado uma eternidade. Ao notar que o clarão se dissipara, Akihabara abriu os olhos devagar. Flutuando na sua frente, a sua criação: Porygon, materializado em uma forma física e palpável.

 

A porta da sala se abriu com ignorância. Outros funcionários do laboratório olhavam assustados, dividindo o foco da sua atenção entre Akihabara, Lucy e a criatura na frente deles.

 

A forma física de Porygon oscilou na luz. Segundos depois, transformou-se em um raio e voltou para dentro do monitor.

 

Poucos instantes depois, uma voz grave ecoou pela sala. Um homem alto, vestido com um elegante terno de linho encontrou seu espaço por entre a aglomeração. Sua presença simplesmente gerava um burburinho entre todos os presentes.

 

Giovanni mantinha um sorriso de canto de boca que tinha o poder de gelar espinhas.

 

— Impressionante... Quem dos dois foi o responsável por isso?

 

Akihabara paralisou. Não era possível que aquilo estava acontecendo. O homem de terno pareceu notar e dirigiu o olhar maligno para Lucy Lane.

 

— A senhorita tem talento. Não apenas entregou dados interessantes sobre a possibilidade de se realizar viagens temporais utilizando o mundo virtual, mas trouxe um ser programado em computador para a vida real... Simplesmente incrível.

 

John virou-se para o homem e tentou argumentar.

 

— Senhor, fui eu quem programou o Porygon... Eu estava justamente tentando trazê-lo para a vida real quando...

—Quando sua colega o fez em seu lugar — Giovanni interrompeu-o. — Agradeço pelos seus serviços. A senhorita, por favor, me acompanhe.

 

Lucy meneou a cabeça. John continuou paralisado no lugar, em choque, com um fluxo intenso de pensamentos na cabeça.

 

“Lucy Lane roubou meu projeto. Lucy Lane roubou os louros da minha conquista...”, sua mente entrou em parafuso. Aquelas palavras se repetiam e se repetiam como um boot que não conseguia iniciar o sistema operacional.

 

Quando percebeu que estava sozinho na sala, sentou-se em sua cadeira. Olhou para a tela do seu computador e encarou o reflexo do seu rosto no monitor suspenso. Mexeu o mouse e a imagem apareceu. Sua memória permitia guardar todas as linhas de código que havia feito e, mexendo a fundo no código de programação de Porygon, pode notar onde Lucy Lane começara a mexer.Em geral, códigos de programação seguiam uma lógica, mas alguns programadores costumavamnomear certas variáveis e funções de maneiras peculiares, cada um a seu estilo.

 

Percebeu que o código de Lucy indicava uma configuração ao corpo de Porygon que Akihabara não havia feito. Era a tal “adaptação” que ela havia comentado mais cedo, que o permitia emular um corpo físico no ambiente em que fosse projetado.

 

— “Conversion...” Isso funciona como se fosse um golpe Pokémon... — murmurou Akihabara.

 

Ouvira passos no corredor. Rapidamente, apertou para salvar o projeto e retirou o disquete do computador, guardando-o no interior do jaleco. Teria de estudar aquelas novas informações em casa.

 

Levantou o teclado do computador e recolheu um segundo disquete, colocando-o na máquina no lugar do anterior.Antes de sair da sala, no entanto, olhou para o computador de Lucy. Apertou o botão da máquina e removeu o disquete que provavelmente continha as informações da pesquisa da colega. Guardou-o junto com o backup do seu Projeto Porygon.

 

...

 

Não demorou muito para que John L. Akihabara recebesse a notícia da rescisão do seu contrato com a Silph Company, naquela mesma semana. Uma cláusula do destrato enviado a ele informava que todas as pesquisas desenvolvidas por ele agora eram projetos exclusivosda empresa e que seriam continuadas sem a sua contribuição. O projeto, confidencial, mais tarde seria patenteado e o código de programação de Porygon seria protegido para evitar sua disseminação pirata.

 

O professor, no entanto, não estava preocupado com a demissão. Ele havia progredido bastante nas pesquisas em casa. Havia entendido o projeto de Lucy Lane — um estudo que indicava que era possível viajar no tempo utilizando a computação. A ideia era criar um ponto físico no ciberespaço que serviria de catapulta para algum outro ponto, passado ou futuro, se orientando por milhões de metadados que continham datas, horários e locais, os ingredientes necessários para que um computador pudesse recuperar documentos deletados... Ou algum ser virtual viajasse para aquele ponto através do tempo-espaço digital.

Aquela fórmulaera exatamente como funcionava uma linguagem de programação. E se ele fosse capaz de executar, seria considerado o maior cientista de todos os tempos. Haveria livros sobre ele. Seu nome seria colocado no panteão dos gênios. E Lucy Lane seria apagada da história.

 

Os testes com Porygon acabaram se provando um grande sucesso. Ele conseguia viajar, através da Internet e de dados virtuais, para datas do passado e trazer arquivos do futuro, dados com gigabytes de tamanho, tão imensos que Akihabara não saberia como seu computador processaria. Apesar de utilizar um computador de última geração, seu processador era de apenas 16MB. Não daria conta.

 

Registrara tudo em um fórum na internet que havia criado. Cada passo a passo, cada alteração no código de programação de Porygon, cada descrição do comportamento peculiar daquela criatura. A cada novo dia, Porygon se tornava uma criatura quase independente. Já conseguia adaptar seu corpo digital à forma física do mundo real com mais frequência, mas ainda não ficava mais que alguns segundos antes de ser obrigado a voltar ao computador, com medo de desaparecer para sempre.

 

Com o sucesso dos testes, Akihabara pôs à prova o seu maior estudo: Seria possível um ser humano entrar no mundo virtual e viajar com Porygon através dos tempos?

Para isso, resolvera criar uma versão mais poderosa da sua criação, uma que com certeza aguentaria o peso extra de uma pessoa adulta.

 

Dois meses. Esse foi o período gasto por John L. Akihabara para desenvolver “Porygon2”, a versão melhorada da sua maior criação. Não se via mais polígonos. O corpo agora era perfeitamente arredondado, graças a um novo software de modelagem 3D que havia conseguido de um antigo colega de faculdade.Depois de atualizar o programa que permitiria o Upgradena programação original da criatura virtual em seu fórum na internet, sentia-se feliz como há tempos não se via.

No mesmo dia em que finalizara o novo design de sua criação, a Silph Company anunciava pela televisão a proeza de terem criado um Pokémon digital. A versão 1.0 de Porygon estaria disponível logo menos no mercado. Lucy Lane sorria, cercada dos diretores da empresa, enquanto seu rosto era iluminado pelos flashes das câmeras que registravam aquele momento histórico.

 

Um ódio sem precedentes tomou conta do homem. Olhar o rosto de Lucy Lane na TV mexera com ele.

 

— Lucy Lane roubou o meu projeto. Lucy Lane roubou os louros da minha conquista... — repetiu aquelas palavras em um sussurro, como um mantra. — Mas eles estão atrasados... Porygon2 é a realidade e eu conquistarei o mundo científico com ele! Eu vou apagara existência de Lucy Lane da História, não haverá registros sobre ela em lugar algum, no mundo real ou no virtual.

 

Porygon2 o encarava da tela do computador como se o entendesse.

 

— Conquistaremos o mundo, Porygon2. Lucy Lane é um erro de programação a ser corrigido. Ela mudou o meu destino. Ela tirou a minha glória. E não iremos permitir que esse tipo de erro aconteça no universo novamente.

 

Akihabara levantou e Porygon2 pode ver uma visão rara de seu corpo inteiro, em pé, pois acostumara-se a ver apenas o tronco do homem diante da tela do computador. Vestia um macacão verde que parecia remendado e sujo — sabe-se lá quando fora a última vez que o homem havia tomado banho. John estava disposto a testar a sua ideia final: Escanear-se para dentro do mundo virtual e virar código de programação. Para se proteger de como fosse dentro dos metadados, protegeu a cabeça com um monitor de computador, reformado para não causar desconforto. Sentou-se na frente de seu computador, abriu seu fórum e digitou as últimas palavras antes de prosseguir com seu plano.

 

“A tecnologia mudará e moldará o futuro da humanidade. A humanidade usufruirá da tecnologia ao seu bel-prazer. Se seremos reféns dela? Eu saberei logo menos e voltarei para contar a vocês.

John L. Akihabara”.

 

Abriu o projeto do Porygon2 e, atrás da tela, sorriu para a sua criatura. Digitou um comando no teclado e apertou Enter. Logo, tudo se desfez.

 

Um brilho forte explodiu do monitor à sua frente. Porygon2 saiu da tela e se fundiu ao capacete de monitor que Akihabara vestia. Um choque elétrico explodiu seus tímpanos e seus olhos, o cérebro quase derreteu e o Pokémon, como um parasita, tomou o lugar do órgão, passando a ser responsável por enviar os impulsos elétricos que faziam o corpo humano de seu criador funcionar. O coração parou de bater, mas John continuava vivo. Tornara-se um zumbi.

 

Um portal surgiu do monitor que abrigara Porygon2 instantes antes e sugou o corpo que agora era lar da criatura que antes só existia pelo computador. Com um corpo para chamar de seu, Porygon2 agora podia adaptar-se muito melhor no mundo real.

 

***

 

Takara, o Pikachu de Chase, se mantinha em silêncio, observando o esquisito mundo em que estava. Não havia paredes, mas sim estruturas em diversos formatos que pareciam ser formadas por milhões de letras e números aleatórios.Não havia saída também. A última memória que tinha era de ver seu corpo sumindo no ar e, de repente, se encontrara ali, no escuro, ouvindo ruídos robóticos por todos os lados. Tentou correr, mas não sabia a direção. Tudo era igual. Após o que pareceram ser horas, simplesmente desistiu.

 

Porygon2 se materializou na frente de Takara. Estava sem o capacete formado por tela de computador, mostrava-se em sua forma original, como um Pokémon. Naquele lugar, ele não precisava do corpo humano.

 

— Seja bem-vindo ao meu mundo. Eu não vou te machucar — disse em uma inexpressiva voz robótica.

 

Faíscas começaram a escapar das bochechas de Pikachu que encarava o oponente de maneira assustadora. Tentava não demonstrar medo e se agarrava no fato de que a raiva que sentia do Pokémon à sua frente era maior do que qualquer outra coisa.

 

— Você não vai tentar me machucar porque sabe que já vai estar caído antes de tentar.

— Acredito que não — respondeu Porygon2 de maneira séria. — Você não pode me derrotar porque eu sou parte desse mundo. Esse mundo sou eu.

 

Takara disparou de suas bochechas um golpe elétrico que envolveu o corpo de Porygon2, mas não pareceu feri-lo. Sequer pareceu atingi-lo; o corpo do Pokémon fora separado e dividido em vários pedaços, o que assustou Pikachu.

 

O corpo de Porygon2 se desintegrou e voltou à sua forma completa em um piscar de olhos. O Pokémon cibernético pareceu perceber a surpresa nos olhos de Takara e deixou um olhar malicioso aparecer. A sua voz robótica transmitia um tom de terror, que arrepiou os pelos do Pokémon elétrico.

 

— Eu te disse. Esse é o meu mundo. Eu sou invencível aqui.

 

 


TO BE CONTINUED...





Capítulo 71

 



A porta entreaberta fez Elaine ter a certeza de que seu pai estava ali. A menina respirou fundo tentando guardar o maior volume de ar que pudesse aguentar em seus pequenos pulmões e abriu a porta devagar, tentando passar despercebida. Por sorte era pequena, logo seu pai não a veria passando na ponta dos pés em direção ao outro lado da cozinha onde a porta para a sala de estar separava a criança do seu maior objetivo. A sorte estava do seu lado; a panela de pressão no fogo soltava vapor e a válvula da tampa chiava em alto e bom som enquanto seu pai, sentado em uma das seis cadeiras dispostas, tamborilava os dedos em cima da mesa de jantar, coberta pela delicada toalha estampada com desenhos de triângulos vermelhos e azuis que muito se assemelhavam às marcas no corpo de um Togepi, se mantendo concentrado em sua PokéAgenda que, ao invés de exibir informações sobre Pokémon, refletia o rosto inconformado do rapaz, assim como as grandes olheiras que entregavam que ele não dormia direito há alguns dias. Após apertar trocentas vezes o botão de ativação, o diagnóstico: Pifou.

A menina segurou firme a PokéBola vazia que escondia em suas costas e seguiu seu caminho tentando fazer o menor barulho possível. Alcançou o próximo cômodo sem maiores problemas, o que a fez suspirar aliviada. Ficou na ponta dos pés para poder girar a maçaneta da porta da sala e a puxou devagar para que as dobradiças não fizessem barulho — a panela de pressão no fogo cobria os ruídos. Sabia que na rua não havia quase ninguém, agradecendo aos céus pela janela do seu quarto ter vista para a vizinhança.

 

O plano de Elaine era evidente: capturar seu primeiro Pokémon. Simples assim.

O problema era que seus pais achavam que ela era muito nova para isso.

Mas, dane-se o que seus pais achavam. Agora que estava do lado de fora, poderia fazer o que quisesse. O primeiro passo havia sido dado.

 

— “Tchururu, esse meu jeito de viver, tchururu, ninguém nunca foi iguaaaaal...” — a menina, feliz, começou a cantarolar baixinho após dar o primeiro passo para fora de casa.

 

Os ventos que sopravam a oeste balançavam suavemente os cabelos da criança.A excitação tomava conta dela, a expectativa lhe causava arrepios e a indecisão de saber por onde começar a procurar um Pokémon a consumia. Ela podia ir até o cais que cravava o fim — ou seria o começo? — da região de Johto e procurar na Rota 27; com certeza haveria muitas opções fáceis para se obter por ali.Ou talvez ela pudesse ir até um pouco além da saída de New Bark e adentrar na Rota 29. Havia ninhos de Pidgey nas árvores e, com sorte, poderia até mesmo capturar algum Sentret. Ledyba estava fora de cogitação, mas até obter um valeria pelo esforço de não voltar para casa sem um Pokémon para chamar de seu.

 

A menina saiu correndo em disparada pelas ruas estreitas de calçadas largas da cidade em direção à Rota 29. Passou como um foguete em frente do bonito Mercadinho do Alcides, onde anos antes era um bar bastante popular na cidade.Mas, após a morte do antigo dono, o filho assumiu e construiu um novo estabelecimento no lugar.

 

A PokéBola em suas mãos parecia o maior tesouro do mundo. A criança estaria disposta a protegê-la de qualquer coisa até encontrar o parceiro ideal que não demorou para aparecer. Por entre os galhos das árvores que cercavam as ruas, um Pokémon macaco de coloração roxa ia pulando com auxílio da mão que havia na ponta de sua cauda que o ajudava a manter o equilíbrio. Seus olhos redondos procuravam alguma Nanab Berry madura e suculenta, mas seu olhar cruzou com os olhos curiosos da criança e logo reparou na cápsula bicolor em suas mãos. O Aipom deu um sorriso sapeca e acelerou a passada entre os galhos.

 

— Ei! Espera aí! — A criança saiu correndo em direção ao bosque, olhando para o topo das árvores para não deixar perder o Pokémon de vista.

 

Acontece que, olhando para cima, ela não podia notar os perigos que havia pelo chão. Um buraco escondido por entre a grama a fez tropeçar e gritar de dor quando sentiu o pé torcer, a levando imediatamente para o chão. O corte no joelho não foi profundo e ardia menos do que a dor que ela sentia com o calcanhar latejando. Ao olhar para o tênis, viu que o pé direito estava inchado, parecendo um pedaço de pão. Enquanto a menina tentava desamarrar o cadarço para tentar aliviar a dor e segurava o choro, o Aipom ria e desaparecia por entre a copa das árvores.

 

O choro de dor de uma menina próximo ao bosque de uma cidade pequena do interior era o evento catalisador das atenções de quem quer que fosse morador dali. E aquele choro em específico era conhecido o bastante de uma certa pessoa que, por sorte ou por azar, passava ali próximo com as compras de mercado em uma das mãos enquanto levava uma outra criança na outra.

 

— NICOLE!

 

A menina olhou para trás e reconheceu a dona da voz daquele grito. Os olhos azuis ainda faiscavam quando era contrariada, os cabelos castanhos ainda se mantinham rebeldes e a franja nunca se mantinha no lugar, apesar de viverem escondidos embaixo dos chapéus que a mulher ainda costumava usar em algumas ocasiões. O grande casaco verde que a protegia do vento que sopravaera maior que ela — mas ainda assim ficava muito melhor nela do que em seu marido, o verdadeiro dono da peça. Ela segurava com força as alças das sacolas plásticas verdes cheias de mantimentos. Havia um garoto que segurava a barra da calçalegging azul da mulher, e este também olhava surpreso para a menina — que, coincidentemente, era sua irmã.

 

Amanda Green largou as sacolas no chão, pegou o garotinho que a acompanhava no colo e correu na direção de sua filha, que abriu um berreiro por alívio e por saber que a sua situação tinha se complicado.Bastante.

 

...

 

Ethan Heart tentava se apegar ao breve sentimento de felicidade que sentiu ao ver sua PokéDex voltar a funcionar para não deixar transparecer a preocupação enquanto se aproximavado Centro Pokémon de Cherrygrove. Como não sabia dirigir, chamou um Flying Taxi. A cabine, guiada por cinco Noctowl, rapidamente fez o trajeto entre New Bark e a cidade e costumava ser uma mão na roda em muitas ocasiões — como naquele momento.

O rapaz subiu apressado pelas escadas que davam acesso à área do hospital que tratava dos seres humanos. Entrou em um dos quartos com pressa, ainda a tempo de ver o céu laranja que anunciava o sol se pondo, dando lugar à noite. Sua esposa fechou as cortinas e sua visão fora interrompida, sendo substituída pelos eventos que aconteciam ali.

 

Seu filho estava sentado em uma das cadeiras do quarto olhando preocupado para a irmã que estava em uma maca olhando deprimida para o pé engessado. Nos joelhos e cotovelos, algumas ataduras para conter pequenos sangramentos dos arranhados. A mulher adulta, sua esposa, virou-se para ele com a raiva estampada em seu rosto; os olhos semicerrados, as sobrancelhas franzidas, o maxilar duro... Todos os sinais que seu esposo já conhecia e que o fazia tremer da cabeça aos pés.

 

— O que foi que aconteceu? — perguntou Ethan, aproximando-se da filha.

 

Amy massageou a ponte do nariz com uma mão e, com a outra, apertou a cintura, se contendo para não esganar o rapaz à sua frente.

 

— Ethan, você tinha um trabalho: Olhar a sua filha e não deixar o feijão queimar. Eu saí de casa por quinze minutos com o Nicolas para ir ao mercado eacabo encontrando sua filha com o pé torcido e com uma PokéBola nas mãos longe da supervisão do pai — ela parecia estar se controlando ao máximo para não gritar.

 

A menina se encolheu. Queria ser um Sandshrew e se esconder num buraco no chão. Apesar de sentir seu pai olhando para ela, ele não se manifestou.

 

— E-eu me distraí com a PokéDex... Me desculpe.

— Pedir desculpas é fácil, e se acontecesse alguma mais séria, suas desculpas iam servir pra quê?

— Calma, meu bem, eu só--

— Não me venha falar de calma, Ethan. Esse é o seu problema, você é muito calmo — Amy respirou fundo antes de continuar. —Da próxima vez vai ser o quê? Seu Typhlosion vai botar fogo no pomar do vizinho de novo?

— Como se o Quagsire não tivesse resolvido em cinco segundos...

— A questão não é essa! — a mulher alterou o tom de voz.

— E o que você quer que eu responda, então? — Perguntou o homem com a voz firme.

 

Houve um silêncio repentino entre os dois. As crianças os encaravam com os olhos arregalados, assustadas. Ethan e Amanda respiraram fundo e tentaram manter a calma.

 

— Você tem razão — disse Ethan. — Eu vacilei. Me perdoa.

 

Lágrimas vieram ao rosto da moça. Ela levou as duas mãos à face e as secou, as impedindo de cair. Ela não era de fraquejar.

 

— Tá tudo bem, foi só um susto. Me desculpa também, fiquei preocupada e... Enfim, eu não devia ter descontado em você. — Amanda se aproximou do rapaz e abaixou o tom de voz, certificando-se que apenas seu marido poderia ouvir, complementando: — Aliás, eu devia sim, mas aqui não é o lugar. Em casa, a gente conversa.

 

Ethan tremeu. Nunca vinha coisa boa quando sua esposa mencionava aquilo.

 

— E aliás... Você desligou a panela com o feijão antes de sair de casa, né?

 

...

 

Era possível ver da janela do Flying Taxi a fumaça preta que saía do telhado da residência onde Amanda Green morava com a sua família. As sirenes dos bombeiros e da polícia da cidade de New Bark eram audíveis do alto, dava pra ver os vizinhos se aglomerando na frente da casa, sendo afastados pelos oficiais e seus Growlithe enquanto a água dos Squirtle e Wartortle controlavam o princípio de incêndio que ocorrera ali.

 

Quando a cabine do Flying Taxi pousou a poucos metros dali a Oficial Jenny aproximou-se do casal que vinha correndo com as duas crianças na direção oposta.

 

— Senhor e senhora Heart, já está tudo sob controle, mas vocês não podem ficar aqui. Houve uma explosão na cozinha e...

— Sim. Meu excelentíssimo marido deixou a panela de pressão no fogo, ela explodiu e agora, além de uma criança manca, nós temos um prejuízo milionário e uma casa destruída — disse Amy olhando para a movimentação em frente ao endereço.

— É tudo minha culpa... É tudo minha culpa... — falava Nicole para si mesma sendo dominada por um choro intenso.

 

Um bipe tomou conta de sua cabeça. E então outro bipe. E aos poucos, foi possível perceber que esses bipes eram contínuos e que vinham do fundo da cabeça de Elaine, logo tomando conta do ambiente.

Ela abriu os olhos e viu as paredes brancas do quarto do hospital.Havia mais outras duas camas no quarto em que ela estava, mas não tinha outros pacientes. O lençol que a cobria era branco, assim como os que jaziam nas outras duas camas vazias. As lágrimas que ainda rolavam pelo seu rosto eram a materialização daquele sonho que, na verdade, ela lembrava ser uma memória antiga. E ao olhar para os curativos que tinham nela, lembrou-se do que havia acontecido no bosque e, em seguida, da figura misteriosa com a cabeça de monitor que a atacou sem motivos. Mas aquilo não teria acontecido se ela não fosse tão teimosa. A culpa era sempre dela.

 

Seus pensamentos foram desviados quando notou uma Chansey entrando pela porta do quarto. Sorrindo de forma simpática, aproximou-se da cama de Elaine e soltou uma exclamação feliz por vê-la acordada e consciente, mas reparou que a menina havia chorado. Tirou da bolsa o ovo que carregava e estendeu à garota que hesitou por um momento. O Pokémon gentilmente depositou o ovo na cama, em cima do colo de Elaine e a incentivou a pegá-lo.

O ovo estava quente, mas não ao ponto de queimar sua mão. Apesar de firme, a menina sentiu que ele não estava com a casca dura como um ovo normal, parecia até que estava cozido. Elaine instintivamente o cheirou e colocou a ponta da língua na casca. Estava salgado. Deu uma mordida e estava uma delícia!Assim que o engoliu, sentiu uma sensação de felicidade tomar conta de seu corpo de dentro para fora. Não conseguiu segurar uma risada e entregou-se completamente àquele sentimento.

 

Joy, a enfermeira local, entrou no quarto com uma prancheta na mão e deu um sorriso ao ver a cena.

 

— Chansey é um Pokémon muito gentil que costuma entregar os ovos que carrega para pessoas e Pokémon que estão machucados. Como você está se sentindo?

— Obrigada — respondeu a menina. — Me sinto bem melhor.

— Você tem visitas.

— Eu? Quem?

 

Joy foi até a porta do quarto e acenou para alguém. Instantes depois, o rosto de Chase apareceu e Elaine notou que o garoto trazia hematomas nos braços e, assim como ela, curativos na bochecha e na canela esquerda.

 

— Ni! O que foi que aconteceu? — perguntou a menina em um misto de surpresa e temor. — Onde você se machucou?

— Sou eu quem te faz essa pergunta! O que aconteceu?

 

A conversa dos dois foi interrompida quando um homem ruivo com uma máscara dominó que cobria seus olhos entrou no quarto acompanhado de um Pokémon — seu Xatu. Elaine ficou tensa, mas seu irmão, por outro lado, sorriu.

 

— Essa é a minha irmã, Will. Você tinha razão, ela está bem! Então o Takara está bem também!

 

De forma elegante, o ruivo se aproximou da cama e curvou-se para cumprimentar a menina.

 

— É um prazer conhecê-la, senhorita. Esperava que minhas visões estivessem erradas e que eu pudesse conhecê-los em outro momento, mas infelizmente a mão do destino sabe ser traiçoeira quando quer. Vocês dois saberiam confirmar isso melhor do que qualquer um.

 

Por mais que não pudesse ver suas pupilas, Elaine sentia que o rapaz diante dela podia ler sua alma, dada a forma intensa com que ele a encarava.

 

— O-o que quer dizer? — perguntou ela.

— Eu sei que vocês não são dessa linha do tempo.

 

Chase e Elaine se olharam e arregalaram as sobrancelhas.

 

— Você lê mentes? — questionou Chase, recebendo um aceno negativo de Will.

— Mas como você--

— Eu sou treinador de Pokémon do tipo Psíquico — adiantou-se Will cortando a pergunta de Elaine. — Meu Xatu possui a habilidade de usar um golpe chamado Future Sight — Visão do Futuro. Através da telepatia, pude descobrir que algo não estava certo, alguma coisa no universo estava em desequilíbrio, muitas tragédias acontecendo em diversos lugares... Precisava colocar as ideias no lugar. Estava em Saffron quando alguém como eu disse que a visão que eu tive iria se esclarecer como um cristal.

 

— Alguém como você? — perguntou ela.

— Místicos. Pessoas que tem habilidades psíquicas. E por causa disso eu sei que vocês não são daqui e talvez por isso que os dois tenham sido atacados por aquele ser misterioso.

 

Chase encarou sua irmã.

 

— Foi aquela pessoa com a cabeça de monitor de computador que atacou você, Ni?

— Como sabe que ele usava um monitor de computador na cabeça?

— Porque ele me atacou também... E fez o Takara desaparecer.

 

Elaine ficou em choque. Seu coração acelerou e sua respiração começou a ficar ofegante. Chase tentou acalmar a irmã.

 

— Calma, Ni... O senhor Will disse que ele está bem. Mas precisamos saber o que aconteceu com você pra que a gente possa ir atrás e dar um jeito de trazê-lo de volta!

— Eu me lembro que ele apareceu do nada e começou a disparar uns raios dos dedos... Ele tinha um Pokémon que entrava dentro do relógio dele e aparecia na tela do monitor. Eu achei que eu estava sonhando...

— Foi a mesma coisa comigo. Eu ainda não entendi como que pode existir alguém assim.

— É como se não fosse desse mundo.

— E não é — disse Will. — Pelo menos ele não é dessa linha do tempo.

— Assim como a gente? — perguntou Chase.

— Exatamente.

— Mas por que será que ele está atrás de nós? — quis saber Elaine.

— Eu acho que é para apagar vocês.

— Apagar? Tipo, literalmente? — perguntou Chase.

— Eu sinto muito... — disse Elaine ficando cabisbaixa. — A culpa é minha.

— O que quer dizer com isso? — questionou Will.

— Se eu não tivesse parado pra ver aquele santuário na Floresta Ilex, a gente não tinha sido trazido pra cá... É tudo culpa minha.

 

Chase fechou a cara e olhou sério para sua irmã.

 

— Você não tem culpa de nada! O que aconteceu foi porque teve de acontecer. Agora a gente precisa dar um jeito de voltar pra casa e isso só vai dar certo se estivermos juntos.

— Eu tive um sonho hoje — Elaine interrompeu seu irmão. — Foi mais uma lembrança daquele dia que eu queria capturar um Pokémon pra mim e tudo deu errado... Você lembra?

 

O menino mudou sua expressão. A tristeza tomou conta de sua feição e o garoto cruzou os braços, agarrando as mangas da camiseta, como o fazia quando se incomodava com algo.

 

— Foi por minha culpa. Se eu não tivesse ido tentar capturar um Pokémon sozinha, eles não teriam brigado.

— Mas você lembra o que aconteceu depois, não é?

 

Elaine desviou o olhar e ficou reflexiva por um instante. As lembranças tomaram conta de sua mente como um rio que tranquilamente caminhava até o mar.

 

— A casa ficou fedendo a gás e a feijão queimado por um mês, papai e mamãe gastaram um dinheirão pra reformar a cozinha destruída e a vovó quase foi presa por tentativa de assassinato quando voltou de viagem e descobriu o que aconteceu — respondeu Elaine contando nos dedos.

— Ela tentou matar o papai. Foi engraçado — riu o irmão. — Mas é uma das histórias mais engraçadas que o papai conta no Natal. Então eu acho que no final das contas, tudo deu certo. Nunca mais a mamãe e a vovó deixaram o pai chegar perto de um fogão de novo, o que pra gente é uma vitória. Você lembra das gororobas que ele fazia, né?

 

Os dois caíram na risada. Will não pode evitar de abrir um sorriso também.

 

— Águas passadas não movem moinhos. Coisas ruins acontecem o tempo todo, pequena Nicole. Mas lembre-se de que você sempre terá o apoio daqueles que ama para superarem juntos todas as fases ruins que enfrentar.

 

O Pokémon do mágico desviou a atenção da conversa. Xatu adotou uma postura ereta, as pupilas em seus olhos deram espaço para um brilho branco. Will sabia que seu Pokémon estava tendo uma Visão do Futuro.

 

As portas do Centro Pokémon se abriram. Ethan caminhou pelo saguão de entrada acompanhado de Falkner, Whitney e Bugsy. O quarteto se dirigiu até o balcão de informações onde a Enfermeira Joy se encontrava.

 

— Bom dia. Eu vim visitar uma paciente de vocês, ela se chama Elaine — disse Ethan.

— Me desculpe, mas o limite de visitas por paciente é só de duas pessoas.

 

Ethan olhou para os Líderes de Ginásio. Falkner cruzou os braços e manteve uma expressão séria. Bugsy, com as duas mãos nos bolsos dos shorts verdes, estava distraído olhando interessado para uma teia de Spinarak no teto. Whitney olhava para o garoto com as mãos na cintura e a cara fechada. Escolher quem dos três iria acompanhá-lo não seria tarefa fácil.

Joy, no entanto, pareceu ler a mente do rapaz.

 

— Acho que você não entendeu. A paciente em questão já está com suas duas visitas no quarto.

— Provavelmente, os dois visitantes são os pais — comentou Whitney. — Pelo menos ainda existem pais de verdade nesse país que cuidam dos seus filhos.

— Isso foi muito específico. Tá tudo bem? — perguntou Bugsy. Com um aceno de mão, Whitney respondeu “deixa disso”.

— Mas é que nós somos amigos, viajamos juntos. Eu gostaria muito de poder saber se ela está bem... — Ethan tentou argumentar.

— Ela está. Terá alta em breve, caso vocês queiram esperar — a enfermeira não parecia disposta a dar brecha, mesmo lidando com três funcionários da Liga Pokémon.

— E o Chase? Tem um garoto da mesma idade que ela aqui, não tem? — perguntou Ethan.

 

Joy abriu o computador e procurou a lista de pacientes. O nome de Chase não constava.

 

— Ué. E cadê ele, então? — perguntou o rapaz.

 

Passos apressados ecoaram pelo saguão do Centro Pokémon. Claro que aquela figura bizarra chamou a atenção de todos, nem tanto pelo macacão verde que Whitney imediatamente achou cafona, mas muito pelo fato de haver um monitor de computador em sua cabeça — Ethan mal disfarçou sua empolgação quando reparou naquela pessoa.

 

— Esse é simplesmente O MELHOR COSPLAY que eu já vi na minha vida!

 

O garoto correu em direção à figura que tentou desviar. Foi aí que percebeu que a pessoa mancava e que trazia ferimentos no corpo pelos rasgos e estragos no macacão que vestia. Aquele desconhecido parecia ter tomado uma surra muito séria.

 

— Cara, você está bem? Precisa de ajuda? — perguntou o garoto em um tom preocupado.

 

A figura misteriosa simplesmente passou por ele e o ignorou, passando pela porta ao lado do balcão e seguindo em direção à área do Centro Pokémon que dava para os leitos dos pacientes, um corredor que não era tão longo, com poucos quartos disponíveis, mas dividido em dois andares, onde embaixo os Pokémon eram tratados e, no andar superior, os pacientes humanos descansavam.

 

— Ei, com licença, você não pode ir pra essa área sem autorização ou acompanhante — disse Joy para a figura misteriosa, que não respondeu.

 

Chansey saiu de trás do balcão e apressou o passo em direção ao ser esquisitão com monitor na cabeça, colocando-se diante delecom seus bracinhos erguidos e, com a cara fechada, impedindo sua passagem pelo corredor.O Pokémon podia ver o reflexo do seu rosto através do monitor desligado, sem saber qual era a feição humana que estava escondida por trás da tela.

 

O ser misterioso encostou em Chansey e descarregou um forte choque elétrico, a fazendo cair no chão paralisada. Com um grito, Joy correu para socorrer o Pokémon enquanto a pessoa fantasiada avançava pelo corredor em direção à escada que dava para o andar superior, onde os leitos para pacientes humanos estavam localizados. De alguma maneira, parecia que quem quer que estivesse vestindo aquele monitor de computador como máscara sabia exatamente quem ou o que estava procurando.

 

Ethan, juntamente com Bugsy, Whitney e Falkner, correram para auxiliar a enfermeira e seu Pokémon. Whitney sacou uma PokéBola e apertou seu botão central de onde saiu sua Miltank.

 

— Meu Pokémon pode ajudar a Chansey com o Milk Drink. Rápido, vão atrás desse maluco antes que ele machuque os Pokémon ou as pessoas que estão aqui! — disse a Líder em tom de urgência para os garotos.

 

O trio avançou pela área restrita do Centro Pokémon com suas PokéBolas em mãos e passos apressados em direção ao segundo andar do prédio. As escadas eram apertadas, Ethan, Falkner e Bugsy quase tropeçavam uns nos outros e só não caíram porque seguravam no corrimão.

No andar de cima, as paredes eram brancas, assim como os batentes e as portas dos quartos, que por sinal estavam em grande parte abertas. No rodapé do corredor haviam longas listras pretas incompletas, falhas, como se alguém que tivesse trajando botas de borracha tivesse andado por ali se apoiando nas paredes enquanto cambaleava — teoria que se comprovou quando os três treinadores localizaram a pessoa fantasiada saindo de um dos quartos logo a frente.

 

O ser misterioso voltou a entrar no quarto que havia acabado de sair. Enquanto corriam, o trio percebeu que dentro de cada quarto, as camas estavam reviradas, lençóis no chão, monitores destruídos. Algumas pessoas ainda de dentro do quarto olhavam para o corredor com expressões de pânico.

Quando alcançaram o quarto pelo qual a figura havia entrado, não havia saída. Uma cortina cobria uma janela de tamanho médio — o suficiente para entrar uma generosa luz solar que iluminava tudo e doses satisfatórias da brisa que soprava do lado de fora —, mas não o bastante para um ser humano adulto, como parecia ser o caso do ser misterioso, passar.

 

O quarto não havia sido destruído, talvez por falta de oportunidade, mas parecia que tinha sido usado recentemente. Os lençóis em cima da cama estavam bagunçados, havia uma bandeja com medicamentos em um criado-mudo ao lado da cama e, bem aos pés do móvel, um boné caído. A peça logo chamou a atenção de Ethan que teve a impressão de já ter visto aquele boné antes.

 

— Em nome da Polícia de Violet, você está preso! — anunciou Falkner. — Você não tem por onde escapar.

 

O ser fantasiado se colocou de costas e apontou o dedo indicador para a janelae disparou o seu Tri-Attack. A parede explodiu e Ethan e os dois Líderes de Ginásio que estavam com ele tentaram se proteger dos cacos de vidro misturado com pedaços de tijolo e alvenaria que se espalharam por todos os lados do quarto de hospital. Uma densa nuvem de fumaça se alastrou pelo ambientee um estampido foi ouvido.

 

String Shot! — ouviu-se a voz de Bugsy.

 

Do meio da fumaça, uma aranha enorme de corpo escarlate se colocou na frente dos treinadores e disparou de suas presas um fino e quase invisível fio de teia que agarrou a cintura do ser misterioso segundos antes de pular pela janela. Enquanto caía, a figura tentou se livrar daquele material pegajoso de todo jeito. A teia, no entanto, impediu que caísse com violência no chão e saísse com algum membro quebrado. Um milagre.

 

De dentro do quarto destruído, Falkner alcançou o buraco explodido e olhou para a rua, vendo a figura fantasiada correr de forma desengonçada pela calçada, caçando espaço por entre a multidão que se aglomerava em frente ao Centro Pokémon, curiosa com a explosão de instantes antes. Ethan batia as duas mãos nas roupas tentando limpar a densa poeira que a impregnava.

 

— Droga, nós perdemos ele! Sabe-se lá onde é que ele vai se esconder... — comentou o Líder de Ginásio observando a rua. — Vou avisar na delegacia e disparar alerta máximo contra esse sujeito.

 

Falkner apertou o botão da PokéBola e de dentro da cápsula, um Pidgeotto surgiu abrindo suas belas asas e disparando veloz em direção ao céu, olhando para baixo e seguindo pelo ar o alvo com cabeça de monitor.

 

— Eu preciso trocar de roupas. Daqui a pouco eu começo a espir—ATCHIM! — o nariz de Ethan começou a escorrer e ele espirrava a cada vez que tentava limpar com a camisa suja de poeira.

— Não se preocupem — disse Bugsy. — Nós sabemos exatamente onde ele está indo.

 

Falkner olhou para o colega.

 

— Sabemos?

— Ariados conseguiu colar sua teia nele — disse o rapaz com um sorriso.

— E...?

— Os Ariados selvagens tem um comportamento interessante. Quando saem pra caçar e encontram sua presa, soltam teia nela e a liberta, assim, quando a vítima foge e volta pro seu ninho, Ariados consegue rastreá-lo e ao invés de predar um indivíduo só... Come vários de uma vez.

Falkner colocou as mãos no bolso e deu um sorriso.

 

— Assustadoramente interessante... Obrigado por nunca se deixar abater quando as pessoas dizem que os Pokémon Inseto são inúteis.

— Eu não ligo — respondeu Bugsy, devolvendo o sorriso. — A ignorância das pessoas não é algo que me abala. Eu acho que eu sou um bom Líder de Ginásio. Pelo menos eu sempre tento ensinar alguma coisa nova aos desafiantes. Faz parte do trabalho.

— Você é um excelente Líder de Ginásio, meu amigo — disse Falkner. — E eu fico muito feliz de sempre aprender com você.

 

Ethan espirrou novamente. Bugsy retornou Ariados para a PokéBola e, junto a Falkner, riu da alergia do menino. Com passos apressados, saíram do quarto destruído em direção ao térreo, com Ethan logo atrás espirrando loucamente. Ao voltarem para o corredor, voltaram a ver a Enfermeira Joy e Whitney com Miltank e Chansey, que parecia bem melhor.

 

— Que explosão foi aquela? — perguntou Joy.

— Eu não sei como ele fez... O mascarado simplesmente apontou para a janela e a explodiu, como se um raio tivesse saído do dedo indicador dele... — comentou Falkner. — Como está Chansey?

— Bem melhor... Acho que ela só precisa descansar um pouco. Eu já cuido disso. Por favor, encontrem aquela pessoa, não a deixem fazer mal a mais ninguém... — pediu Joy olhando para o trio.

— Estamos indo atrás dele. E pode ter certeza de que ele não vai escapar — disse Bugsy com firmeza. — Vamos seguir por terra e o Pidgeotto do Falkner está pelo ar.

 

Whitney se levantou e olhou para os rapazes.

 

— Eu vou com vocês.

 

Sacando uma segunda PokéBola, a garota liberou um Pokémon que, assim como Miltank, também era cor de rosa. Era grande em altura e seu corpo lembrava o formato de uma estrela, masnão de forma literal como o corpo de um Staryu. Possuía orelhas grandes e pontudas com pontas marrom-escuras e seus olhos pretos com rugas em ambos os lados olhavam o grupo de humanos em sua frente com determinação. Tinha um par de asas rosadas nas costas com três pontas cada e um tufo de pelos espiralado em sua testa.

 

— Clefable tem uma audição sensível e consegue captar qualquer coisa há metros de distância. Vamos cercar aquele idiota de macacão brega com a minha beleza, a fofura da Estelar e... A força bruta de vocês, eu acho — disse Whitney.

 

Joy levantou-se e correu até o balcão, onde se agachou e pegou alguns pacotes. Voltando depressa para o grupo, distribuiu os itens igualmente entre o quarteto.

 

— Essa remessa de Super Poções chegou ontem. Com certeza vocês vão precisar porque vai ser perigoso. É o que eu posso fazer pra ajudar por enquanto.

 

— Obrigado Enfer--ATCHIM! — tentou agradecer um Ethan de sinusite atacada.

 — Vamos pessoal, depressa! — exclamou Falkner enquanto corria até a porta do Centro Pokémon.

— Tome cuidado, por favor — pediu Bugsy à Joy antes de acompanhar o colega.

 

Whitney estendeu uma PokéBola para a enfermeira.

 

— Aqui. É a PokéBola da Miltank. Ela pode continuar ajudando na recuperação da Chansey com o Milk Drink e se aquele figurão aparecer, ela com certeza vai dar conta dando um Rollout nele.

 

Joy hesitou por um momento.

 

— Não precisa, senhorita Whitney, nós vamos ficar bem.

— Eu sei que sim. Por isso eu estou confiando o meu Pokémon mais precioso e poderoso da minha equipe, pra ter certeza.

 

Whitney sorriu e Miltank se colocou orgulhosa diante da treinadora e da enfermeira. Joy segurou uma lágrima e sorriu confiante.

 

— Certo! Boa sorte, vamos dar nosso melhor!

 

As portas automáticas do Centro Pokémon se fecharam imediatamente após os quatro passarem por ela na caçada pelo ser misterioso fantasiado.

 

***

 

O telefone tocou no apartamento. Umbreon e Houndoom ergueram as orelhas e deram passagem para a mulher de cabelos longos, ondulados e azul-prateados que com um suspiro de pesar, arrastou os pés até a escrivaninha e o tirou do gancho. Se a sorte estava ao seu lado, não seria mais um paparazzi querendo confirmar seu novo affair.

 

— Alô? — apesar de tudo, não conseguiu esconder a leve insatisfação de atender.

Karen? É o Will.

Não estou em casa — cortou a mulher.

E eu liguei pra onde? Escuta, é uma emergência. Preciso de você.

 

A mulher gritou de susto quando Xatu apareceu no meio da sua sala de estar em um estalo. Umbreon e Houndoom prontamente se colocaram em posição de ataque e rosnaram para o Pokémon que não pareceu se importar. Prontamente se colocou na frente da mulher que o encarava com um olhar de pânico.

 

— Will... Por que é que o seu Pokémon se teletransportou pro meio do meu apartamento?! Como ele sabe onde eu moro?

Ele vai te trazer onde eu estou agora. Por favor, não estaria pedindo se não fosse importante.

 

Ainda tremendo, Karen encerrou a ligação colocando o telefone de volta no gancho. Seu coração palpitava num misto de susto e ódio. Respirando fundo, a mulher cruzou a sala e pegou um casaco e duas PokéBolas que descansavam em cima da mesa. Retornou Umbreon e Houndoom para as cápsulas e as prendeu no cinto da calça branca que vestia. Caminhou até o Xatu que continuava parado como um totem no meio da sala e encostou em uma de suas asas, desaparecendo em um estalo abafado.

 

 

TO BE CONTINUED...



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