Capítulo 74
Era dia 5 de agosto. Já fazia um tempo que a
lombar de Ethan não sabia o que era uma cama quentinha e um colchão
confortável. Não que os futons que usava nas viagens fossem desconfortáveis,
mas nada se comparava a estar de banho tomado, alimentado de forma decente —
com tudo de melhor que as refeições baratas de um Centro Pokémon tinham para
oferecer — e descansar em uma cama de verdade.Ele nem teria se dado ao trabalho
de sair da cama naquela manhã se não fosse pela insistência dos seus amigos.
O calor do sol daquela manhã brigava com o
frio congelante das sombras. O inverno dali a pouco tempo daria espaço para a
primavera e suas temperaturas mais amenas, mas até lá, Ethan iria reclamar do
vento gélido que insistia em soprar em seu rosto como se zombasse do garoto de
propósito.
— Boa sorte lá fora — disse Chase enquanto via
abrirem as portas automáticas do Centro Pokémon. — Vou ficar aqui com a Elaine.
Ela cismou de que o seu ovo está pra nascer e quer ficar perto dele.
— Não vou demorar muito. Vou aproveitar que
estamos aqui pra repor algumas coisas no nosso estoque. Qualquer coisa, me liga
no PokéGear — disse o rapaz ao mais novo, que assentiu com a cabeça.
A cidade de Violet mantinha seu charme
clássico nas calçadas de pedra robusta que fazia parte de sua arquitetura
centenária. A ponte de madeira que cruzava o grande lago ao norte levava à
Torre Brotinho e estava cheia de pessoas — provavelmente turistas — que tiravam
fotos do majestoso templo que em seu interior carregava um enorme pilar que
balançava de um lado para o outro, protegendo a estrutura de terremotos e das
batalhas Pokémon que costumavam ocorrer ali. O grande bosque que cercava a
cidade permitia a coexistência harmônica entre humanos e os Pokémon selvagens
que moravam no topo das árvores e que montavam seus ninhos próximos aos troncos
e, claro, ter de grande importância o fato de o ar ser limpo, sem poluição,
apesar de a cidade ser considerada uma metrópole — não tão grande quanto a
capital, Goldenrod, mas grande o bastante para que fosse considerada a segunda
maior cidade da região de Johto. A energia limpa e os hábitos dos cidadãos eram
um modelo a ser estudado e seguido por outras cidades pelo mundo.
A cada passo que dava, Ethan se lembrava da
primeira vez que passara ali, meses atrás, logo no início de sua jornada. Colocou
as mãos nos bolsos e deixou se perder em pensamentos. Havia sido ali que
conhecera Katherine, a presidente do seu fã-clube e a primeira pessoa que
passara a torcer por ele. E não deixou de dar um sorriso ao se aproximar da
estação de trem da cidade, onde ali próximo havia conhecido Forrest, que sem
muitas perguntas iniciou sua viagem com ele.
Pegou uma PokéBola do bolso e apertou o botão
central, liberando um Pokémon de dentro da cápsula. Quilava esticou-se como um
felino e alongou seu corpo, dando um sorriso de satisfação. Ethan agachou-se ao
lado de seu Pokémon e começou a acariciar seu corpo.
— Você lembra, Lava? Foi aqui que você evoluiu,
apesar de eu achar que eu não iria achar tão ruim te curtir um pouco mais como
Cyndaquil... — o garoto riu com o grunhido de Quilava em resposta. — Aqui nós
definitivamente nos tornamos um pouco mais fortes. E pensar que estamos tão
perto da Liga Pokémon agora...
— E vocês merecem todos os parabéns por isso.
Ethan assustou com a voz. Ao virar-se para
trás, reconheceu o rosto de três líderes de Ginásio que enfrentara meses atrás:
Falkner, o Líder do Ginásio local, Whitney, de Goldenrod e Bugsy, do Ginásio de
Azalea.
— Oi gente! — exclamou o garoto com um
sorriso. — Como é bom ver vocês!
— Já se passaram alguns meses desde que nos vimos pela última vez, não
é?Foi quando lhe entreguei a Insígnia Zephyr — comentou Falkner.
— Você parece que ficou até mais bonitinho desde a última vez que eu te
vi — disse Whitney com certa malícia no tom de voz, o que passou despercebido
por Ethan.
— Você acha? Eu não fiz nada de diferente ultimamente... — respondeu o
garoto tentando olhar para a franja.
— Tal qual um Caterpie, vejo que você cresceu e evoluiu para um
Butterfree. Isso é maravilhoso! — disse Bugsy orgulhoso.
— O que vocês estão fazendo? Só fazendo uma excursão aleatória pela
cidade? — quis saber Ethan.
— Mais ou menos... — comentou Bugsy com um sorriso sem graça e os braços
para trás, como uma criança que acabara quebrar algum quadro da parede da sala
e tentava disfarçar dos pais.
— Na verdade, estávamos em reunião até agora a pouco — disse Falkner. —
Discutindo algumas coisas sobre a Equipe Rocket.
Ethan arregalou os olhos enquanto Whitney encarou o colega com certo
desprezo.
— Equipe Rocket? Esses caras
não sumiram depois do que aconteceu no Lago dos Magikarp? — a indagação do
garoto soou quase como se tivesse ouvido uma piada indevida e estivesse
reprimindo Falkner.
— Você não devia estar falando essas coisas em voz alta — repreendeu Whitney.
— Achei que o combinado era justamente resolver isso entre nós e não deixar
essa informação vir a público.
Falkner balançou a mão direita no ar como se estivesse espantando um
mosquito.
— Ninguém some assim, do nada —
respondeu Falkner. — E, se os rumores forem verdadeiros, nós precisamos estar
ainda mais fortes. Com toda a certeza, eles vão vir com tudo, sem nada a
perder.
Bugsy passou o olhar entre os dois líderes e repousou em Ethan.
— Eu me pergunto se seremos capazes de conter uma força dessas.
O garoto se sentiu constrangido.
— Vocês são líderes de Ginásio. São literalmente os caras mais fortes
das suas cidades, vocês não precisam se preocupar com isso. Sem falar que eu
derrotei vocês, então eu também sou forte e estou disposto a acabar de vez com
esses cretinos!
— Obrigada pela parte que me toca — disse Whitney com ironia.
Falkner virou-se em direção à Torre Brotinho que podia ser vista no
horizonte.
— Derrotar a Equipe Rocket não é apenas uma questão de força, Ethan.
Eles são maus. Lembra o que aconteceu no Lago dos Magikarp? Ele agora se chama
“Lago da Fúria” por um motivo. Um Magikarp em específico foi obrigado a evoluir
e perdeu o controle, graças às ondas de rádio que aqueles bandidos manipularam
para tentar comandar os Pokémon. E sabe-se lá quanto tempo essas ondas de rádio
ficaram soltas por aí... — o Líder de Ginásio olhou para Quilava. — Às vezes,
até mesmo algum Pokémon seu pode ter
sofrido interferência genética por causa disso e você não sabe.
Ethan hesitou por um momento. Durante a sua jornada, enfrentou a Equipe
Rocket algumas vezes, mas nunca parara para pensar no quanto a organização e seus
integrantes poderiamrealmente fazer
mal para o mundo. Ele só conseguia pensar em uma única pessoa quando ouvia o
nome deles: Amanda Green.E Ethan sabia que Amy não era como eles. O motivo de
às vezes sentir raiva ao pensar na garota era apenas porque ela era sua
ex-namorada e a culpa do término nem foi por causa dela, foi por causa do próprio garoto. E isso ele não perdoava.
Ele foi despertado dos
pensamentos quando ouviu o estalo característico de uma PokéBola se abrir
próximo a ele. Um pássaro pequeno com penugem verde e bico amarelo cujo formato
do corpo era tão arredondado quanto uma bola repousava tranquilo na cabeça de
Falkner. Ethan sacou sua PokéDex.
— “Natu, o Pokémon Pássaro
Pequeno. Como suas asas ainda não estão completamente crescidas, ele só se
locomove pulando. Está sempre fixando o olhar em alguma coisa. Ele geralmente
procura comida no chão, mas pode, em raras ocasiões, pular em galhos para bicar
brotos” — informou o dispositivo eletrônico. Ethan no entanto reparou que a imagem que o aparelho exibia do
Pokémon não correspondia ao que ele via em sua frente.
— Por que a asa desse Natu
não está como a PokéDex mostra? Parece menor...
— É porque está menor —
respondeu Falkner. — Esse Natu nasceu após os acontecimentos no Lago da Fúria. Ele
é um Pokémon com uma deficiência física, um resultado vivo dos planos malignos da Equipe Rocket. Mas, felizmente, não
parece se importar muito com isso.Ele se dá bem com outros Pokémon.
Natu olhou para Ethan, piou e pulou para a cabeça do garoto, olhando-o
de cima.
— Como está o tempo aí em cima? — brincou Ethan com um sorriso.
Bugsy teve um estalo.
— Aonde você estava indo? — perguntou a Ethan.
— Eu estava indo no PokéMart repor alguns suprimentos pra viagem. Por
quê?
O Líder de Ginásio olhou para o trio à sua frente e sorriu.
— Vocês topam embarcar numa crisálida?
Whitney encarou o colega como se ele tivesse alguma doença contagiosa.
— Uma cris-quem? Eu conheço?
— Não é quem. É o quê. Uma crisálida é a fase onde um
inseto se resguarda antes de evoluir. É a sua preparação para a vida adulta.
A menina bufou pelo nariz.
— Você não espera de verdade
que a gente vire uma Butterfree, né? Porque isso, tipo, seria impossível.
A verdade é que Ethan estava começando a se irritar com as ironias de
Whitney. Ele havia esquecido como ela poderia ser alguém insuportável. Bugsy
não parecia se importar com isso, no entanto.
— Não, claro que não — respondeu com um sorriso. — É só um modo de
dizer. Na minha cabeça, é o mesmo sentido:
Nos prepararmos para o que vem pela frente.
Ethan, Falkner e Whitney se
olharam, as sobrancelhas arqueadas, curiosos para saber o que se passava na
cabeça de Bugsy.
***
Quando as portas do Centro
Pokémon se abriram, Ethan não viu Chase ou Elaine na recepção. Dirigiu-se então
até o balcão de informações onde perguntou a recepcionista sobre os irmãos, que
estavam na sala de enfermagem.
O garoto quase se
arrependeu de ter entrado chamando pelos gêmeos em voz alta;não apenas por ter
visto um olhar de reprovação da Chansey que estava ali, mas porque os irmãos
estavam cochilando, sentados em duas cadeiras com as cabeças encostadas uma na
outra.
Com um sorriso amarelo sem
graça, Ethan coçou a parte de trás da cabeça, embaixo da aba do boné. Chansey
voltou a encarar a ficha na prancheta em suas patas — e Ethan achava cômica a
possibilidade de um Pokémon saber ler
de verdade — e analisar um ovo em uma incubadora à sua frente.
O ovo começou a se mexer
dentro da incubadora. Sua casca começou a aparentar rachaduras e Ethan ergueu as
sobrancelhas, surpreso. Chansey rapidamente correu até uma mesa lateral, onde
um computador estava montado, e apertou um dos botões ao lado do teclado. O
garoto ouviu um sinal tocando da recepção e, instantes depois, uma Enfermeira
Joy entrou com rapidez na sala, dirigindo-se imediatamente até a mesa onde a
incubadora estava repousada.
— O que está acontecendo? —
perguntou o garoto em um tom de voz alarmante.
— Está nascendo — respondeu
Joy com um sorriso. — Seu Pokémon está nascendo!
A enfermeira, com o auxílio
de Chansey, removeu o ovo da incubadora e o colocou sob algumas almofadas
confortáveis, monitorando de perto a casca rachando. Ethan se aproximou com
cautela e sentiu um frio na barriga ao ver o ovo descascar.
A cabeça era maior que o
corpo e os cabelos eram loiros, com tufos desarrumados no topo, indo até abaixo
do pescoço e concluindo-se em uma franja grande. Sua pele tinha um tom
arroxeado claro, quase rosado, e a parte superior de seu corpo era cor de
creme, também a mesma cor dos bracinhos que se apoiavam na cintura. Os grandes
olhos esverdeados — que só não eram maiores que seus lábios róseos — abriram-se
curiosos, olhando para cima e para os lados tentando entender onde estava, até
que seus olhos cruzaram com os de Ethan, atraídos pela PokéDex do garoto que
estava apontada para o Pokémon.
— Smoochum, o Pokémon Beijoqueiro. Seus lábios são as partes mais
sensíveis de seu corpo. Sempre usa os lábios para examinar as coisas eestá
sempre balançando a cabeça lentamente para frente e para trás, como se
estivesse tentando beijar alguém — informou o dispositivo.
O garoto sorriu.
— Oi, bebê! Como você está?
Não havia nem dez minutos
que Smoochum havia nascido, mas ela já sentiu uma sensação única na vida: sua
respiração pesar, um peso no peito e um grupo de Butterfree em seu estômago.
Ethan era o ser humano mais bonito que já havia visto.
A Pokémon não resistiu aos
impulsos e saltou de supetão na cara do garoto e começou a beijar seu rosto. No
susto, Ethan caiu no chão e seu pé atingiu a prancheta de Chansey, que deu um
gritinho e derrubou-a no chão, fazendo um barulho alto.
Da cadeira, Elaine abriu os
olhos. Ainda com sono, demorou alguns segundos para processar a cena à sua
frente — Ethan deitado no chão com um Smoochum beijando seu rosto de forma
intensa.
— P-pai?! O que você tá
fazendo?
Ela se levantou depressa
para ir ajudar Ethan, o que levou Chase a acordar no susto após sua cabeça,
antes apoiada no ombro da irmã, vacilar no ar. A Enfermeira Joy olhou para
Elaine e assustou-se com a garota chamando Ethan de pai. Não podia ser possível. A explicação mais óbvia que passara
por sua cabeça era que a menina o havia chamado assim porque, bem, Ethan agora era pai, tinha acabado de receber
um Pokémon recém-nascido. Sim. Essa era a única interpretação possível.
A mulher trocou olhares com
Chansey e suspirou de alívio.
...
Os exames indicaram que
Smoochum era um Pokémon bebê saudável. Apesar da paixão avassaladora por Ethan
— o que deixou Elaine chateada por ter sido ignorada pelo Pokémon. Afinal de
contas, havia sido ela quem havia
cuidado do ovo nos últimos dias —, não havia nada de anormal em sua saúde.
Segurando-a em seu colo,
Ethan estava diante dos gêmeos na cafeteria do Centro Pokémon. Havia três
pratos quase vazios, exceto por migalhas de croissants, bolo e torta diante
deles. Chase e Elaine se olharam, ponderando sobre o que o mais velho havia
acabado de falar.
— Então os Líderes de
Ginásio não sabem se a Equipe Rocket sumiu de vez e querem que a gente fique
aqui em Violet treinando? — perguntou
Chase.
— Em resumo, é isso —
respondeu Ethan, acariciando a cabeça de Smoochum. — Se eles, que são os caras
mais fortes, estão com medo de não
serem fortes o bastante pra encarar uma organização criminosa como os Rockets,
o que vai ser de um mero treinador como eu?
— Você tem oito insígnias,
não vai perder pra nenhum deles! — exclamou o menino.
— Obrigado pelo apoio,
carinha. Mas eu acho que eles têm razão... É sempre bom estar preparado pra uma
coisa assim. Sem falar que um treino antes da Liga é sempre bom.
Os gêmeos voltaram a trocar
olhares preocupados.
— Mas isso não vai desviar
do nosso foco de chegar em Ecruteak? — perguntou Elaine, preocupada.
Ethan ficou em silêncio por
um instante e olhou para a mesa.
— Eu pensei nisso... E toda
vez que eu me perguntava se valeria a pena, meu cérebro me fazia lembrar que em
todos os momentos em que eu tive que enfrentar a Equipe Rocket ou algum outro
oponente poderoso, Forrest e Amy sempre estiveram comigo. Eu estou sozinho, não
tenho eles comigo pra me dar suporte — Ethan olhou para os gêmeos e ficou sem
graça ao olhar a expressão dos irmãos. — Não que eu não esteja feliz em viajar
com vocês ou não ache vocês bons treinadores. Mas vocês começaram a jornada
recentemente, não foi? E por mais que vocês digam que podem dar conta, vocês não sabem como a Equipe Rocket pode ser
trapaceira e maquiavélica. Eu tenho oito insígnias e, bem, eu não faço ideia se
eu daria conta de confrontar a força dos Pokémon em posse deles.
Outra vez, o silêncio tomou
conta da mesa, sendo quebrado apenas por Smoochum tentando insistentemente beijar
o rosto do treinador.
— Nicki, será que você
podia me amar menos? — perguntou o
garoto ao Pokémon com um sorriso sem graça.
Elaine ergueu as
sobrancelhas e as orelhas.
— Nicki?
— É. Apelido de um nome que
eu acho bonito. Se um dia eu tiver uma filha, eu vou chamá-la de Nicole. Como a
Smoochum é um bebê, e vocês me chamaram de pai
por causa disso, então eu achei legal chamar ela assim. Por quê? Acham feio?
Para o susto de Ethan,
Elaine começou a chorar. Chase encarou o mais velho com uma expressão
estupefata. Nenhum dos dois soube o que fazer naquele momento.
As poucas pessoas que
estavam na cafeteria naquele momento, sentadas em mesas mais distantes, pararam
o que estavam fazendo e dirigiram os olhares à mesa do trio.
— Ei, Elaine... O que foi?
— perguntou Ethan, preocupado.
— T-tá t-tudo bem... —
respondeu a garota em soluços. — E-eu s-só... E-eu s-só...
E voltou a chorar. Chorava
como uma criança que havia se perdido dos pais em um parque e não sabia como
voltar para casa.
Naquele momento, era exatamente como Elaine se sentia. Tão
perto e tão próximo do pai que tanto admirava e sem ser reconhecida, ao mesmo
tempo em que tudo o que Ethan fazia
era tão próximo a ela, dos sentimentos dela, das memórias dela, que ela não
sabia o que fazer.
Para piorar a situação, o
mais velho retornou Nicki à PokéBola — para sua surpresa e contragosto — e
abraçou a menina.
— Tá tudo bem, tá tudo bem.
Pode chorar.
Chase ficou com vergonha
quando percebeu que também estava com vontade de chorar. Preferiu baixar a aba
do boné e engolir o choro, passando as costas das mãos nos olhos para secar o
que estava úmido.
***
Era dia 6 de agosto. Ethan
estava incrivelmente animado. Diferente de noventa e nove por cento das vezes, hoje
ele não estava de cara feia, com o seu mau humor típico de quando é obrigado a
acordar cedo. O relógio na parede do quarto marcava sete e meia da manhã,
pontualmente. Ele já estava acordado, de banho tomado e arrumado. Amarrava o
tênis quando o despertador no seu PokéGear tocou em seu braço. Segundos mais
tarde, ouviu o beliche do outro lado do quarto fazer barulho com alguém se mexendo
por entre as cobertas. Foi quando a voz de Chase, sonolenta, quebrou o silêncio
matutino.
— Bom dia... Você já está
de pé?
— Bom dia. Eu acabei
acordando antes do despertador e resolvi me arrumar logo.
— Mas a gente não tem que
estar na Torre Brotinho só às nove horas? — Chase, ainda morrendo de sono,
focou sua atenção no relógio na parede.
— Sim. Mas já que eu tava
sem nada pra fazer... Eu me adiantei.
Ethan sorriu. Chase
bocejou.
— Eu vou acordar a minha
irmã.
— Tá bem. Eu espero vocês
lá embaixo.
...
Era Elaine quem se
aproximava da grande torre com cara de poucos amigos. Andava como se estivesse
se arrastando, forçando-se ao máximo, como se algo estivesse impedindo-a de caminhar
para frente, puxando-a para trás — e não tinha nada a ver com a Eevee que
repousava em sua cabeça. Mesmo após um café da manhã reforçado, a menina não
parecia muito disposta a encarar aquele projeto de treinamento.
Um caminho de pedras partia
da ponte sobre o lago e guiava até a entrada da torre. Os beirais do lado de
fora do pagode ostentavam delicadeza na grandiosa arquitetura que por si só era
de tirar o fôlego. A torre, feita de madeira, tinha três andares e três
telhados curvos e gigantescos de cor azulada que ajudavam a desviar a água da
chuva. Além disso, também era possível ver algumas pinturas do que pareciam
ser, claro, de Bellsprout, o Pokémon símbolo daquela localidade.
No topo das escadas,
Falkner aguardava o trio. Sorridente, abriu os braços em um boas-vindas
caloroso.
— Que bom que vocês vieram!
Obrigado pela disponibilidade de encarar esse desafio.
Ethan sacou uma PokéBola.
— Onde vamos começar? Quais
tipos de Pokémon nós vamos enfrentar? Minha equipe já está preparada para
enfrentar todos os Bellsprout que tiverem aí dentro!
— Ohoho, eu gosto do seu
entusiasmo, mas pode guardar sua PokéBola.
Um homem saiu de dentro do
templo. Ele era menor que Falkner, um idoso careca de traços asiáticos que
trajava uma yukata púrpura que cobria boa parte do seu corpo e uma túnica
amarela com estampas de PokéBola sobre seus ombros, por cima. Sob os pés, os
chinelos com base de madeira que prendia os pés com uma tira de tecido
conhecidos como geta. A barba longa e
branca do velho fazia Ethan lembrar-se das imagens dos grandes sábios antigos
que as pessoas diziam passar a vida meditando no topo de montanhas. Ou de um
mestre de artes marciais exigente.
— Mestre Li! — exclamou
Falkner, curvando o corpo para cumprimentá-lo. — Estes são os treinadores que
falei.
O idoso olhou para os três
de cima a baixo, coçando a barba e fazendo o que parecia ser ponderações
silenciosas.
— Muito prazer, eu me chamo
Ethan. E estes aqui são Chase e Elaine — apresentou o mais velho. — Por que eu
tenho que guardar a PokéBola? Nós não viemos treinar?
— Há muitas formas de
treinamento, garoto Ethan. Se você quiser se tornar um grande treinador, usar
seus Pokémon é o último passo.
Ethan olhou para Li com uma
das sobrancelhas erguidas, em uma expressão incrédula. Mestre Li pareceu não
perceber, focando a sua atenção para Elaine, que ainda estava emburrada.
— Me diga, senhorita. Qual
é o seu sonho?
Elaine encarou o Mestre.
— Atualmente, seria dormir
um pouco mais — e recebeu uma cotovelada do irmão bem no meio das costelas. —
Mas eu quero ser uma mestra de Pokémon. Viajar o mundo todo e treinar Pokémon
de todo tipo. Igual ao meu pai.
Ethan não percebeu a olhada
discreta que a menina lhe deu.
— Hum. Interessante. É um
sonho muito ambicioso, mas eu gosto de como você fala sobre ele. Vai exigir de
você muitas habilidades de raciocínio para saber como capturar cada um dos
Pokémon do mundo. E você, meu jovem?
Chase olhou para o Mestre
Li levemente envergonhado. Deu uma leve comprimida em Pikachu na direção do seu
peito, como se Takara fosse um bicho de pelúcia.
— Bem, eu gostaria de fazer
a PokéDex perfeita... Coletar os dados de todos os Pokémon do mundo, cada um
deles. É meio bobo, mas... Eu gosto.
— Não é nada bobo — disse
Li com um sorriso terno. — Como o de sua irmã, é algo que vai exigir muito da
sua capacidade de observação para conseguir coletar dados de seus
comportamentos e interações no meio em que eles vivem. E você, meu rapaz? Qual
é o seu sonho?
Ethan, que estava em
silêncio desde que ouviu a pergunta feita para Elaine a primeira vez, demorou
alguns instantes para responder.
— Qual é o meu sonho? Eu
sei lá. Acho que não tenho um.
Mestre Li
olhou para Ethan coçando a barba branca e soltou uma respiração profunda e sonora.
Parecia incomodado com a resposta, mas nada disse. Cruzou os braços e deu um
passo para o lado, liberando a entrada para a Torre Brotinho.
Havia um
sino próximo à porta. Mestre Li aproximou-se e o tocou.
O som ecoava
por todo o interior da torre. As madeiras amplificavam-no como fogo na palha. O
grave reverberava e podiam-se sentir vibrações dentro do estômago.
Outros três
monges apareceram, estes, mais novos que o Mestre Li. Apesar de não
completamente carecas, tinham a cabeça raspada. Usavam um robe longo, que
vestia seus corpos por inteiro. As cores variavam entre laranja, marrom e
amarelo.
Tal qual
Falkner, cumprimentaram Li curvando o corpo para frente.
— Monge
Nico, por favor, leve a menina com o Eevee. Vamos melhorar o humor dela, sim? —
pediu Li com um sorriso convidativo.
— Sim,
mestre — respondeu Nico, o monge de robe marrom. — Por aqui, senhorita.
Elaine
demorou alguns segundos para subir as escadas em direção ao interior da torre.
Olhou para trás e hesitou por alguns instantes por ver que Ethan e Chase não a
estavam seguindo. O Monge Li sorria para ela, a incentivando a continuar. Nico
encostou a mão no ombro da menina e a conduziu para o interior da torre.
— Monge
Ping, por favor, leve o senhor Falkner até os outros — disse Li ao monge que
vestia o robe amarelo. — E quanto ao menino, cuide dele, por favor, monge Koji.
Os dois
monges se curvaram diante de Li e conduziram Chase e o Líder de Ginásio para o
interior da torre. Do lado de fora, sobraram ele e Ethan, que calado, parecia
aguardar o seu destino.
— Eu me lembro
de um jovem que no começo do ano apareceu aqui com um pequeno Cyndaquil. Ele usava
o mesmíssimo boné que você está usando agora. Eu acredito que ele só era um
pouco mais hiperativo que o rapaz em minha frente — disse Li com um sorrisinho.
O velho sorria demais, pensou Ethan. Ninguém podia ser tão feliz desse jeito. —
Eu achei que não o veria de novo depois de ter derrotado quase todos os
Bellsprout da torre.
Ethan se
engasgou com a própria saliva e passou a tossir.
— O
SENHOR TAVA NESSE DIA?!
— Eu sempre estou aqui. Todos os dias.
O
silêncio constrangedor só não tomou conta de vez por causa da tosse engasgada
de Ethan.
— Eu te
fiz uma pergunta agora a pouco. Qual é o seu sonho?
Ethan
respirava fundo, tentando parar de tossir. O garoto estava vermelho, como se
tivesse comido uma fruta Tamato.
— Eu já
respondi pro senhor. Eu não tenho um sonho.
— Então
por que você viaja? O que te motiva a treinar Pokémon?
— Eu só
queria sair de New Bark. Eu não aguentava mais aquela cidadezinha. Todos os
dias sendo a mesma coisa. Eu só
queria uma desculpa pra me mandar de lá.
— E você
não encontrou nada com o que você se
importasse, além de você mesmo? — Mestre Li coçava a barba.
Ethan
respirava fundo. Tossia quase nada. Imediatamente, a imagem de Amy veio à sua
cabeça. O garoto balançou a cabeça tentando afastar a lembrança.
— Claro
que eu encontrei. Mas isso não vem ao caso! O que isso tem a ver com o
treinamento? Como isso vai me fazer ser um treinador Pokémon melhor?
Mestre Li
olhou para Ethan e começou a caminhar em direção ao interior da torre.
Instintivamente, o garoto o seguiu.
Talvez
pela sua passagem ter sido rápida, talvez por ter sido há meses, mas Ethan tinha
se esquecido completamente de como a Torre Brotinho era magnífica por dentro.
Havia estátuas de Bellsprout por todos os lados, esculpidas em madeira e outras
feitas em argila, dos mais diversos tamanhos. Os monges realmente adoravam aquele Pokémon.
Apesar de
tudo, o grande eixo central de madeira que tinha por volta de uns trinta metros
de altura era o que mais fazia a mente de Ethan explodir. Como poderia aquele
troço mexer de um lado pro outro e não derrubar aquela estrutura imensa?
— Em uma
batalha Pokémon, a última coisa que um bom treinador faz é comandar os golpes
para um Pokémon. Tudo começa bem antes — Mestre Li apontou para a têmpora. —
Bem aqui.
— Belo
discurso, vô. Típico do que eu esperaria de um monge budista que passa metade
da vida meditando.
Li não
pareceu se ofender com o comentário.
— A
meditação é muito importante, meu jovem. E é o que falta pra você ser um bom
treinador.
— Eu já
tenho oito insígnias. Eu acho que já sou
um bom treinador.
— Então o
que é que você procura aqui?
Ethan
hesitou por um instante antes de responder.
— Eu
quero ficar mais forte. Quero impedir que a Equipe Rocket volte e cause mais
problemas pra Amy.
— Ha!
Então a sua motivação tem nome. O seu sonho
se chama “Amy”. Entendo.
Se alguém
que estivesse passando por ali tivesse que descrevê-lo naquele momento, com
certeza diria que Ethan havia comido pelo menos dois quilos de fruta Tamato de
tão vermelho que seu rosto havia ficado.
Os dois
cruzaram o grande salão principal e subiram escadas. No segundo andar do pagode,
um corredor silencioso era dividido entre portas de madeira dos dois lados que
davam para salas aparentemente vazias e o lento e hipnotizante balançar do eixo
central. Ethan, no entanto, não conseguiu não soltar um suspiro surpreso quando
passou por uma das janelas e viu vários monges de olhos fechados,
concentrando-se em alguma coisa que, pensou ele, fosse a tal meditação.
— O eixo
central da Torre Brotinho é como o corpo de um Bellsprout, se adapta às
situações. A torre não foi construída para lutar contra um terremoto, ela foi construída para se adaptar ao choque e ainda se manter firme.
Assim como um Bellsprout, que finca suas raízes na terra e se adapta ao
movimento do oponente, sendo muito difícil de derrubá-lo sem uma boa estratégia.
Você, meu jovem, precisa entender que você pode ter uma grande força, mas sem
uma Mente de Cristal, você não
conseguirá se adaptar às surpresas dos seus próximos desafios.
— “Mente
de Cristal”? O que é isso?
— Um
cristal é um sólido cujas moléculas estão organizadas em um padrão simples e
bem definido. O conceito da Mente de Cristal é justamente você poder ter
controle da situação sem se distrair com pensamentos alheios. Ter a visão dos
próximos passos antes de fazê-lo.
Pela
primeira vez desde que chegara, Ethan ficara interessado de verdade.
— E como
eu consigo desbloquear essa Mente de Cristal?
— É um
processo. Não existem máscaras, você precisa encarar o seu verdadeiro eu e
lutar com toda a parte negativa do seu ser. Ansiedade. Hiperatividade. Medo.
Angústia. Tudo de negativo que você possa ter e que te impede de crescer como
treinador. E, principalmente, como ser humano.
— O
senhor fala como se isso fosse doer de verdade — disse Ethan com um certo tom
de deboche na voz.
O garoto
e o Mestre entraram em uma das últimas salas do corredor — a penúltima sala à
direita, para ser mais exato. Havia alguns tapetes no chão, a sala era
iluminada por velas em candelabros e um cheiro doce emanava pelo ar.
Mestre Li
passou pelo garoto e fechou as cortinas de seda, vedando a luz do sol. Sem pressa
alguma, passou a acender velas que estavam em cima de móveis de madeira
encostados nas paredes. Tão discretos que Ethan só notou porque Li se dirigiu a
elas.
— Mas vai doer de verdade — disse o idoso
enquanto acendia as velas. — O processo é doloroso. Há um preço a se pagar para
se ter um Coração de Ouro valente, uma Alma de Prata límpida e uma Mente de
Cristal inabalável. Quando todos eles convergem, você se torna um Mestre
Pokémon.
— Mas eu
não tenho o sonho de ser um Mestre Pokémon. Eu só quero proteger aqueles que eu
amo.
— E ser
um Mestre Pokémon não é isso? Ter a sabedoria de poder controlar os poderes dos
Pokémon para fazer o bem para aqueles que você ama e para todas as pessoas que
precisarem?
A fumaça
doce das velas fazia Ethan se sentir embriagado. Seus olhos começaram a ficar
pesados e seu corpo começou a pesar.
— Qual é
o seu sonho, garoto? Você precisa encontrar
uma resposta.
Um baque
surdo no chão de madeira. O corpo de Ethan jazia adormecido enquanto sua
consciência era transportada para outro plano.
Dentro
dos próximos dias, o Mestre Li não precisaria mais repetir a pergunta para ele.
Ethan, sozinho, começaria a fazê-la para si próprio.
— Qual é
o meu sonho?
TO BE CONTINUED...
Capítulo 73
Um Pokémon pequeno —
um pássaro de penugem verde e bico amarelo cujo formato do corpo era tão
arredondado quanto uma bola — dava pequenos pulos no interior daquele bosque.
Natu era uma espécie de Pokémon que não tinha a habilidade de voar naturalmente
devido ao tamanho pequeno de suas asas, de um tom vivo de amarelo e vermelho
com grossas listras pretas. Mas aquele Natu em específico tinha uma de suas
asinhas menor do que qualquer outro de sua espécie.
O problema com sua asa
era resultado de uma má-formação congênita devido as ondas de rádio usadas pela
Equipe Rocket para tentar controlar os Pokémon. O efeito colateral foi Pokémon evoluindo
de maneira forçada e outros nascendo, justamente, com algum tipo de deficiência
física ou motora.
— Ei, mocinho, onde
você pensa que vai? — A voz de um garoto reverberou por entre as árvores.
— Shhhh! — Chiou uma segunda voz masculina. — Você vai entregar a
nossa localização, Ethan.
— Foi mal — respondeu
o menino em um sussurro. — O Natu está fugindo!
— Traga-o de volta sem
fazer barulho.
Ethan podia até
cochichar, mas não tinha aprendido a andar de forma leve sobre as folhas secas
caídas pelo chão que farfalhavam tão alto naquele imenso silêncio que uma
torcida em um estádio na região de Galar poderia fazer menos barulho. O bater
das asas de diversos Hoothoot irritados ajudou a constranger o menino, junto
com o olhar de desaprovação de Falkner.
— É a mesma coisa que
falar com a parede... Vamos continuar procurando por alguma pista, estamos nos
aproximando do ponto de encontro com Whitney e Bugsy. Espero que eles tenham
tido mais sorte que a gente.
Natu continuou saltitando
por entre as folhas até parar em cima de um tronco de árvore caído com um
estranho monte formado de folhas secas e galhos quebrados no chão ao lado.
Ethan aproximou-se na ponta do pé e o pegou gentilmente com as duas mãos,
levando-o até o topo de sua cabeça e o depositando com cuidado.
— Tutu — piou o passarinho.
— Te peguei! Vê se não
sai correndo agora, hein? Quer mais uma bolachinha?
— Tutu.
O menino tirou do
bolso do shorts um pedaço de biscoito salgado. Quebrou-o e levou as mãos até o
topo da cabeça onde Natu passou a comer dando saltinhos de felicidade.
— Eu não acho muito
inteligente deixar um Pokémon comer toda a sua comida. Estamos na mata, sabe-se
lá quando vai ser a sua próxima refeição.
— Tá tudo bem. Teve uma vez que eu me perdi numa caverna com Forrest, Elaine e Chase e acabou que um Dunsparce levou a gente pro lado de fora. Como seus Pokémon pássaros não conseguem voar muito alto por causa das árvores, pelo menos fazer amizade com esse carinha aqui pode nos garantir encontrar a estrada pra Violet.
— Os Pokémon pássaros são
extremamente leais e inteligentes, é por isso que eu gosto tanto deles. Eles se
adaptam bem em praticamente todos os ambientes e tem uma memória incrível
quando se trata de construir seus ninhos. Voam milhas atrás de comida e
material e sempre sabem o caminho de volta.
Natu usou sua asa para
limpar o bico enquanto Ethan limpou o farelo da bolacha passando a mão em seus
shorts.
— Muito bem, vamos continuar
procurando aquele esquisitão — disse o garoto que não percebeu o Pokémon em sua
cabeça olhando fixamente para o tronco de árvore onde pousara a pouco que
ficava cada vez mais distante conforme a cabeça do garoto em que descansava o
levava para o meio das árvores.
Levou algum tempo —
propositalmente calculado — para que o ser misterioso tivesse a certeza de que
estava sozinho. Antes de se levantar do chão, no entanto, voltou sua atenção
para dentro de si e o mundo digital. Com isso, não percebeu uma estranha figura
oculta por entre as árvores, camuflada nas sombras, que observava sem fazer
barulho.
Takara estava cansado.
Faíscas saíam de suas bochechas, mas ele ainda persistia em concentrar-se para
disparar mais choques elétricos dentro daquele lugar, esperando dar algum
curto-circuito em alguma parte do sistema. Porygon2 flutuou até ele e
manteve-se em seu tamanho original. Não parecia disposto a brigar.
— Eu disse que você não tem
como sair daqui — disse em sua voz robótica. — E se você conseguir causar
problemas em meus sistemas vai ser pior ainda.
O Pikachu pareceu ceder por
um instante.
— Eu não tenho medo, eu não
vou desistir tão fácil!
Porygon2 continuava sem
esboçar qualquer temor em relação ao oponente raivoso.
— Eu não estou aqui pra
causar medo. Estou aqui para levar você pra casa.
— Eu estava em casa até você
me trancar aqui!
— Não. Você não estava em
casa. Você não está no seu mundo. Nem você, nem seu treinador.
As orelhas de Takara ficaram
de pé assim que Pikachu ouviu a menção ao garoto.
— Deixe o Chase fora disso!
— Não posso... Eu devo levar
todos vocês de volta para o lugar que pertencem.
— Eu tenho muita energia
sobrando pra te enfrentar. Você está tão preocupado comigo que não faz ideia de
onde o Chase possa estar agora. E enquanto eu tiver de pé, eu não vou deixar
você procurá-lo.
Porygon2 ficou em silêncio
por alguns segundos antes de responder.
— Eu não preciso procurá-lo.
Eu sei exatamente onde ele está.
Um painel surgiu de uma das
placas de circuitos do interior daquele monstrengo.
Letras, números e símbolos
formavam códigos de programação que voaram velozes como borboletas,
agrupando-se pelo espaço cibernético. Começaram a surgir então seres sólidos em
três dimensões com partes hexagonais bicolores em tons de rosa e azul, surgindo
de portais que cresciam e se espalhavam. Tais seres voavam para todos os lados,
disparando em velocidade alucinante, enquanto alguns outros permaneciam
parados, olhando para o visor que dava visão para o lado de fora.
Takara encarava as criaturas
de forma incrédula.
— Eles são algum tipo de...
Pokémon?
— Esses são os meus
soldados. Todos eles são Porygon e aqui no mundo virtual eles têm toda a
vantagem de usar seus poderes de forma plena.
— O que é você?
— Eu sou Porygon2, a criação
perfeita. Por minha causa, viajar no tempo não é mais uma utopia, um sonho
mundano de um ser humano.
O Pikachu hesitou por um
instante, refletindo sobre o que estava ouvindo.
— Você está louco... Como
isso é possível?
— Eu posso encontrar você em
qualquer era que a tecnologia me permitir navegar. Essa é a grande magia da
internet...
De onde supostamente
deveriam ser os olhos de todos os Porygon presentes, uma fina camada de luz
fora projetada para fora. Tal qual um projetor, transmitia imagens de diversas homepages conhecidas, sites de busca,
redes sociais, sites de vídeos, fotos, todos exibidos um por um de forma
ininterrupta e em imagens que não duravam nem um segundo.
— Qualquer coisa que as
pessoas publicam deixa rastro. Esse rastro me permite saber exatamente a data,
o horário e o lugar exato que eu posso me transportar de qualquer pessoa que
exista ou venha a existir... Porque afinal de contas, ela vai usar a Internet em algum momento... E foi assim que eu
encontrei vocês. É será assim que eu os devolverei ao seu Tempo.
O Porygon-Z saiu da frente
de Takara. Na grande tela onde antes eram projetadas os sites da internet,
imagens que pareciam ser de câmeras de segurança eram exibidas. Parecia ser um
Centro Pokémon. Podia-se ver o balcão da recepção com o logotipo do hospital,
quartos vazios onde, aparentemente, era os leitos, a enfermaria... Chamava a
atenção estarem praticamente vazios. Pode-se notar a aparente destruição do
lugar. Cada vez que a imagem de uma câmera mudava,uma área se mostrava bastante
prejudicada. Uma fina fumaça era exibida e parecia perseguir cada imagem que
era exibida.
Corte de imagem. A cena
exibida mostrava um grupo de pessoas reunido no saguão. Uma mulher com longos
cabelos acinzentados, um homem ruivo, cujos olhos eram cobertos por uma máscara
dominó e duas crianças idênticas, gêmeas, um menino e uma menina. Ela estava
abraçada com um Snubbull de pelúcia e estava com curativos na testa e nos
joelhos, além do antebraço enfaixado. Não parecia estar debilitada, mas se
apoiava nos outros três.
Takara reconheceu seu treinador.
— Chase! — gritou o Pikachu.
Sua voz ecoou pelo ciberespaço. O garoto pareceu não ouvir.
— Não se preocupe — a voz
robótica de Porygon2 pareceu assustadoramente calma. — Vocês irão se reunir
agora.
No mundo real, as luzes
piscaram. Mas o que realmente despertou a atenção e urgência dos treinadores
ali foi que, do balcão da recepção, um raio de luz forte saiu do monitor do
computador e explodiu, levando os quatro a se jogarem no chão. Os dois adultos,
Karen e Will, prontamente levantaram-se e sacaram suas PokéBolas, atentos para
o que quer que estava acontecendo. Uma densa nuvem de fumaça negra começou a
tomar conta do lugar enquantoum zumbido insuportável atingiu seus ouvidos. A
Miltank de Whitney logo se colocou pronta para o combate, tentando ver através
da fumaça.
— O que está acontecendo?! —
podia-se ouvir a voz de Elaine.
— Eu não sei... Mas eu não
previ isso chegando... — a voz de Will respondeu.
Passos foram ouvidos
aproximando-se na direção do grupo. A Miltank curvou seu corpo para frente e
prontamente acelerou, usando Rollout
na direção do oponente, qualquer que fosse ele. A coisa, claro, foi pega de
surpresa, pois o impacto o arremessou do outro lado da recepção, fazendo-o
bater com força na parede.
A voz de Elaine ressonou no
meio da fumaça escura.
— Butterfree, Gust!
Um novo brilho forte e um
estampido. Uma rajada de ar cruzou o ambiente dissipando a fumaça e limpando a
visão para o que tinha a frente. Uma exclamação baixa de susto vinda de Elaine
e Chase fizeram Will e Karen apertar as PokéBolas que seguravam com ainda mais
força. A figura misteriosa que vestia um monitor de computador como capacete
escorregou ao chão, mas levantou-se com fúria e, a passos largos e pesados,
caminhou em direção ao quarteto.
— Então é verdade... Você é
o Professor Akihabara...! — exclamou Karen, surpresa.
— Eu acho que é só o corpo
físico dele, Karen... O famoso John Akihabara não está mais entre nós —
respondeu Will apertando o botão central de sua PokéBola poucos instantes antes
da luz rubra dar forma à seu Slowbro.
— É por isso que eu tenho
medo dos humanos... — a mulher, praticamente em sincronia, apertou o lacre de
sua cápsula e agora era Umbreon que havia tomado a frente. — Seres humanos dão
até a vida para realizar seus planos mais escusos.
— Eu não sei como, mas meu
Pikachu está dentro dessa coisa. Tomem cuidado, por favor! — avisou Chase com
apreensão. Ele estava diante de dois integrantes da Elite 4 lidando com um
andróide fora de controle. Com certeza não poupariam esforços para derrubar o
oponente.
Os dois membros da Elite se
encararam com um breve olhar, parecendo combinar algo brevemente, como se
pudessem ler a mente um do outro. Em simultâneo, Will e Karen ordenaram os
golpes de seus Pokémon.
— Slowbro, Psychic!
— Umbreon, Confuse Ray!
As pupilas de Slowbro desapareceram. Enquanto estendia
patas para frente, os pelos de Umbreon se eriçavam e os círculos dourados em
seu corpo brilharam com intensidade. Talvez porque a noite já tomava conta do
lado de fora, mas a luminosidade que o Pokémon emitia quase cegava o ambiente. O
Confuse Ray fez o ser misterioso
levar as mãos ao capacete de tela de computador, como se tivesse sido acometido
por uma enxaqueca muito forte. O Psychic
fez travar os músculos de seu corpo. Os ataques combinados congelaram o andróide no ar, o
que levou Chase a dar um suspiro aliviado. Suspiro que, em um piscar de olhos,
deu lugar a uma exclamação de surpresa.
A tela do monitor de
computador brilhou. De dentro dela, surgiu Porygon2 que imediatamente olhou
para Elaine e, através de seu Lock-On,
travou sua mira na menina.
— Ah, mas não vai, não! —
exclamou Will. — Psychic!
Algo estranho aconteceu. Era
como se a forma do corpo de Porygon2 se transformasse no ar. Os polígonos que
formavam seu corpo trocaram de cor; agora ao invés das cores vermelhas e azuis,
como eram segundos antes, era de um verde-oliva intenso, vívido, viscoso como o
limo. O golpe de Slowbro atingiu o Pokémon virtual em cheio, mas, diferente da
primeira vez, não surtiu efeito.
Porygon2 avançou na dupla e da
ponta de seu bico, um raio esverdeado atingiu Umbreon e Slowbro em cheio. O
golpe super-efetivo fez os dois Pokémon soltarem um grito de dor.
— Ele mudou a tipagem para o
tipo Inseto?! — perguntou Karen, incrédula. — Como isso pode ser possível?
— Tem que haver um jeito de
derrubar essa coisa... Mas como? — Will mantinha uma expressão séria, tentando
pensar em soluções rápidas. — Tudo o que eu prevejo é desastre...
O corpo mecatrônico pareceu
se libertar da trava que instantes antes o paralisara. Enquanto Umbreon e
Slowbro se recuperavam, Porygon2 retornara para dentro do monitor que a
criatura fazia de capacete e levantou-se sob as duas pernas, desta vez apontando
o dedo para Chase. Por mais que não pudesse ver seu rosto, o menino sentiu um
calafrio na espinha. Aquele monstro não precisava exibir expressão alguma para ser
aterrorizante.
Ao usar o dedo como uma
pistola, disparou um raio colorido. Elaine deu um grito.
As pernas da menina agiram no automático. Ela saltou na frente do irmão e foi atingida em cheio pelo feixe de luz disparado da figura misteriosa. Ela desapareceu no ar, na frente de todos.
— NÃO! — clamou a voz de
Ethan.
O garoto, junto de Whitney, Falkner, Bugsy e seus Pokémon haviam
acabado de cruzar as portas do Centro Pokémon de Violet, apesar da faixa
amarela que impedia o acesso dos curiosos ao interior do Centro Pokémon — e em
que constava em letras garrafais “ACESSO PROIBIDO” — e dos policiais na porta.
Estar acompanhado de três líderes de Ginásio dava-o passe livre. Mas, era tarde
demais. A menina não estava mais ali. Simplesmente sumira.
Nos últimos tempos, Ethan tentava controlar melhor seus sentimentos,
tentava não deixá-los tomarem conta de seu corpo. Mas a raiva que pulsou em
suas veias foi maior do que qualquer tentativa de travá-la. O garoto fechou os
punhos com força e avançou contra aquela figura robótica, atingindo-lhe um soco
no meio do tórax, o que imediatamente fez doer as falanges de sua mão direita.
A figura mecatrônica deu alguns passos para trás pelo impacto, mas
pareceu não sentir dor alguma. Enquanto Ethan balançava a mão no ar tentando
dissipar o latejar dolorido, a mão esquerda tentava alcançar o bolso do shorts
para tentar sacar uma PokéBola. O Natu que permanecia pousado em sua cabeça, no
entanto, saltou à frente balançando a sua pequena e única asa funcional e
começou a atacar o oponente com monitor de computador na cabeça com Peck.
Sons contínuos de bipes eletrônicos começaram a aparecer na recepção do
Centro Pokémon, vindo do corredor destruído que dava para a enfermaria do
hospital. A Enfermeira Joy tentou aproveitar o Porygon2 atordoado pelos ataques
de Natu e correu em direção ao som que disparava, sendo notada por Chansey que
a seguiu.
Falkner, Bugsy, Whitney, Will e Karen formaram um semicírculo, cada um
com seu Pokémon à frente, entre a figura misteriosa, Ethan e Chase.
— Vá atrás dela e deixa ele com a gente — pediu Whitney para Ethan. —
Mostra pra mim que você é muito mais que um rostinho bonito!
O garoto pegou o Natu no colo e pegou na mão de Chase, que se mantinha
paralisado por causa do choque em ver a irmã absorvida como tinha sido com
Takara, seu Pikachu. Ambos seguiram a Enfermeira Joy através do corredor que
dava para a enfermaria.
A grande surpresa foi entrarem na sala e notarem que o ovo na
incubadora ia perdendo a casca e se mexia sozinho, sem ninguém tocar nele. Uma
grande rachadura se revelou em sua casca, confirmando o inevitável: Havia um
Pokémon nascendo.
— Tanto momento pra esse ovo chocar, tinha que ser logo no meio da treta?
— perguntou Ethan em um leve tom de desespero na voz.
— O milagre da vida não espera pra acontecer, meu jovem — respondeu
Joy, correndo para auxiliar o Pokémon junto à Chansey.
Ethan olhou para Chase que olhava para o ovo com certa apreensão.
— Aí garoto. Se seus pais um dia te contaram que os bebês são trazidos
no bico de um Pelipper... Eu tenho uma péssima
noticia pra te dar.
Joy apertou o passo e aproximou-se com pressa da incubadora. Retirou o
ovo de dentro dela e o repousou com cuidado em cima de uma maca cirúrgica
próxima. Chansey correu para o armário e retirou de dentro dele cobertores,
levando-os para a enfermeira. Alguma coisa não parecia certa e Ethan percebeu.
Chase esperava com ansiedade e tentava buscar por alguma brecha o que a enfermeira
fazia, mas como se tivesse olho na nuca, ela seguia bloqueando a visão do
garoto enquanto manipulava o ovo.
— Enfermeira Joy, tá tudo bem? — perguntou Ethan, preocupado.
Não obteve resposta. A mulher continuou a mexer com o ovo e contava
com a ajuda de Chansey, que a cada instante trazia materiais diferentes para Joy:
um estetoscópio, frascos de medicamentos, gazes e curativos. De repente,
silêncio. A expressão de pesar de Chansey atingiu Ethan como um soco no
estômago.
Joy virou-se, ainda sem mostrar o Pokémon ou o ovo.
— Eu sinto muito mesmo, eu fiz tudo o que pude...
Chase pareceu não entender.
— Como assim? Tá tudo bem?
Ethan pousou as mãos nos ombros do menino. Ao olhar para o rosto do
mais velho, Chase viu que os olhos dele estavam marejados. As sobrancelhas
arqueadas e a boca aberta em choque.
Joy respirou fundo e aproximou-se do menino. Ele ainda não sabia, mas
receberia uma notícia que mudaria sua vida.
No saguão principal, a intensa batalha continuava.
— Ariados, String Shot! —
gritou Bugsy.
— Rollout!
— ordenou Whitney para Miltank.
— Noctowl, Air
Slash! — exclamou Falkner.
— Faint
Attack! — comandou Karen.
— Water
Pulse! — disse Will.
Os ataques combinados atingiram Porygon2 e uma intensa fumaça branca
subiu no ar no ponto onde os golpes se chocaram. O Pokémon cibernético fora comprimidocontra
o chão e permaneceu algum tempo parado, muito pelo fato de seu corpo estar
coberto pelas teias doString Shot de
Ariados.Os líderes de Ginásio não relaxaram nem por um instante. Permaneciam
prontos para contra-atacar, sabiam que o oponente era imprevisível.
Uma luz branca envolveu o corpo de Porygon2. Seus pixels e dados
começaram a se reagrupar, regenerando o corpo da criatura através do Recover. O corpo do Professor Akihabara
mexeu-se. Levantou-se como um zumbi e Porygon2 retornou para dentro da tela de
computador que o homem carregava como capacete. Como se fosse um robô, a
criatura religou e se firmou em pé diante dos cinco treinadores, sem temê-los.
— Essa coisa não tem um botão de desligar? Não é possível! — exclamou
Whitney.
— Acho que a gente vai ter que partir pra força bruta... — comentou
Falkner, baixinho.
— Não podemos! A menina está dentro dele... De algum modo — lembrou
Karen.
— Isso só pode ser um sonho... — disse Bugsy, incrédulo. — Não pode
ser real!
— No futuro, saberemos — afirmou Will de forma quase premonitória. — Agora,
precisamos deter essa coisa.
— Eu concordo — disse Karen. — Mas nós temos que nos antecipar aos
efeitos da habilidade dele.
— E tirar a menina daí de dentro. De preferência, viva — completou
Whitney.
— Acho que eu tenho uma ideia... Ele pode absorver e anular nossos
golpes por causa da mudança de tipagem que é capaz de fazer, mas talvez tenha
um jeito de atingi-lo — disse Falkner para os colegas.
— YOU. MUST. GIVE. UP! — a
voz robótica surgiu ameaçadora dos alto-falantes do monitor.
— Como faremos, Falkner? — questionou Karen fechando os punhos.
— É com você, Karen. Comande seus Pokémon — pediu Falkner, sério.
— Mas aí ele vai...
— Exatamente — sorriu o
homem com malícia.
Karen por um instante pareceu não entender, mas confiou.
— Umbreon, Faint Attack!
Os pêlos do Pokémon se eriçaram e, como um gato, apoiou-se nas patas
dianteiras, pegando impulso antes de se jogar com agilidade em direção ao
oponente androide. O Pokémon Luz da Lua jogou seu corpo para o lado direito da
criatura humanoide, que o seguiu com o olhar. Como se desaparecesse no ar,
Umbreon apareceu do lado oposto e suas garras atingiram a figura misteriosa.
Mas, em uma fração de segundo, o parasita alterou sua tipagem para o Tipo
Inseto. O golpe de Umbreon não fora efetivo.
No entanto, um golpe surpresa. Noctowl atingiu o oponente com Air
Slash de forma tão veloz que ele não tivera tempo de prever. Pelo parasita
ainda estar com o Tipo Inseto, o golpe fora super-efetivo, arremessando-o para
a parede oposta e atravessando-a com violência.
Um grande monitor mostrava o que acontecia do lado de fora, em primeira
pessoa. Elaine via as expressões sérias nos rostos dos treinadores do lado de
fora e tinha medo dos Pokémon que olhavam para ela de pêlos eriçados, penas
erguidas e focinhos que exibiam presas ameaçadoras. Takara, em seu colo,
deixava escapar faíscas de suas bochechas em um claro sinal alarmante.
Porygon2 desceu em direção aos dois e apesar do último round, não pareceu ameaçador. Elaine, no
entanto, não deixou de sentir calafrios no estômago ao ver aquele Pokémon se aproximando
dela. Sua voz robótica ecoou pelo vazio daquele mundo digital.
— O meu plano era enviar vocês todos de volta, juntos, para onde
vieram. Mas, parece que eu vou precisar dividir a tarefa.
Outros Porygon cercaram a menina e o Pikachu em seu colo. Cercando-os
e rodando em círculo, os Pokémon virtuais, sob o olhar atento de Porygon2,
fizeram com que códigos de programação surgissem das paredes digitais e, como
insetos, sobrevoassem os dois. Em um piscar de olhos, tudo sumiu, no mesmo
instante em que Takara emitia um choque elétrico na direção dos oponentes.
Apenas um cheiro de grama. O capim se entrelaçava por entre os dedos e
era possível sentir o calor do sol na pele. Demorou alguns segundos para que
Elaine abrisse os olhos, visto que a luz solar repentina necessitou uma adaptação
dos olhos da menina para que pudessem ser abertos. Takara estava a alguns
metros à frente, deitado de bruços. A menina rapidamente correu para checar se
ele estava bem e suspirou de alivio quando o Pikachu a abraçou.
Ao olhar ao redor, notou que estava em um ambiente bem diferente do
que estava segundos antes. Não era mais um mundo virtual cheio de números e códigos
de programação, e aquele lugar estava bem longe de ser o Centro Pokémon. Era um
bosque. O cheiro da relva perfumava o ar, os grossos troncos das árvores se
mostravam imponentes, mas não impediam a passagem da luz solar, que iluminava o
lugar e o preenchia com uma aura mística. Ali era quente. Mas, não parecia ser
um calor que era solar. Era quente
como se algo que exalasse calor o
abraçasse.
Folhas, flores e frutos, nos galhos e pelo chão, faziam a decoração do
ambiente. Não era inóspito, visto quase
podiam ouvir os piados de Pokémon por entre as árvores, apesar de, por qualquer
motivo, não pudessem ser vistos naquele momento. Talvez rústico fosse a definição perfeita. O farfalhar do chão causado
pelos passos de Elaine e Takara se somavam como contracantos à melodia e aos
sons daquele lugar.
— Onde nós estamos? — perguntou Elaine para o Pikachu, que mantinha as
orelhas eretas, atento a qualquer movimentação ali próxima.
— A pergunta certa é: Para onde vocês querem ir?
A voz veio como o vento, leve como a brisa, tocando os ouvidos de
Elaine e Takara como se tocam as folhas das árvores. A presença por um instante
pareceu onipresente — podia ser sentida em todos os lugares, como se fosse um
calor, uma energia emanada daquele ambiente e absorvida por eles.
Por entre as árvores, uma presença meio mística. Vestia um quíton, uma
espécie de túnica antiga que cobria todo seu corpo magro e deixava partes de
seu braço esguio de fora. Alfinetes que lembravam frutos seguravam as vestes em
seus ombros e um cinto que era feito com galhos finos marcavam sua cintura. Era
uma figura linda, tal qual uma deusa, cuja pele era alva como a neve e os olhos
eram tão azuis quanto o céu acima de sua cabeça. Uma aura esverdeada contornava
seu corpo. Parecia um sonho. Elaine até mesmo piscou para ver se não estava
dormindo.
Diferente do costume, Takara não pareceu desconfiar daquela presença.
Olhava para a figura como se pudesse enxergar através dela, como se pudesse ver algo que Elaine não podia. A
menina deu um passo para trás e a figura sorriu, com uma suave voz doce e
feminina saindo de sua boca, coberta por parte da túnica.
— Não precisa ter medo, eu não vim te machucar. O meu nome é Ceres.
A figura aproximou-se de forma tão leve que
parecia flutuar. Os músculos de Elaine travaram, traindo-a. Ela não pode se
afastar daquela pessoa.
— O Nicolas está logo à frente. Por favor,
sigam-me.
Elaine não tinha ideia de como aquele ser
sabia o nome verdadeiro de seu irmão. Mas, antes que pudesse fazer qualquer
tipo de pergunta, viu Ceres caminhar por uma passagem por entre as árvores
daquele imenso bosque e a seguiu.
O outro lado da passagem parecia ter um imenso
refletor em algum lugar no céu, pois o caminho era iluminado por uma forte luz
verde que permeava por entre os troncos das árvores e o chão sinuoso feito de
pedras, onde uma densa neblina branca impedia ver o que havia a frente. A cada
passo dado, a neblina ficava ainda mais intensa e ia cercando o grupo, subindo lenta
e rasteira como uma serpente de fumaça e envolvendo seus corpos como um abraço.
Os olhos de Elaine e Takara ficaram pesados. A visão começou a embaçar e logo,
a imagem nítida da figura que os guiava passou a oscilar. Tudo desapareceu
quando o sono foi mais forte e os apagou.
TO
BE CONT-
A mensagem “PAUSED” foi exibida junto à tela
congelada. A fita começou a ser rebobinada e as cenas passaram a ser exibidas
de trás para frente.
No computador, abriu-se a barra de pesquisa e
comandos passaram a ser digitados.
C:\Users\Ceres\Dropbox\AliançaAventuras\Aventuras
em Johto\#3 - Mente de Cristal\Capítulo 69
Enter.
L
O A D I N G...
As horas foram passando.
Junto com a tarde, o vento frio do auge do inverno vinha junto, anunciando que
o mês de agosto se aproximava. O céu estava colorido com um tom
laranja-avermelhado, cores que só aquela época do ano podia produzir. Johto
continuava sendo uma região muito bonita, mesmo com as baixas temperaturas
teimando em dar as caras. Como sempre, Ethan parecia não se incomodar, visto
que andava sempre com a mesma blusa de frio fechada até o topo do tórax e
caminhava com as mãos no bolso. Elaine permanecia olhando o ovo do garoto e
cuidando dele como a coisa mais preciosa do mundo — deu até um jeito de amarrar
o Snubbull de pelúcia na mochila para que continuasse a carregá-lo mesmo com a
incubadora nos braços. Chase até se permitia achar engraçado o fato de que
aquela pelúcia encarava o caminho pelo qual passavam como se usasse um Scary
Face, fazendo com que alguns Pokémon pequenos que moravam por entre as
vegetações daquelas rotas sequer cogitassem em se aproximar.
— Vamos dar uma pausa?
Daqui a pouco anoitece e eu estou ficando com fome... — suspirou Ethan. —
Andamos uma boa parte do caminho, amanhã chegamos em Violet antes do almoço.
— Por mim tudo bem —
concordou Chase. — Vamos precisar montar o acampamento.
— Geralmente o Forrest que
monta, né? Por onde ele começava? — Elaine parecia tentar puxar da memória a
resposta da própria pergunta.
— Podemos começar
recolhendo material pra cozinhar. Eu sei que tem uma lagoa aqui perto...
— Eu posso ir buscar água!
— Exclamou Elaine. — Queria passar mais um tempinho com ele.
A menina abraçava a
incubadora. Chase a encarava com certo desdém.
— Eu não acho que seja
muito inteligente você ficar sozinha com esse ovo.
— Por quê? Pra sua
informação, eu posso cuidar muito bem de qualquer Pokémon que eu quiser! — E
mostrou a língua.
— Tá legal, tá legal, vamos
acalmar os ânimos... — Ethan tentou intervir. — Preciso de ajuda pra procurar
madeira. Elaine, você cuida da água que usaremos pro ensopado.
O menino pareceu
contrariado. Elaine, no entanto, abriu um sorriso de uma ponta a outra dos
lábios.
— Ok! Pode contar comigo!
A menina pegou uma das panelas
cedidas por Ethan e colocou dentro de sua mochila. Elaine agarrou a incubadora
e saiu praticamente saltitando em direção à lagoa que ficava por entre as
margens da Rota 31. Ethan não pode deixar de soltar uma risadinha ao ver a
cena.
— Você acha mesmo tudo bem da minha
irmã sair sozinha com um ovo Pokémon nas mãos? — Chase parecia realmente
preocupado.
— O que pode dar errado? — Ethan deu
de ombros. — Vamos, precisamos encontrar lenha pra fogueira.
***
Elaine permanecia agachada na beira
da lagoa na Rota 32, cantarolando canções desafinadas. A menina fez questão de
colocar a incubadora de Ethan confortavelmente em cima de algumas folhas secas
que encontrara ali próximo. Ela colocou
a panela dentro do lago e a encheu com água até mais ou menos metade do
recipiente. Observando-a por entre as árvores no bosque ali perto, uma figura
esquisita a observava. E era realmente
esquisita.No lugar da cabeça, um monitor de computador. Vestia um macacão verde
que era largo, frouxo a ponto de esconder todo e qualquer traço de seu corpo, o
que dava àquela figura um status ambíguo que contribuía mais ainda com o seu
mistério. Ameaçou caminhar até a menina que continuava distraída enchendo a
panela de metal com água do lago, mas um toque no ombro fez o ser misterioso
parar imediatamente.
Ceres emanava uma aura esverdeada que
causava calor. Não que a figura mecatrônica à sua frente pudesse sentir a
temperatura ao redor subir, mas o Porygon2 que controlava seu cérebro notou
imediatamente que algo estava errado.
Assim que Elaine terminou de encher o
recipiente com água, voltou feliz com a incubadora abraçada ao tórax com um dos
braços e com a outra mão levando a alça com certa dificuldade para onde se
encontrava o acampamento de Ethan e Chase. Não poderia estar mais feliz.
A voz robótica soou ameaçadora.
— Game. Over. Turn. Off. The. Power.
Mas antes que pudesse fazer qualquer
coisa, seu corpo travou. O ódio que sentia aumentou e, na tela do monitor, os
olhos raivosos de Porygon2 se mostraram para Ceres, que em resposta deu um
sorriso.
— Você não pode alterar o Tempo — disse a deusa em uma voz inebriante. — Você não pode alterar o passado ou mudar o futuro. Esse é o meu trabalho.
Quando falou, não era a voz robótica
de Porygon2 saindo dos falantes do monitor, mas sim, a voz de John Akihabara.
— E por que não? Você não pode me impedir,
você não sabe de nada!
— Eu sei de tudo, John. Eu sou a Guardiã.
O professor Akihabara poderia ser um
gênio, mas ele nunca soube como Lucy Lane aparecera do seu lado, como se sempre
estivesse ali e ele não tivesse percebido até então. A aura que encobria e
contornava o corpo de Ceres se expandiu e, em um flash, tudo desapareceu.
Os cabelos de
Akihabara estavam ainda mais bagunçados naquela manhã, quando se atrasou para o
trabalho. Para sua surpresa, porém, ao entrar na sala em que trabalhava, Lucy
Lane se encontrava sentada, mexendo justamente no computador em que John
trabalhava. O arquivo de Porygon se encontrava aberto e ela digitava quase sem
piscar os olhos, não os desviando da tela do computador. Mas, alguma coisa
estava diferente. Era como se aquela cena já tivesse acontecido e o narrador já
a tivesse descrito, mas... Tinha algo diferente
nela.
— O que você está
fazendo? — a voz do professor saíra um pouco mais austera do que pretendia.
— Adaptação —
respondeu Lane sem olhar para o homem.
Então, sim, apesar de
sempre estar em silêncio, ela sabia falar.
— Sobre o que é que você
está falando? Saia daí imediatamente!
Lucy apertou a tecla
“Enter” do teclado e parou de digitar. Virou a cadeira em direção a John e o
encarou. Ele esperava ter disfarçado melhor o rubor do seu rosto.
— Adaptação. Seu
projeto era falho porque Porygon não conseguia ser mais do que uma projeção em
um sistema operacional. Agora ele pode existir no mundo real, agora ele se
adapta. Eu o chamo de “Conversion”.
Com ele, Porygon pode emular qualquer coisa e se ajustar a qualquer ambiente.
O homem olhou para o
monitor e logo correu para conferir o código de programação digitado pela
colega. Percebeu que o código de Lucy indicava uma configuração ao corpo de
Porygon que Akihabara não havia feito. Era a tal “adaptação” que ela havia
comentado mais cedo, que o permitia emular um corpo físico no ambiente em que
fosse projetado.
— “Conversion”... Isso funciona como se
fosse um golpe Pokémon... — murmurou Akihabara.
— Exatamente — ela
comentou com uma leve satisfação na voz.
Um estalo. Da tela do
computador, um raio de luz forte iluminou o ambiente, forçando Akihabara a
proteger os olhos. A temperatura caiu repentinamente, como se o ar condicionado
tivesse sido aumentado de uma forma violenta. Ainda assim, John sentiu sua pele
queimando, como se tivesse próximo do sol.
Segundos se passaram
como se tivessem durado uma eternidade. Ao notar que o clarão se dissipara,
Akihabara abriu os olhos devagar. Flutuando na sua frente, a sua criação:
Porygon, materializado em uma forma física e palpável.
A porta da sala se
abriu com ignorância. Outros funcionários do laboratório olhavam assustados,
dividindo o foco da sua atenção entre Akihabara, Lucy e a criatura na frente
deles.
A forma física de
Porygon oscilou na luz. Segundos depois, transformou-se em um raio e voltou
para dentro do monitor.
Poucos instantes
depois, uma voz grave ecoou pela sala. Um homem alto, vestido com um elegante
terno de linho encontrou seu espaço por entre a aglomeração. Sua presença
simplesmente gerava um burburinho entre todos os presentes.
Giovanni mantinha um
sorriso de canto de boca que tinha o poder de gelar espinhas.
— Impressionante...
Quem dos dois foi o responsável por isso?
John e Lucy se entreolharam. O homem
de terno notou e abriu um sorriso satisfeito.
— As duas mentes brilhantes por trás da segunda maior criação que a
tecnologia da Equipe Rocket poderia criar... Eu fico agradecido pelos seus
esforços.
Giovanni estalou os dedos. Dois
homens, trajados com o uniforme negro com a letra R vermelho-sangue estampada no
tórax, entraram na sala e dirigiram-se aos computadores, removendo os disquetes
que armazenavam os códigos de programação do Projeto Porygon. Akihabara soltou
uma exclamação audível.
— O que está fazendo, senhor? —
questionou Lucy.
— Tudo é pela honra e glória da
Equipe Rocket. O que vocês fazem é pela organização e para a organização.
A voz de Giovanni trazia um peso
tamanho que se fez um absoluto silêncio de medo e respeito entre todos os
presentes. Akihabara, no entanto, ousou fazer um questionamento.
— Mas nossos nomes estarão nos
créditos, não é?
— Os serviços prestados serão
recompensados no pagamento de vocês, como consta no contrato assinado.
— Mas... — tentou argumentar o homem.
— Tudo
é pela honra e glória da Equipe Rocket — repetiu Giovanni lançando um olhar
assassino para John, o que causou um arrepio em sua espinha.
— Sim, senhor! — Akihabara bateu
continência.
O líder se retirou da sala sem dizer
mais nada, sendo seguido pelos demais em silêncio, deixando Akihabara e Lucy
Lane sozinhos.
— Em um universo paralelo, seria com certeza a que ter a genialidade
reconhecida pelo Sr. Giovanni — disse a cientista após um breve momento de
silêncio.
— Em um universo paralelo, eu com
certeza teria te eliminado — respondeu Akihabara baixinho.
— Você não teria finalizado sua
pesquisa sem mim. Lembre-se disso — retrucou Lucy.
***
O silêncio só era quebrado pelo
teclado sendo digitado com inquietação. Era tarde da noite, mas o Professor
Akihabara não parecia estar com sono. Havia três xícaras vazias com borras de
café no fundo repousadas perto do monitor e seus olhos grandes atrás das
grossas lentes mal piscavam. Encaravam e processavam dezenas de linhas de
códigos de programação do Projeto Porygon — da cópia salva por ele como um backup ilegal. Em sua casa, o homem
trabalhava em upgrades no programa, corrigindo alguns erros que poderiam dar
problemas críticos em sua execução.
Sua concentração foi interrompida com
três batidas na porta do apartamento. John levou um susto, não estava esperando
visita alguma, principalmente àquela hora da madrugada.
Levantou-se de supetão e dirigiu-se
até a porta de entrada, acionando os interruptores que iam acendendo as luzes
conforme ele passava pelos cômodos. Olhou pelo olho mágico da porta e
surpreendeu-se com a presença do outro lado.
— Você? O que está fazendo aqui?
Girou a chave, destrancando
a porta, e virou a maçaneta, abrindo-a por fim. Não deu tempo nem de perguntar
o motivo da visita, visto que um segundo após olhar para o rosto de quem lhe
visitava, sentiu uma dor lancinante e caiu seco no chão.
Foi um vizinho que
encontrou seu corpo sem vida caído próximo ao capacho da porta escancarada
poucas horas depois. A polícia disse que nada havia sido levado, exceto o
computador.
— Esse
vai ser o meu final? Eu morro? Não pode ser!
Akihabara
se encontrava olhando para o próprio corpo. Não estava sozinho. Ceres o
observava um pouco atrás.
— Não
sou eu quem escolhe. São os humanos que escolhem o seu próprio destino.
— Eu
dediquei a minha vida toda à ciência... Por que eu não posso ser reconhecido
por isso?
Ceres
não respondeu. Observava em silêncio o homem em sua frente que não passava de
uma projeção astral. Ou será que o que
assistiam era uma projeção astral?
— Posso
ao menos saber o que aconteceu com o Porygon?
— Acho
que isso eu posso dizer. A Equipe Rocket concluiu o projeto e foi um sucesso.
Agora eles ganham dinheiro vendendo pelúcias da sua invenção.
Akihabara
a encarou incrédulo.
— Você
está dizendo que a minha maior invenção se tornou... Uma pelúcia?
— Não se
preocupe. Ninguém se lembrará de você. Você não irá carregar essa vergonha para
todo o sempre.
Antes
que Akihabara pudesse dizer qualquer coisa, Ceres o interrompeu.
— E o
mais importante: Nessa realidade Porygon não conseguirá viajar no tempo através
da internet.
Um
último pensamento passou pela mente de John, que hesitou.
— E
agora, o que acontece comigo?
— Não
sou eu quem decide.
Ao redor
dos dois, a projeção sumiu. Um calafrio percorreu a espinha de Akihabara e um
grande buraco negro rasgou o ar. John Akihabara foi agarrado pelo tórax por uma
grossa faixa negra, sendo tragado para dentro do buraco. Seu grito durou um
breve centésimo de segundo antes do silêncio sepulcral que tomou conta daquele
local. Em um brilho, Ceres desapareceu.
Uma luz esverdeada brilhou
em algum lugar do universo e aproximou-se rápida e belíssima como uma estrela
cadente. O ar frio dava espaço ao calor que emanava da luz daquele ser místico
e percebia que se aproximava de outra figura, incontáveis vezes maior e
poderosa que sua insignificante existência quando incalculáveis outras
projeções brotavam à sua volta. Cada uma das projeções exibia imagens, como um
filme. As cenas eram muito parecidas entre si, mas deixavam de ser idênticas
por causa de um elemento ou outro que alterava a sua continuidade.
Ceres tomou a forma de uma
deusa mística, com o quíton, e aproximou-se da grande energia azulada que, a
olhos comuns, brilhava com a intensidade de mil sóis, mas que não pareceu
incomodar a deusa, que curvou-se diante do ser místico superior.
“Como solicitado, aqui estou, Dialga”.
Demorou algum tempo para
que houvesse resposta. O grande ser parecia absorto na imagem do corpo de
Akihabara à sua frente.
“Celebi... Por que você mais uma vez insiste em alterar linhas
temporais? Por que você não deixa o curso das coisas acontecerem como devem?”
A voz grave fazia tremer as
projeções astrais que exibiam imagens do que agora se sabia ser da vida real em
diversos lugares no universo.
“Nós sabemos o que pode acontecer se as coisas ocorrerem como nos é
mostrado. Você não teme?”, Ceres pareceu levemente desconfortável com a
pergunta.
“Não”, respondeu Dialga.“O
Tempo é finito. Eu sou finito, meus irmãos são finitos, você é um ser finito.
Quando você sabe que o fim se aproxima, você vê as coisas com outros olhos”.
“Você me deu o papel de Guardiã para evitar isso”.
“Não”, repetiu o outro. “Eu te
dei o papel de Guardiã para evitar que o Tempo seja desordenado. As coisas
devem se cumprir”.
“E eu estou fazendo isso. Eu impedi que um humano alterasse linhas
temporais com tecnologia de computador. Tecnologia essa que só existe porque o
Senhor permitiu que os seres humanos inventassem a matemática”.
“Culpe Uxie. Foi ele quem deu Conhecimento aos Homens. Eles iam aprender
a contar em qualquer Era em que se desenvolvessem”.
“De qualquer forma”, continuou Ceres, “mais uma vez
homem algum conseguiu alterar qualquer linha temporal com tecnologia própria”.
“Não interfira novamente. O Tempo corre aqui, lá e em
todo lugar e deve sempre manter seu fluxo contínuo. Meu Pai está de olho em
você. Não ceda aos Homens como minha irmã”.
A projeção na frente de
Dialga oscilou e mostrou uma imagem de Ethan. A mesma imagem, congelada como
foto, fora retransmitida para as infinitas outras projeções que apareciam por
todos os lados. Ceres não fazia contato visual com nenhuma das projeções,
apesar de ter contraído seus lábios.
“Pai. Filho. Espírito. O Destino dele deve ser
cumprido sem a sua interferência, Ceres. Cuide disso sem se envolver”.
Ceres meneou com a cabeça
em confirmação. Restou apenas o vazio quando os espectros e os deuses sumiram
em uma fração de milésimos. O Tempo seguiu seu caminho.
TO BE CONTINUED...
...in another timeline.