Capítulo 69

 



Ethan abriu os olhos e despertou antes mesmo de o despertador, marcado às 8 da manhã em ponto, tocar. Com os olhos semicerrados, notou que a luz alaranjada do sol matinal havia penetrado pelas cortinas fechadas da sala onde dormia. Espreguiçou-se e ergueu a cabeça, notando o colchão no chão próximo do sofá em que estava onde Chase e Elaine dormiam tranquilamente, com a menina abraçada com o Snubbull de pelúcia e ele com Takara deitado sobre seu corpo. O garoto levantou-se com cautela, pegou sua mochila no pé do sofá, passou pelos gêmeos e se dirigiu ao banheiro.

O som da descarga chamou a atenção de Forrest, que estava de pé no balcão da cozinha naquele instante, colocando a água do café para ferver.

 

Os dois, acompanhados de Elaine e Chase, haviam passado a noite na casa de Sunny, que havia voltado ao endereço depois de muito tempo. Tuscany havia deixado preparado em casa um jantar especial para comemorar sua vitória no concurso Miss Cerejeira, mas depois de sua derrota, ela não queria nem tocar no cardápio.Acabou cedendo ao apelo dos amigos que insistiram em fazer algo para ela que, como adorava só um pouco ser o centro das atenções, não resistiu.

As horas foram passando como minutos. Joey quase se esquecera de comentar com Forrest a respeito do evento da Batalha da Fronteira que aconteceria em Ecruteak dali a poucas semanas. Ele e Gabrielle decidiram seguir para o Centro Pokémon para passar a noite enquanto Forrest convenceu Ethan a ficar com ele, Sunny e Tuscany — esta última que ofereceu seu quarto, o maior da casa, para a mais nova ficar com Forrest e passou a noite no quarto de hóspedes. Ethan preferiu dormir no sofá ao ter que dividir o quarto com a loira enquanto ela fingiu não ver os olhares de reprovação de Elaine que, curiosamente, fezEthan lembrar de Amy. Era o mesmo olhar reprovatório que ela costumava dar quando ele fazia ou falava algo idiota.

 

Ele andava pensando tanto nela nos últimos dias que a enxergava em cada passo de Chase e Elaine.

 

— Bom dia — cumprimentou Ethan, bocejando, ao sair do banheiro, com a camiseta velha e a calça de moletom substituídas pelo visual de viagem que o garoto costumava usar.

— Bom dia. Conseguiu dormir bem? — perguntou Forrest apontando com o queixo para o sofá.

— Pra quem vai passar as próximas noites dormindo no chão das rotas no caminho até Violet, encarar um sofá não é nada — riu o garoto. — Que horas nós vamos sair hoje?

 

Forrest desviou o olhar e dirigiu-se até um armário próximo, procurando o pó de café.

 

— Cara, eu andei refletindo... Acho que eu não vou seguir viagem com vocês.

 

Um silêncio tomou conta do ambiente, sendo quebrado apenas pelo ronco leve de dos gêmeos que ainda dormiam.

 

— Como assim não vai? Não vai me dizer que é por causa da Sunny.

— Tá bem, então eu não digo.

 

O cheiro de café já perfumava o ambiente e harmonizava com o silêncio ensurdecedor que pairava sobre ele. Ethan fechou os punhos e os olhos, mas, para surpresa de Forrest, nada disse. Respirou fundo e caminhou em direção ao amigo, olhando no fundo dos seus olhos puxados.

 

— Se é o que você quer fazer, você tem o meu apoio. Eu não concordo, mas não posso ser contra uma decisão que você acha que vai ser o melhor pra você.

 

Forrest olhou para o amigo com as sobrancelhas erguidas. De todas as reações possíveis que pensou que Ethan teria, aquela com certeza não estava na lista.

 

— Eu... Fico realmente feliz por ouvir isso de você.

— Eu estaria sendo egoísta se eu não te apoiasse. Mas... Eu não posso ficar aqui. Eu preciso seguir pra Ecruteak.

 

Forrest riu.

 

— Muitos treinadores estariam preocupados essa hora de treinar pra Liga Pokémon. Você realmente está focado nela... — Ethan deu um sorriso sem graça.

 

Conforme o cheiro do café e o som do impacto das frigideiras nas grades do fogão iam tomando conta da casa, os demais foram se reunindo na cozinha. Primeiro, Elaine e Chase, que fizeram questão de guardar os colchões em que dormiram e dobrar os cobertores antes de irem usar o banheiro e se arrumar antes de se alimentarem para seguir viagem.Em seguida, Tuscany, que desceu as escadas descabelada e com cara de poucos amigos. Ethan até se perguntou como aquela criatura poderia ser tão bonita em um dia para amanhecer daquele jeito no dia seguinte. Resolveu não expressar o pensamento em voz alta para não perder os dentes da frente com um provável soco que levaria da moça. Ela pareceu não ter notado. Logo desapareceu, aparecendo completamente diferente exatos vinte minutos depois, com os longos cabelos perfeitamente arrumados e um belo vestido xadrez. Ela até mesmo saiu para ir à padaria comprar complementos para a refeição.

 

O cardápio estava variado —ovos mexidos, bandejas com mortadela, presunto e mussarela e outros frios em geral—, já fazia muito tempo que Chase e Elaine não tinham uma refeição como aquela, afinal, mesmo no Centro Pokémon, as opções de café da manhã não costumavam ser tão fartas. Sunny assou duas dúzias de pão de queijo, sem falar na variedade infinda de pão francês, italiano, de forma, integral e sovado.

 

Ethan fora o primeiro a terminar de comer. Ativou o mapa na sua PokéGear e começou a elaborar com Forrest o melhor caminho a ser feito para a próxima cidade.

 

— Siga pelas Rotas 30 e 31, quando alcançar Violet continue seguindo o percurso pelo leste e Ecruteak estará logo após a Rota 37. Na Rota 36, você pode seguir para Goldenrod pelo sul de novo, se você quiser — explicou o moreno.

— Certo, eu entendi — respondeu Ethan, preferindo não questionar como saberia que estava indo para o leste ou para o sul. Era Forrest quem costumava tomar conta dos mapas e trilhas feitos pelo grupo. Ele olhou para os gêmeos e os apressou. — Partimos quando vocês estiverem prontos.

— Eu só preciso trocar de roupas — comentou Elaine de boca cheia após dar a última mordida no pão com margarina.

— Eu já estou pronto — respondeu Chase, ajustando o boné na cabeça.

 

Forrest soltou uma risadinha.

 

— Confesso que já estou com saudades de vocês.

 

Elaine quase se engasgou com o achocolatado.

 

— Por que você está dizendo isso? Você não vai com a gente?

— Você diz como se fosse um adeus, é mais um “até breve”. Preciso resolver umas coisas aqui.

 

A menina olhou para Ethan como se procurasse algum suporte da parte do garoto, mas o rapaz só se levantou da mesa com um prato vazio e uma xícara em cima e se dirigiu à cozinha.

 

— Daqui a pouco nós seguimos viagem.

 

Elaine olhou para o irmão que também não disse nada. Como sempre, Chase era do tipo que nunca se manifestava, mesmo quando lhe era solicitado.

 

***

 

Com um breve aceno de cabeça, Ethan se despediu de Forrest, que permanecia parado na frente da porta ao lado de Sunny e Tuscany. O garoto virou-se de costas, em direção à estrada, e caminhou alguns metros, sem olhar para trás para ver o aceno dado pelas moças. Elaine hesitou por um instante, mas Chase arrumou o boné em sua cabeça e virou-se para o trio na porta.

 

— Muito obrigado por nos deixar passar a noite. Espero vê-los de novo algum dia.

 

Elaine olhou para Forrest ainda com a expressão incrédula.

 

— Você realmente vai ficar, tio? Por quê?

 

O rapaz olhou para a menina e sorriu.

 

— Acho que nós precisamos de uma pausa.

— “Nós”?  — repetiu Elaine.

— Eu acho que ele não está falando da gente — disse seu irmão.

 

Forrest confirmou com a cabeça.

 

— Eu preciso ficar para acertar algumas coisas.

— Você não pode acertar enquanto viaja com a gente? — insistiu Elaine.

— Não é um adeus, Elaine, é um até logo.

— Mas, mas...

 

Chase segurou na mão da irmã e a puxou para junto de si. Elaine permanecia olhando para Forrest que a encarava ainda com um sorriso terno no rosto enquanto via os irmãos se afastarem da casa.

 

— Você tem certeza de que quer ficar? — perguntou Sunny, tocando o rosto do garoto.

— Tenho. Preciso de um tempo só pra me entender comigo.

— Você pode ficar o tempo que quiser.

— Eu agradeço — respondeu o moreno dando um selinho na moça.

 

Tuscany olhou para os dois com certo desprezo.

 

— Se você lavar a louça todo dia, eu até deixo você ficar mesmo.

— Tus! — Repreendeu Tuscany.

— Ela está certa. Eu posso até fazer o almoço, se vocês quiserem.

— Não precisa...

Agora você está falando a minha língua, cunhado! — exclamou Tuscany, passando o braço atrás dos ombros de Forrest e o levando para dentro da residência.

 

Ethan caminhava em silêncio, a caminho da saída da cidade de Cherrygrove. Segurando as alças da mochila, aproximava-se do PokéMart da cidade, o grande mercado de telhado azul que, curiosamente, estava cheio de clientes, muito provavelmente por causa do festival que acontecera no dia anterior — o local costumava receber uma parcela muito menor de treinadores em dias convencionais.

 

Elaine não parecia nada contente. Enquanto Ethan pagava os itens de uma lista escrita por Forrest que, entre os itens, constava PokéBolas, Poções, Repelentes e Cura-Paralisia, a menina permanecia emburrada, de braços cruzados, do lado de fora do local.Chase fazia um chamego no cocuruto de Dunsparce e parecia não perceber o mau humor da irmã.

 

Ethan saiu do estabelecimento com duas sacolas cheias na mão. Agachou para arrumar os itens dentro da mochila e reparou na expressão da menina.

 

— Vocês brigaram?

— Eu não tenho nada a ver com isso — respondeu Chase, rapidamente.

— Então o que tá acontecendo?

— Você ainda pergunta? — bufou a menina. Como que você pode estar tão tranquilo com o Forrest querendo ficar em Cherrygrove?

 

Ethan não respondeu. Tirou a incubadora com o ovo Pokémon de dentro da mochila para conseguir mais espaço e o entregou para Elaine.

 

— É mais fácil aceitar do que me perguntar o motivo. O Forrest não foi o primeiro a querer ir pra outros caminhos... A Amy, a menina de quem comentamos sempre, já tinha decidido seguir viagem sozinha. Eu tive uma Pokémon, Flaaffy, que também decidiu ficar com a Líder do Ginásio de Olivine e ajudá-la no farol que tem lá. Todo mundo tem seus motivos.

 

O rapaz terminou de arrumar as compras dentro de sua mochila. Levantou-se após fechar o zíper e olhou para os irmãos, arrumando a alça da mochila nos ombros.

 

— Eu mesmo não sei até quando vocês dois vão seguir viagem junto comigo. Eu não sei lidar com despedidas, mas eu vou me esforçar pra não ser egoísta o bastante pra impedir alguém de fazer o que lhe deixa feliz.

 

Elaine olhou para Chase e baixou a cabeça, constrangida.

 

— Me desculpe...

— Você não tem com o que se desculpar — sorriu Ethan. — Está tudo bem. Só preciso saber se vocês vão comigo ou se pretendem ficar também.

— Nossa meta é Ecruteak — respondeu Chase. — Vamos com você.

— Isso é ótimo. Então é melhor começarmos a andar porque a viagem é longa.

 

***

 

As horas foram passando. Junto com a tarde, o vento frio do auge do inverno vinha junto, anunciando que o mês de agosto se aproximava. O céu estava colorido com um tom laranja-avermelhado, cores que só aquela época do ano podia produzir. Johto continuava sendo uma região muito bela, mesmo com as baixas temperaturas teimando em dar as caras. Como sempre, Ethan parecia não se incomodar, visto que andava de bermudas e com a mesma blusa de frio fechada até o topo do tórax, caminhando com as mãos no bolso.

Elaine permanecia olhando o ovo do garoto e cuidando dele como a coisa mais preciosa do mundo — deu até um jeito de amarrar o Snubbull de pelúcia na mochila para que continuasse a carregá-lo mesmo com a incubadora nos braços. Chase até se permitia achar engraçado o fato de que aquela pelúcia encarava o caminho pelo qual passavam como se usasse um Scary Face, fazendo com que alguns Pokémon pequenos que moravam por entre as vegetações daquelas rotas sequer cogitassem em se aproximar.

 

— Vamos dar uma pausa? Daqui a pouco anoitece e eu estou ficando com fome... — suspirou Ethan. — Andamos uma boa parte do caminho, amanhã chegamos em Violet antes do almoço.

— Por mim tudo bem — concordou Chase. — Vamos precisar montar o acampamento.

— Geralmente o Forrest que monta, né? Por onde ele começava? — Elaine parecia tentar puxar da memória a resposta da própria pergunta.

— Podemos começar recolhendo material pra cozinhar. Eu sei que tem uma lagoa aqui perto...

— Eu posso ir buscar água! — Exclamou Elaine. — Queria passar mais um tempinho com ele.

 

A menina abraçava a incubadora. Chase a encarava com certo desdém.

 

— Eu não acho que seja muito inteligente você ficar sozinha com esse ovo.

— Por quê? Pra sua informação, eu posso cuidar muito bem de qualquer Pokémon que eu quiser! — E mostrou a língua.

— Tá legal, tá legal, vamos acalmar os ânimos... — Ethan tentou intervir. — Preciso de ajuda pra procurar madeira. Elaine, você cuida da água que usaremos pro ensopado.

 

O menino pareceu contrariado. Elaine, no entanto, abriu um sorriso de uma ponta a outra dos lábios.

 

— Ok! Pode contar comigo!

 

A menina pegou uma das panelas cedidas por Ethan e colocou dentro de sua mochila. Elaine agarrou a incubadora e saiu praticamente saltitando em direção à lagoa que ficava por entre as margens da Rota 31. Ethan não pode deixar de soltar uma risadinha ao ver a cena.

 

— Você acha mesmo tudo bem da minha irmã sair sozinha com um ovo Pokémon nas mãos? — Chase parecia realmente preocupado.

— O que pode dar errado? — Ethan deu de ombros. — Vamos, precisamos encontrar lenha pra fogueira.

 

***

 

Elaine permanecia agachada na beira da lagoa, cantarolando canções desafinadas. A menina fez questão de colocar a incubadora confortavelmente em cima de algumas folhas secas que encontrou ali próximo.  Ela colocou a panela dentro do lago e a encheu com água até mais ou menos metade. Ouviu passos e, ao se virar, tomou um susto.

No lugar da cabeça, um monitor de computador. Vestia um macacão verde que era largo, frouxo a ponto de esconder todo e qualquer traço de seu corpo, o que dava àquela figura um status ambíguo que contribuía mais ainda com o seu mistério. Aproximava-se lentamente, em um passo marcado, exagerado, de forma maniqueísta, de forma que Elaine, a princípio, achou engraçado.

 

Art by: Diego Chinatsu

A figura com cabeça de monitor aproximava-se devagar. Podia-se dizer que estava até encarando a menina, mas Elaine não sabia se a pessoa enxergava alguma coisa atrás da tela, não era possível enxergar seu rosto.

 

— Quem é você? — Era a única pergunta que Elaine poderia fazer naquele momento.

 

A figura não respondeu. Arqueou a cabeça de forma curiosa e a menina sentiu que estava sendo observada.

 

— Você não é de falar muito, né? — A menina riu sem graça. — Mas eu gostei muito do seu cosplay. Foi inspirado em que personagem?

 

A atenção daquele ser foi desviada para a incubadora que estava ao lado.

 

— Você gostou? Esse ovo é do meu pai. Ele me deixou cuidar enquanto ele monta o acampamento. Eu me pergunto qual Pokémon vai nascer dele...

 

A pessoa por detrás daquela fantasia aproximou-se da incubadora e a pegou no colo.

 

— Ei, isso é meu! — Exclamou a menina, levantando-se imediatamente.

 

O indivíduo saiu correndo de maneira cômica, arqueando as pernas de forma ágil e seguindo em direção à entrada da cidade de Violet, alguns poucos quilômetros de onde estava. Elaine saiu em perseguição e sacou uma PokéBola do bolso dos shorts. Eevee saiu da cápsula e não tardou a acompanhar a treinadora na perseguição.

 

— Vera, Buzzy Buzz!

 

Os pelos da Eevee da menina se eriçaram. A energia estática transformou-se em um poderoso choque elétrico que foi arremessado na direção da figura que corria com a incubadora nos braços. Atingido, o ser tropeçou no gramado e caiu para a frente quando sentiu os músculos de seu corpo travarem. A incubadora atingiu o chão e a sua tampa se abriu e o ovo que se encontrava dentro, rolou para fora. Elaine correu para tentar salvá-lo, mas a criatura mascarada agarrou um dos pés da menina e fez com que ela caísse para a frente, empurrando o ovo para a borda do barranco onde ambos estavam. O ovo rolou e, aos poucos, foi ficando cada vez mais veloz, até que saiu de controle e acelerou para dentro do bosque, desaparecendo por dentro das árvores. Vera, a Eevee de Elaine, saiu correndo para tentar impedi-lo de ir muito longe, também desaparecendo por dentro do bosque.

Apesar da tela de computador ter rachado com a queda, Elaine não se preocupou em ver qual era a face daquela pessoa que tentou roubar o ovo de Ethan. A menina apenas chutou aquele ser e, ao sentir seu pé ser solto por um breve momento, se jogou em direção ao barranco e, tal qual o ovo, saiu rolando em direção ao bosque.

 

...

 

A luz do sol era coberta pela densidade das folhas das árvores gigantes que faziam parte daquele ambiente. Não era possível sequer ver o solo, visto que o chão estava completamente coberto pelas folhas que caíram das centenas de árvores próximas. Elaine sentiu seu joelho arder, e ao olhar para as pernas, viu os machucados causados pela queda. Canelas raladas e cotovelos feridos, mas aparentemente, apesar dos hematomas, ela não havia quebrado nada ou feito algum machucado mais sério. A menina se levantou com certa dificuldade, escorregando devido à falta de atrito entre seu tênis e o solo coberto pelas folhas e tentou estudar o ambiente ao seu redor. Não havia sinal nas proximidades de Eevee ou do ovo. O frio na barriga tomou conta da menina que sentiu o coração palpitar, mas respirou fundo e tentou manter a calma; o sol ainda não havia se posto, então havia ainda a chance de Elaine encontrar o ovo de Ethan. Sabia que Vera iria proteger o ovo, mas precisava encontrá-la antes que algum Pokémon selvagem atacasse.

 

— Vera? Onde você está? — perguntou a menina, quase em um sussurro. Tinha medo de fazer barulhos que denunciassem a sua localização para prováveis Pokémon selvagens que certamente a devorariam na primeira oportunidade.

Elaine ouviu passos e, ao olhar para trás, viu a figura misteriosa aproximando-se com velocidade. Tratou de se esconder atrás de um tronco grosso enquanto tentava abafar a respiração para não chamar a atenção da pessoa com um monitor na cabeça que protegia sua identidade. Olhou para um lado e para o outro e não viu sinal de Elaine. Optou por seguir sua intuição e caminhar para o lado oposto do qual a menina estava escondida. Elaine respirou aliviada e, após confirmar que a figura misteriosa se encontrava já distante, por meio da mata, a menina disparou em frente, tentando encontrar algum sinal de Vera e do ovo. Ela começou a observar o ambiente e notou uma situação estranha; havia casulos e crisálidas penduradas nos galhos das árvores e tais casulos eram dispostos em fileiras organizadas em tamanhos diferentes. A menina abriu a boca, mas não saiu som algum.

Com um pouco de observação, chegou-se à conclusão de que as crisálidas e os casulos eram Kakuna e com certeza aquele era o ninho deles. Então, se havia Kakuna, com certeza haveriam...

 


O zumbido do bater de asas de um Beedrill passou a metros de onde Elaine estava escondida, mas por sorte, a menina não foi notada. Agora ela se encontrava tão nervosa quanto havia chegado. A garota pegou uma PokéBola e, tentando fazer o maior silêncio possível, saiu na ponta do pé apoiando-se nos grandes troncos ao redor para não escorregar. Não conseguiu evitar, no entanto, o som dos galhos secos que quebravam no chão enquanto a menina caminhava. Ao longe, alguns pios do que Elaine supôs serem de Pidgey, mas era óbvio que nenhum Pokémon selvagem iria encarar um enxame inteirode Beedrill. Talvez por estar adentrando o bosque, Elaine começava a sentir um arrepio no corpo quando o vento frio que soprava da Rota 31 a tocava. O sol continuava seu caminho natural de se esconder atrás da Caverna Escura e a menina já começava a ficar ainda mais apreensiva com o fato de se perder na floresta. Ela tentou apertar o passo, mas quanto mais andava, mais barulho fazia e o medo de chamar a atenção dos Kakuna aumentava e isso a fazia perder o equilíbrio. O ciclo se repetia cada vez mais intensamente.

Mas não foram os passos de Elaine que despertou o enxame.

 

Metros à frente de onde a menina estava, um berro que ela reconheceu. Um clarão cortou por entre as árvores e fez Elaine cobrir os olhos. Os pelos de seus braços arrepiaram. Um forte zumbido começou a tomar conta do ambiente e logo Elaine percebeu que os Kakuna pendurados nos galhos e nos grossos troncos das árvores daquele bosque começaram a brilhar e seus corpos começaram a se transformar. Asas cresceram de suas costas, seus abdomens rasgaram-se e de dentro de suas entranhas, saíram ferrões afiados. Os casulos caíam aos montes enquanto um enxame de Beedrill ia se formando ao redor de Elaine e formaram uma grande e ameaçadora sombra em cima que cobria a garota de forma assustadora. Ela segurou a PokéBola com força e levou o dedo indicador até o botão central, até quea atenção fora desviada quando percebeu uma das enormes árvores logo à frente caindo ao chão. Elaine saiu correndo enquanto os Beedrill voavam atordoados tentando se proteger do perigo iminente.

 

Uma clareira havia se formado onde Elaine havia visto o clarão à primeira vez. Havia fuligem nas raízes do que havia sobrado de árvores naquele trecho do bosque, muito provavelmente consequência do Buzzy Buzz que Eevee havia usado para se defender. Mas o foco da menina estava bem à sua frente: Vera encarava a figura misteriosa que tinha parte de um monitor de computador que cobria sua cabeça e que, apesar de ainda não revelar seu rosto por completo, podia-se ver que estava bastante irritado. Elaine percebeu que Vera protegia o ovo, mas a pressão da menina quase caiu quando ela notou uma grande rachadura em sua casca, provavelmente oriunda da queda de mais cedo.

 

— Não, não, não, não, não... — repetia Elaine em desespero.

 

A figura misteriosa sacou uma PokéBola de um dos bolsos do macacão azul. Ao apertar o botão da cápsula, um Pokémon curioso materializou-se no ar. Ele era redondo, cor-de-rosa e tinha uma espécie de bico achatado na cor azul, mesma cor da parte debaixo de seu corpo. Elaine rapidamente sacou sua PokéDex.

 


Porygon2, o Pokémon Virtual. Esta versão atualizada do Porygon foi projetada para exploração espacial. Mas não pode voar— informou o aparelho.

 

A figura misteriosa puxou a manga do macacão e revelou um pequeno teclado de pulso dentro de um relógio inteligente. Digitou alguns comandos e Porygon2 começou a se dividir na frente de Elaine, que deu um grito.

 

— Que tipo de Pokémon é você?! — gritou a menina.

 

O Pokémon foi sugado para dentro do relógio inteligente da figura misteriosa. A tela do monitor em seu rosto acendeu e logo um sprite do Pokémon que segundos antes estava materializado no mundo real surgiu.

 

Elaine então ouviu uma voz disfarçada por um filtro robótico falar com ela em uma mistura proposital de timbres graves e agudos, distorcendo-a.

 

Game. Over.

 

Da ponta do dedo indicador do seu oponente começaram a sair fagulhas de luzes coloridas que circulavam ao redor do dedo em três cores diferentes, amarelo, azul e vermelho. Rapidamente, as fagulhas transformaram-se em partículas e tais partículas dividiram-se em seus grupos de respectivas cores, aglomerando-se e se reunindo em um piscar de olhos. O ser mecatrônico levantou o polegar rente ao indicador e o utilizou como mira, fixando a pontaria bem no meio da testa de Elaine. A menina arregalou os olhos e jogou seu corpo para o lado na direção de Vera enquanto a figura misteriosa acionava o gatilho, baixando o polegar. O Tri Attack atingiu em cheio o tronco da árvore que Elaine estava escorada, abrindo um enorme buraco no centro.

 

A menina guardou a PokéBola que segurava de qualquer jeito dentro do bolso dos shorts, agarrou Vera pelo tórax com uma mão e com a outra, segurou o ovo Pokémon rachado com firmeza, saindo em disparada para dentro do bosque. Os disparos do Tri Attackeram constantes e por muito pouco não atingiam Elaine, que fazia o possível para não escorregar no chão coberto de folhas úmidas.

 

No entanto, a menina veio ao chão quando um dos raios disparados pelo seu perseguidor a atingiu no pé direito, congelando-o imediatamente e fazendo a garota gritar de dor. O ovo mais uma vez escapou dos braços dela e rolou alguns metros até parar debaixo de uma das árvores do bosque, deixando um rastro de cascas por entre as folhas no chão. Elaine ouviu os passos da criatura misteriosa aproximando-se com rapidez e, ao olhar novamente para ele, viu que o Porygon2 ainda se mantinha na tela, como se tomasse para si a identidade de seu algoz.

 

Elaine rapidamente tentou buscar alguma saída para a situação em que se encontrava. Ouvia a massa sonora que o zumbido do bater das asas do enxame de Beedrill, metros adentro do bosque, ela não tinha para onde correr. Até mesmo em uma árvore próxima havia um Kakuna pendurado por um fio de teia em um galho. A menina começou a se arrastar para trás, para longe da figura misteriosa, mais próxima do ovo Pokémon e cada centímetro que a menina se afastava, a pessoa— ou o Porygon2? — aproximava-se o dobro.Elaine sentiu quando suas mãos encostaram em um galho relativamente grande e o agarrou com força. Sem pensar duas vezes, a menina o arremessou na direção da figura misteriosa, que desviou. O galho voou e atingiu o exato local onde o casulo de Kakuna estava pendurado, derrubando-o no chão.

 

A menina podia garantir que aquele Porygon2 sorriu para ela de forma maligna.

 

GAME. OVER. TURN OFF. THE POWER. — A voz robótica do Porygon2 ecoou pelo bosque de forma medonha.

 

No entanto, algo chamou a atenção da figura mecatrônica possuída pelo Pokémon Virtual. Um clarão de luz iluminou o local que já estava ficando escuro devido ao pôr do sol. Ao se virarem para o foco de luz, testemunharam o Kakuna que caiu da árvore transformar-se aos poucos em uma abelha gigante. O Beedrill surgiu do que antes era o Kakuna e seus ferrões foram apontados ameaçadoramente para os dois humanos à sua frente. O Beedrill avançou para atacar, mas a figura mecatrônica controlada pelo Porygon2 apontou seu dedo novamente para o Pokémon selvagem e da ponta do indicador saiu um raio tricolor, o que afugentou o Beedrill para dentro do bosque.

 

O ser mecatrônico se virou para Elaine e apontou o dedo para o rosto da menina. Ainda saía a fumaça do último ataque. Vera rosnou e avançou em direção à figura misteriosa, mordendo seu braço, mas foi arremessada para próximo de onde Elaine jazia deitada. O Porygon2 voltou a fazer uma expressão macabra; dentro da tela daquele monitor de computador ele demonstrava ter tudo sob controle — o que era óbvio, afinal, Porygon2, acima de tudo, era um programa de computador. O dedo foi apontado mais uma vez para o rosto de Elaine e o polegar foi erguido, servido como mira para o Pokémon Virtual poder calcular com precisão o tiro que não iria errar desta vez.

 

Sua concentração, no entanto, foi interrompida com um barulho ensurdecedor. Um zumbido que foi crescendo e foi engolindo o espaço e se tornando cada vez maior, em uma onda sonora que aumentava — e assustava — a cada segundo. Do meio das árvores, centenas de Beedrill voavam em disparada e se colocaram ao redor de Elaine e da figura misteriosa que controlava — ou era controlada por — Porygon2. A menina arregalou os olhos. O medo era maior do que a dor lancinante no tornozelo.

Raios foram disparados do dedo indicador da figura com capacete de monitor, mas eram tantos Beedrill que seus ataques não funcionavam. Elaine tentava escapar dos ferrões mortais dos Pokémon Abelha, mas o enxame parecia mais concentrado em atacar o Porygon2 dentro do ser mecatrônico do que atacar a menina. Elaine, no entanto, foi pega de surpresa quando um Beedrill voou com velocidade em sua direção, com o ferrão do rabo apontado para ela. A menina fechou os olhos e encolheu o corpo. Vera correu para defender sua treinadora, jogando seu corpo contra o Pokémon que conseguiu apenas quebrar o gelo que prendia o tornozelo da garota quando um de seus ferrões dianteiros o atingiu quando Eevee o acertou.

 

Não se podia ter um número exato de quantos Beedrill circulavam dentro daquela clareira. Elaine se jogou em cima do ovo Pokémon para protegê-lo com seu corpo enquanto Vera, apesar de seu corpo pequeno, se colocava diante do enxame pronto para defender sua treinadora a qualquer momento.

 

— Vera! Nós não praticamos muito esse golpe ainda, mas... Eu acho que é o único jeito de sairmos daqui com vida...

 

A Eevee concordou com a cabeça, já sabendo onde sua treinadora iria chegar.

 

— Use o Freezy Frost!

 

Vera concentrou-se enquanto sentia seus pelos se arrepiarem. As unhas em suas patas se fincaram no chão e um vento frio começou a emanar de seu corpo, cercando em rodamoinho os arredores. As pupilas da Eevee ficaram brancas e o ar cristalizou-se em flocos de neve. Vera fez com que estalagmites de gelo se formassem no chão a sua frente, mas eram pequenas demais para acertar um único Beedrill, já que o enxame voava alto e descia sorrateiro apenas para continuar atacando a figura misteriosa, que se debatia para tentar afastar os Beedrill sem sucesso. Vera não escondeu a expressão de decepção.

 

— Não pode ser... — murmurou Elaine, visivelmente preocupada. — Vera, Buzzy Buzz!

 

A Eevee se recompôs e mais uma vez se colocou em posição de combate. Seus pelos se eriçaram e, novamente, um choque elétrico foi disparado da energia estática que se formou, dessa vez derrubando algumas dúzias do enxame no chão da floresta. Elaine rapidamente sacou uma PokéBola, decidindo impulsivamente capturar cada um dos Beedrill para que o ataque cessasse, mesmo consciente de que ela não tinha PokéBolas o bastante para isso. Arremessou a primeira cápsula em um Beedrill próximo de onde ela estava. Curiosamente, ele era bem maior do que os demais da mesma espécie e, talvez pelo seu tamanho, tenha tomado os maiores danos para defender seu grupo. O Pokémon foi sugado pelo raio vermelho e a PokéBola mal se moveu: a captura tinha sido um sucesso. Se preparava para pegar a segunda cápsula quando, de dentro do bosque, ouviu seu nome sendo chamado.

 

Stone Edge!

 

O chão se rasgou. Um urro ensurdecedor cobriu o zumbido formado pelo bater de asas do enxame de Beedrill. De dentro do solo, uma massa sólida de pedra e terra formou grandes pilares que avançaram com violência em direção ao centro do conflito, atingindo em cheio os Beedrill e a figura misteriosa que estava entre eles. Elaine deu um grito agudo, mas o susto foi maior quando viu Tyranitar derrubar as árvores com a mesma facilidade com a qual se abre uma janela em um dia ensolarado. Logo atrás dele, Ethan apareceu completamente afobado.

 

— Elaine! — Exclamou o rapaz, correndo em direção à Elaine

— O ovo! O ovo! — Gritava a menina para ele, enquanto se desesperava vendo a casca se desfazer aos montes.

 

Ethan pegou Elaine no colo e gritou para seu Pokémon. Tyranitar colocou Vera cuidadosamente em um de seus ombros e segurou seu treinador, que continuava a segurar Elaine nos braços, com segurança nos seus próprios braços, rapidamente se dirigindo de volta por onde vieram, deixando o enxame de Beedrill atordoado e sem notar o treinador com seu Porygon2 que aos poucos iam perdendo a batalha contra eles.

 

Assim que a estrada da Rota 31 foi tocada, Tyranitar colocou seu treinador no chão com cuidado. Ethan ainda segurava Elaine com certa apreensão, a menina ainda estava em estado de choque e soltava palavras desconexas, olhando para o ovo Pokémon que mantinha a sua casca se esfarelando.

 

— O ovo... O ovo... Eu quebrei o ovo, eu... — Elaine não parava de chorar.

— Ei, tá tudo bem, Elaine, você não... — Ethan tentou acalmar a menina, mas foi interrompido quando uma massa sonora o cortou. Não era de asas do enxame de Beedrill o perseguindo. Eram sirenes e motores de carros em alta velocidade que vinham de todos os lugares.

 

Os carros da polícia os cercaram. Quando as portas abriram, rosnados dos Growlithe e Arcanine acompanharam o grupo de dezenas de oficiais vestidos com jaquetas vermelhas que foram para cima dos dois, circulando-os.

 

— Como uma Pokémon Ranger em serviço, estou informando que vocês estão presos por invadir e destruir uma área preservada!

 

Como se não bastasse o choque de Elaine em ter quebrado ovo de Ethan e com certeza matado o Pokémon que havia nele, ser atacada por um desconhecido e por um enxame de Beedrill selvagem, os problemas agora chegaram em um outro patamar. Ethan mal conseguiu reagir. Como que eles iriam sair dessa?

 

 

TO BE CONTINUED...


Capítulo 68

 


Quando amanheceu novamente em New Bark, Ethan já se encontrava, pela terceira vez, acordando em sua casa. A última madrugada fora intensa, o encontro com Raikou e todos os eventos que se sucederam fizeram com que o garoto mal conseguisse pregar o olho. Sentia os pelos arrepiados como se recebesse uma constante descarga elétrica, mas o que machucava de verdade era a lembrança de seu Nidoking o esnobando, trocando-o por outra treinadora. Nem mesmo os sonhos lhe davam uma trégua, atormentando-o com uma insistência sufocante.

 

— Bom dia.

 

A voz de Forrest causou certa surpresa em Ethan. Ele não esperava que o amigo estivesse acordado tão cedo.

 

— Eu te acordei?

— Não. Fiquei rodando na cama a madrugada inteira. Você não roncou, então imaginei que não tivesse conseguido dormir também.

— Eu não ronco — rebateu Ethan.

Aham... tá bom — riu Forrest de forma debochada enquanto se levantava do colchão em que passara a noite.

 

Ethan bocejou no momento em que o amigo falava e não ouviu a resposta.

 

— O que foi que você disse? — questionou Ethan levantando-se da cama e abrindo as cortinas que fechavam as janelas do quarto.

— Ah, não foi nada. A propósito, eu posso pedir uma opinião sua?

— Claro.

— O que você acha da Sunny?

 

Ethan virou-se para o amigo com os olhos semicerrados, muito por causa da luz solar que agora entrava através do vidro.

 

— Como assim?

— O que você acha dela, ué.

— Eu acho ela bonita, cara. Apesar de ainda não ter me acostumado com a ideia de o Imperador tê-la escolhido como treinadora favorita.

 

Forrest deu uma risadinha.

 

— Você ainda tá preso nessa história? O seu objetivo era devolvê-lo, lembra?

— É, mas não é fácil. Imagina eu ter aquele Nidoking na equipe? Não ia ter pra ninguém na Liga Pokémon!

— É, mas você tem o Tyranitar. Se tratando de força defensiva, ele é o melhor. Mas não foi por isso que eu perguntei pra você sobre ela.

 

Ethan ergueu o cenho.

 

— Então por que foi?

— Eu acho que ela tá afim de mim — disse o moreno quase em um sussurro constrangido.

 

Ethan cruzou os braços enquanto observava Forrest coçar a cabeça.

 

— Então beija ela.

 

Forrest imediatamente ficou rubro. Um sorriso sem graça dominou seu rosto e o garoto desviou o olhar para o chão.

 

— Falar é fácil... E se for só coisa da minha cabeça?

— Você gosta dela?

 

Forrest hesitou por um instante.

 

— Ah, ela é bonita, né?

— Cara, isso não responde a pergunta que eu te fiz. Eu acho a Amy uma gata e eu sou apaixonado por ela, não sei nem como criei coragem de me aproximar... Já a ladra de Nidokings nunca fez nada pra mim. Exceto roubar meu Nidoking.

— O Nidoking sempre foi dela, cabeção. E talvez eu possa sentir algo, sei lá... mas e se ela não quiser nada comigo?

— Bola pra frente. Ela não é a única mulher no mundo.

— Parece algo que eu diria pro meu irmão — riu Forrest.

— Você é meu melhor amigo. Você é a primeira pessoa a quem eu recorro quando eu preciso de alguma coisa. Eu não gosto dela, já basta a Amy se afastando de mim. Só não quero que você comece a se afastar também por conta de um rabo de saia.

 

Forrest ergueu as sobrancelhas, surpreso.

 

— Não precisa de ciúme, cara. Nem você me fez desistir de você mesmo, e olha que não foi uma vez só — riu o menino.

— E-eu não tô com ciúme! — bradou Ethan, sentindo o rosto queimar e um frio no ventre incomodá-lo enquanto tentava engolir aquilo que ele se recusava a admitir que era, justamente, ciúme.

 

O moreno levantou-se do colchão e saiu pela porta do quarto com um sorriso no rosto. Ethan esperou por alguns segundos ainda com as sobrancelhas franzidas para ver se Forrest voltava, mas isso não aconteceu.

 

— Ô SEU CRETINO, VEM AQUI DOBRAR SUAS COBERTAS! — gritou o garoto zangado.

 

***

 

Ethan desceu as escadas em direção à cozinha ainda bufando ar pelo nariz, no seu mau humor costumeiro. Sunny reparou a entrada ranzinza do menino, mas Chase, Elaine e os demais já estavam acostumados com aquele tipo de comportamento que Ethan só exibia quando sentia que algo o contrariava.

 

— Bom dia, filho — cumprimentou Marieta enquanto colocava mais um prato na mesa farta com todos os visitantes sentados. Forrest parecia ter sido o último a se servir, pois sua xícara de café sequer estava na metade.

— B’ dia — respondeu o menino de forma seca.

 

Ethan suspirou e sentou-se na cadeira, servindo-se de leite, café e não tardando a colocar algumas colheradas caprichadas de açúcar. Sand ajudava Marieta a recolher os pratos que iam ficando na mesa conforme as pessoas finalizavam as refeições. Sunny e Elaine comentaram entre si como Sandslash havia ficado fofo utilizando um avental rosa que Marieta comprara em uma das barracas de acessórios na feira de sábado.

 

— Sand tem sido um excelente Pokémon. Me ajuda bastante em casa e olha que ele só está aqui há dois dias — comentou a mulher afagando o cocuruto do Pokémon.

— Parece até que foi feito pra ele — comentou Elaine, fazendo um comentário silencioso. — Ele nunca deixou de usar esse avental...

— E falando em compras, precisamos repor o nosso estoque de itens, Ethan. Poções, Antídotos, Repelentes... Os itens básicos, estamos quase sem — avisou Forrest.

— Beleza. A gente pega no mercado de Cherrygrove — disse Ethan após bebericar em sua xícara de café com leite.

 

Elaine debruçou-se sobre a mesa e encostou o queixo sob algumas migalhas de pão.

 

— Por que nossa estadia em New Bark sempre parece tão curta, Ni?

— Sei lá... — suspirou Chase, encarando a mesa.

— Por que vocês dois nunca comentaram que já estiveram em New Bark antes? — perguntou Marieta.

 

Os irmãos se encararam.

 

— É que a gente... A gente não...

— Quando éramos mais novos nossos pais nos traziam para visitar nossa avó que morava aqui — explicou Chase, rapidamente. O menino olhava Marieta de uma forma estranha, como se tentasse ler seu pensamento. A mulher, no entanto, não percebeu. Distraiu-se tentando lembrar se já tinha visto aqueles dois na vizinhança ou se eram netos de alguma das vizinhas fofoqueiras, mas elas provavelmente os teriam mencionado antes.

— Essa é a vida de um treinador Pokémon, né? É como um andarilho, todo dia um lugar novo — comentou Sunny.

— Esse é justamente o motivo de gostarmos de fazer o que a gente faz — concordou Forrest com um sorriso.

 

Ethan olhou para o PokéGear em seu pulso.

 

— Oito e quarenta. Se quisermos chegar ainda hoje em Cherrygrove, é melhor irmos andando.

— Você fala como se Cherrygrove fosse do outro lado do país — disse Sunny com um sorrisinho.

— Vamos levar umas duas horas, no máximo, pra chegar lá — calculou Forrest.

— Nem isso — complementou Sunny.

— Nem isso. — Forrest sorriu para a menina. Nenhum dos dois viu Ethan revirando os olhos, o que arrancou um sorrisinho de Elaine.

 

***

 

Elm olhava pensativo para o computador que agora exibia o descanso de tela animado com alguns Pichu que dançavam alegremente e piscavam intercalando-se em diferentes cantos do monitor. O professor passou a mão no gancho do telefone, o posicionou no ouvido e discou nas teclas os oito dígitos de um telefone que ele sabia de cor por ser o mesmo há anos. Apesar de Elm não o discar já há dias, era frequente a manutenção daquele hábito de telefonar para aquela linha em específico.

 

Chamando. Chamando. Chamando. Chamando...

 

O cientista estava acostumado a tentar algumas vezes para ter algum sucesso. Acabou surpreendendo-se com a voz da sobrinha do outro lado da linha.

 

Oi tio. Tudo bem com o senhor?

— Lyra! Que surpresa você me atender tão cedo. Geralmente você é tão ocupada...

Eu ando tranquila esses dias, tio...

— Está tudo bem? Já tem algum tempo que você não me manda mais relatórios da sua PokéDex.

Tudo sim. Estou em Olivine agora, resolvi pegar uns dias de descanso, faz bem pros meus Pokémon, né?

— Ah, a adolescência... Os jovens vivendo sem a pressa do tempo — riu Elm. — Você está se preparando para a Liga Pokémon? É em Fevereiro.

Não vou te decepcionar, tio! Estarei lá e irei me tornar a nova Campeã da Liga Índigo, igual a minha mãe!

— Fico feliz em ver você tão animada, minha querida.

Preciso ir, tio. Mas eu ligo logo que puder. Não esqueci da minha tarefa de preencher a PokéDex.

— Estarei esperando ansioso.  Você conseguiu descrições até mesmo do lendário Lugia! Isso é impressionante!

Nada que uma treinadora habilidosa como eu não consiga, não é? — riu a menina.

— Eu não esperaria menos de você! Como você conseguiu encontrá-lo? Eu fiquei sabendo que ele fugiu após uma emboscada da Equipe Rocket nas Ilhas Redemoinho. Você e o Ethan não estavam envolvidos nisso?

É verdade, tio... Mas depois eu acabei encontrando-o enquanto seguia pra Cianwood. Eu nunca mais vi o Ethan depois disso.

— Ainda assim, é realmente surpreendente que você tenha conseguido esse feito. Meus parabéns!

Obrigado tio! Eu preciso ir, mas eu juro que ligo pro senhor assim que possível.

— Tudo bem, minha sobrinha. Até logo.

Tchau.

 

E desligou o PokéGear. Lyra respirou fundo e voltou a encarar a sacada. No horizonte, dava para se ver a copa das árvores da Floresta Ilex e a fumaça que saía das chaminés das fogueiras que queimavam carvão na cidade de Azalea. A menina tirou de um dos bolsos dos shorts preto — parte do uniforme da Equipe Rocket — um maço de cigarros. Enquanto apoiava o cilindro de nicotina nos lábios vermelhos, retirava do outro bolso um isqueiro e guardava o maço. Levou a mão à frente do rosto e acendeu o isqueiro queimando a ponta do cigarro e tragando-o profundamente. Sentiu a fumaça penetrar por sua garganta e encher seus pulmões. De forma suave, dispensou o excesso soprando-o no ar e vendo-a se dissipar no ar com os olhos.

 

— Eu diria que você faz bem o papel de sobrinha exemplar.

— Cala a boca.

 

Silver, sem camisa, mantinha um sorriso pervertido no rosto enquanto olhava para a namorada de costas. O ruivo estava deitado na cama de madeira sob a luz de uma candeia que permanecia acesa mesmo com a luz natural invadindo o local. O quarto não era tão grande, mas ao menos era confortável, tinha um guarda-roupa de madeira rústica, muito provavelmente feita das árvores da floresta dos arredores do pequeno esconderijo que os dois se encontravam. O piso também era de madeira e entre as paredes feitas de concreto, quadros decoravam de forma charmosa que exibiam imagens pintadas de diversos tipos de Pokémon do tipo Grama e Inseto, como Butterfree, Oddish e até mesmo Pinsir e Yanma. O cheiro da relva perfumava o ambiente, mas aos poucos, o cheiro do cigarro tomava lugar.

 

— Sobre o que ele perguntou? — o ruivo sentou-se na cama e levantou-se, seguindo em direção ao guarda-roupa.

— Nada que atrapalhe. Mesma coisa de sempre. Quis saber da minha viagem, do motivo que eu não tô enviando mais relatórios da PokéDex... — Lyra deu outra tragada no cigarro. — Ele perguntou do Lugia também.

 

Silver deu uma risadinha baixa enquanto terminava de abotoar a camisa que cobria seu peito com cicatrizes e queimaduras que, como tatuagem, cobriam o peitoral do garoto e descia até embaixo do umbigo. Só ardiam quando ele se lembrava dos motivos de elas estarem ali.

 

— Claro que você ia conseguir as informações do Lugia. Quem mais poderia fazer isso se não você?

 

O garoto aproximou-se de Lyra e a abraçou pelas costas, dando-lhe um beijo no rosto enquanto ela batia com o dedo indicador no cilindro do cigarro para derrubar o excesso de cinzas na ponta. Ela suspirou, sem manter contato visual com o namorado.

 

— Ele é tudo o que sobrou pra mim. Eu preciso me esforçar por ele.

— É bom saber que, além de mim, o famoso Professor Elm também se preocupa com você.

 

Outra tragada no cigarro. Lyra ainda se mantinha olhando o horizonte cinzento da Rota 33. Nuvens de chuva se aproximavam de Azalea.

 

***

 

Havia pouquíssimas nuvens no céu azul da Rota 29. Ethan, Elaine e Chase caminhavam juntos já há duas horas pelos caminhos sinuosos da estrada que ligava New Bark à Cherrygrove enquanto assistiam Forrest e Sunny caminhando um pouco mais à frente, rindo e conversando entre si. Vez em quando, eles ainda olhavam para trás para dar qualquer atenção para os amigos, mas voltavam a rir e a paquerar.

 

— Quando vocês crescerem, não namorem — disse Ethan aos gêmeos.

— Como se você não dissesse isso todos os dias... — respondeu Elaine, levando uma cotovelada de seu irmão.

— Eu sou tão transparente assim? — perguntou o menino aos irmãos, que riram.

— Só um pouquinho — respondeu Chase. — Mas você não é assim com a mam... digo, com a Amy?

 

Ethan parou para refletir por alguns instantes antes de responder, olhando para cima e apoiando o dedo indicador no queixo.

 

— Eu acho que se eu andasse desse jeito com a Amy, ela com certeza iria me matar. E não estou falando de um jeito irônico.

 

Os gêmeos se entreolharam. Dando uma risadinha, concordaram em silêncio com a afirmação do mais velho. Ethan voltou a comentar sobre o casal à sua frente, quase em um sussurro.

 

— É que eu acho esquisito eu ver o Forrest grudado com outra pessoa. Desde o começo da minha jornada éramos nós dois compartilhando praticamente tudo... Sei lá, é estranho.

 

Forrest caminhava alguns metros à frente com Sunny ao seu lado. A jovem, vez em quando, olhava de canto de olho e via Ethan cochichar com os gêmeos, que percebiam que estavam sendo observados, ficavam sem graça e desviavam o olhar de volta para o garoto, que não percebia a situação — era capaz de Ethan cair em um barranco e só se dar conta depois que tocasse o chão.

 

— Você acha que o Ethan está chateado comigo? — perguntou ela para Forrest.

— Eu tenho certeza. Mas não é culpa sua, ele é assim.

— Mas ele não pareceu assim quando eu falei pra me devolver o Cherry...

— Eu não acho que o problema seja você ou o Cherry. Ele é complexo... Já tem um monte de problemas, principalmente com a namorada dele.

— Problemas femininos? É, eu até consigo entender — riu ela. — Tem alguma coisa que eu possa fazer pra ajudar?

— Eu não sei... Você tem alguma ideia?

 

Sunny parou subitamente.

 

— Você respondeu minha pergunta com outra pergunta.

— Eu? Claro que não. Eu apenas otimizei o tempo emendando o próximo tópico da conversa — riu Forrest.

— Você tem bastante tempo sobrando, né?

— Pra você eu tenho.

 

As bochechas de Sunny coraram e ela desviou o olhar. Ela e Forrest se assustaram quando Ethan aproximou-se deles e se posicionou entre os dois, apontando para frente com o dedo indicador.

 

— Vocês viram aquilo?

 

No caminho à frente surgiram diversas bandeirolas vermelhas penduradas através de estacas de madeira que começavam justamente no ponto em que os garotos estavam. As bandeirolas tinham um brasão com um símbolo do que se podia deduzir ser uma cereja vermelha estilizada. O vento que soprava de New Bark as agitava e as parecia conduzir pelo caminho que, justamente, dava para Cherrygrove, alguns pouquíssimos quilômetros à frente. Já era possível ver as casinhas que eram endereçadas na cidadezinha.

 

— Sejam bem-vindos ao Festival da Cerejeira! — bradou uma voz.

 

Uma moça de longos cabelos loiros esvoaçantes sorriu para o grupo. Ela se parecia bastante com Sunny, tinha os mesmos olhos acastanhados e era tão bonita quanto — apesar de não o suficiente para mudar o humor de Ethan.

 

— Tuscany! — exclamou Sunny, correndo ao seu encontro.

— Sun! Que saudades de você!

 

As duas se abraçaram forte, seus corações pulsavam na mesma frequência.

 

— Por onde você andou? Tem tanto tempo que eu não te vejo! — Tuscany mantinha as sobrancelhas erguidas, e falava de forma agitada.

— Eu estive trabalhando com o Professor Elm... E adivinha só quem eu reencontrei?

 

Sunny sacou uma PokéBola de dentro da mochila. Apertou o botão da cápsula e liberou Cherry — apesar de agora ser um nome até esquisito para uma criatura como Nidoking, mas ele não deixaria de ser um filhote para sua treinadora. Tuscany não conseguiu controlar o queixo, que batia no tórax.

 

— CHERRY! É VOCÊ MESMO?! CARAMBA! VOCÊ TÁ VIVO! — A loira olhava Nidoking por todos os ângulos possíveis, completamente impactada com aquele Pokémon.

— Ele estava sendo cuidado por ele.

 

Sunny apontou para Ethan, parado com Forrest e os gêmeos a alguns metros, observando a cena. Tuscany, meio trêmula, apontou o dedo para o menino, que ao perceber, tentou esconder-se atrás de Forrest.

 

— Você não é o menino que pegou as oito insígnias e namora uma mafiosa? Eu te vi na TV!

— Sou... — respondeu o menino constrangido.

— Pessoal, essa é a minha irmã, Tuscany — apresentou Sunny.

— Isso explica porque o Cherry tá fortão desse jeito. Você arrasa demais! Não a toa que você manda na máfia! — exclamou a loira.

— Tus, ele não manda na máfia... Ele só namora a mafiosa — disse Sunny, escondendo o rosto atrás da palma da mão apoiada na testa, deixando Ethan ainda mais envergonhado. A voz sumiu, ele não conseguiu nem responder. — Ele é o Ethan.

— Vocês são tão lindinhos... — comentou Tuscany apertando as bochechas dos irmãos.

— Obrigada... — respondeu a menina sem graça, enquanto massageava o rosto. — Eu me chamo Elaine. E esse é o meu irmão, Chase.

— E quem é esse moreno sarado que temos aqui? — Tuscany olhava para Forrest com um sorriso malicioso.

— Forrest. Ele não — disse Sunny de forma séria, o que foi notado imediatamente por Tuscany.

— Certo. Captei. Vou tentar a sorte no festival. A propósito, vocês vieram pra isso, né?

— Festival? — perguntaram os gêmeos em uníssono.

— O nosso Festival da Cerejeira! — exclamou Tuscany, apoiando as mãos na cintura. — Muito me surpreende que a Sun não tenha falado nada pra vocês ainda.

— Ela tava meio ocupada — comentou Ethan, tomando uma cotovelada de Forrest. — Ai!

— Ah, a vida de assistente do Professor Elm deve ser difícil mesmo... — disse Tuscany olhando para Sunny e Forrest com um leve tom de deboche na voz. — O Festival da Cerejeira é uma festa anual que acontece na Cidade de Cherrygrove no meio do inverno onde nós pedimos para que a primavera seja próspera e possa abençoar a próxima colheita. Temos música, danças e a parte que eu mais gosto, comida de montão! Eu mesma estarei participando do concurso Miss Cerejeira para eleger a garota mais linda da cidade, então vim aqui divulgar. Vocês vão votar em mim, não vão?

— Bem... é que os ingressos para um evento desses devem custar uma fortuna — comentou Ethan.

— Que nada! É tudo cortesia. Toma um pra você, pra você, pra você, e pega mais cinco pra distribuir pros amigos. Inclusive atrás tem o meu número de participante, então não deixem de votar, tá bem? — disse Tuscany, não perdendo a chance de vender seu peixe. — Ai... Eu tinha que ficar aqui pra atrair as pessoas a comparecerem no festival, mas já está me dando uma fome...

 

A barriga de Ethan roncou. O garoto, constrangido, não teve como contrariar suas necessidades.

 

— É... Acho que eu sei como é essa sensação.

 

***

 

As barraquinhas se aglomeravam em ambos os lados das ruas, paralelas umas às outras. O aroma no ar era plural — da essência adocicada dos algodões-doces que atraiam crianças e Pokémon que babavam em grandes filas ao cheiro apetitoso dos pasteis sendo fritos em enormes panelas de metal que continham óleo borbulhante, aquecido pelas chamas ardentes de uma equipe composta por um Cyndaquil, um Slugma e até mesmo um Magby. Para onde quer que se olhasse, algo chamava a atenção, das barracas de flores onde uma Sunflora demonstrava habilidade em decorar os vasos, até mesmo o grande palco montado na praça da cidade, onde um grupo de dançarinos se apresentavam acompanhados de um Hitmontop, um Mr. Mime e um Jigglypuff que parecia se virar muito bem ao som pesado do hip hop que tocava nos amplificadores.

Cherrygrove era sim uma cidade pequena, do interior de Johto, mas uma vez ao ano ela parecia emanar uma energia mágica que a fazia ficar enorme. Todas as pessoas que estavam ali mantinham um sorriso no rosto que não era desfeito nem com os sorvetes derretendo devido ao calor que fazia.

 

Ethan abocanhou mais um pedaço do segundo hambúrguer, sentado no banquinho de madeira debaixo do toldo vermelho com listras brancas de uma das barracas próximas a uma árvore. Elaine parecia encantada demais com uma pelúcia de Snubbull em uma barraca próxima cercada de crianças, mas não se achava capaz de conquistar uma posição entre o Top 3 para garantir uma premiação. Seu irmão, no entanto, permanecia sentado ao lado de Ethan, com metade de um copo de suco de laranja gelado em sua frente. Penteava seu Pikachu, que mantinha-se sob o colo do menino sem resistência.

 

Após a última abocanhada, Ethan passou a mão na barriga e a afagou por algum tempo. Deu um sorriso satisfeito para o teto da barraca, já planejando o próximo. Chase soltou uma gargalhada.

 

— O hamburgão tava bom, hein?

— Você não faz ideia, cara... — O olhar de Ethan pousou nas costas de Elaine. — O que ela tá fazendo?

— Tomando coragem, eu acho — respondeu o menino enquanto escovava o topo da cabeça do Pikachu.

— Coragem pra quê?

— Pra tentar ir lá ganhar aquele Snubbull de pelúcia. Mas ela tem vergonha.

— Hum... — murmurou em resposta.

 

Chase continuou passando a escova nos pelos amarelos de seu Pokémon quando Ethan levantou-se do banquinho e caminhou até Elaine. A menina tomou um susto quando viu o rapaz passar por ela, com as mãos no bolso, infiltrando-se entre as crianças com metade da sua altura que disputavam a atenção de um único homem atendente. A camisa social preta fechada até a gola no pescoço claramente o fazia suar e assar com o calor daquela tarde. O homem não esboçava reação alguma, exceto quando viu Ethan se aproximar. Ele arregalou os olhos e apontou para o garoto, o que chamou a atenção das crianças que disputavam um lugar na fila. Houve um silêncio imediato entre o grupo, seguido por cochichos e sussurros curiosos.

 

— V-você não é aquele menino que tem as oito insígnias? É um prazer recebê-lo em minha barraca!

 

O garoto deu um sorriso sem graça.

 

— É, eu acho que sou eu... Escuta, quanto custa esse Snubbull de pelúcia? — perguntou apontando para o boneco que, agora que via mais de perto, era tão grande quanto um original.

— Quem diria que um finalista da Liga Pokémon estaria interessado por um bichinho de pelúcia... — zombou o homem, que engoliu em seco ao ver a expressão séria de Ethan. — Mas não está a venda. Mas... Você pode arriscar a sorte. $10, três bolinhas, três chances de acertar o anel do Ursaring.

 

O menino olhou para o alvo. Era um Ursaring de papelão, de pelo menos um metro e meio de altura, que tinha um buraco em sua barriga, no meio do círculo dourado que a espécie real costumava carregar no ventre. Claro que ele não metia medo em Ethan como um Ursaring de verdade, mas a tensão do momento o fez sentir um frio na barriga.

 

Ethan tirou da mochila sua carteira e sacou uma nota para o homem que a recolheu. Debaixo da mesa, retirou três bolas que tinham as mesmas cores de uma PokéBola comum e as entregou para o menino. Ethan encarou o alvo e arremessou a primeira bola que quicou na parede, longe do buraco do papelão. O garoto respirou fundo e segurou a bola na frente dos olhos, com o braço esticado, mirando o alvo com o olho esquerdo fechado.

 

A segunda bola atingiu o rosto do Ursaring de papelão. O homem na barraca deu uma leve baforada e um leve sorriso tomou conta no seu rosto. Ethan mantinha a concentração. Jogou a terceira bola, que por pouco não atingiu o buraco, pegando a borda do alvo.

 

— Que pena... Não deu.

— Mais três.

— $10.

 

Ethan pegou mais uma nota da carteira e a entregou para o homem. Mais três tentativas. Mirou no Ursaring de papelão, curvou-se levemente para frente e, ao invés de arremessar a primeira bola, ele virou a mão, deixando a esfera apontada para o teto. Jogando-a de baixo para cima, a bola fez uma curva para o alto e logo caiu certeira no alvo. Ethan colocou as outras duas bolas em cima do balcão e deu um sorriso satisfeito.

 

— De primeira.

 

O homem deu um suspiro e se dirigiu até o Snubbull de pelúcia. Pegou-o da prateleira e entregou para Ethan, que sorriu e agradeceu.

 

— Você ainda tem mais duas chances. Não quer mesmo jogar?

 

O garoto olhou para o grupo de crianças que o observava em silêncio. Pegou as duas bolas em cima do balcão e as entregou para uma das meninas que estava mais próxima.

 

— Já tá pago, boa sorte.

 

Os olhos da criança brilharam. Os amiguinhos logo fizeram uma roda ao redor da menina e copiaram o gesto, copiando a técnica que daria um verdadeiro prejuízo ao senhor da barraca agora que todos sabiam como levar o prêmio.

Ethan virou-se em direção à Elaine e entregou a pelúcia a ela. A menina arregalou os olhos e começou se tremer.

 

— Ganhei pra você.

— E-eu n-não posso aceitar — murmurou Elaine.

— Não pode o escambau. Eu tô te dando.

 

Elaine juntou as duas mãos e olhou para os próprios pés. Mordendo o lábio, a menina se pegava constrangida, sem saber o que fazer.

— É que não estou muito acostumada a ganhar presentes...

— Não? Seu pai é um bobão então. Achei que toda menina tivesse uma montanha de pelúcias que dá pra se perder lá dentro. Mas se você não gostar dessas coisas, eu posso dar pra outra criança...

— NÃO! — gritou a menina, agarrando a pelúcia das mãos de Ethan. — M-muito obrigada...

 

Elaine pulou no pescoço de Ethan e o peso o fez se curvar para baixo. A menina o abraçou com força, em breves segundos que pareceram minutos. O coração de Ethan encheu-se de ternura e o menino se emocionou — não sabia exatamente o motivo, mas sentia-se responsável por Elaine e também por seu irmão. Era como se fossem parentes próximos dele. Sentia-se feliz por ter feito o dia da menina, que olhava para a pelúcia de Snubbull como se ele fosse o bem mais precioso de sua vida — e para ela, não deixava de ser.

 

— Eu sempre soube que você tinha uma boa mira.

 

Ethan reconheceu aquela voz de imediato. Virou a cabeça procurando pelas imediações e não conseguiu esconder a surpresa ao reparar em Joey e Gabrielle aproximando-se do rapaz.

 

— Vocês? Nossa! Eu jamais achei que ia ver vocês por aqui! — exclamou Ethan abraçando os dois.

— Você não achou realmente que eu ia perder uma boa festa, né? Principalmente se tratando do Festival da Cerejeira na minha cidade natal. É uma ótima oportunidade de mostrar pra Gabi tudo de bom que Cherrygrove tem a oferecer, que é quase nada — riu o menino. — E eu vi você na TV, você estava em New Bark. Imaginei que logo chegaria aqui.

— É muito bom vê-lo de novo, mon chérie! — exclamou Gabrielle. Ethan notou uma acentuada no sotaque kalosiano.

— É muito bom ver vocês também — sorriu Ethan.

— Cadê a Amy? Eu passei pelo Forrest vindo pra cá. Ele tava acompanhado de uma amiga minha, estavam indo à praia...

— Longa história... — comentou Ethan meio embaraçado.

— Se você o ver primeiro que eu, avisa que eu descobri que a Argenta estará em Ecruteak.  Eu acho que o pessoal da Liga Pokémon tá querendo chamar bastante a atenção pra cidade, porque já vai ter o Festival de Ouro e Prata lá, agora a Batalha da Fronteira estará lá... Enfim, quando o vê-lo, pode dar o recado?

— Claro que sim! — sorriu o menino.

 

A atenção de Joey se voltou para Elaine e Chase, que conversavam na barraca próxima.

 

— Esses dois estão viajando contigo? Eu vi eles na TV, são a tua cara. Parecem até seus filhos — caçoou o garoto dando cotoveladas de leve no braço de Ethan.

— Tá doido?! Eu nem tenho idade pra isso, eu nem me casei ainda!

— Cê tá ligado que não precisa casar pra fazer filho, né? — retrucou de forma maliciosa.

 

Joey veio ao chão quando sentiu a coronhada que recebeu de Gabrielle.

 

— Você não tem nem tamanho pra falar dessas coisas. Fique calado.

 

Ethan não pôde esconder uma risadinha.

 

Os gêmeos aproximaram-se de forma tímida. A moça deu um belo sorriso ao ver o Snubbull de pelúcia da garota.

 

Beau! Espero que você esteja cuidando bem dele. Meu nome é Gabrielle.

— O meu é Elaine. E esse é o meu irmão, Chase.

— Esse Pikachu não é forte demais pra uma criança do seu tamanho carregar ele por aí fora da PokéBola?

 

Chase fechou a cara.

 

— Takara é o meu melhor amigo, ele jamais faria mal pra mim! — O menino olhou Joey de cima a baixo. — E nós dois temos praticamente o mesmo tamanho!

— E daí? Eu sou mais velho que você!

— E daí? E o que tem a ver?

— E daí que você tem que me respeitar!

 

Os dois mostraram a língua um para o outro. Ethan e Gabrielle interviram para evitar uma discussão ainda mais calorosa. Joey, no entanto, sacou uma PokéBola e a apontou em direção à Chase.

 

— Então eu te desafio pra uma batalha! Vou te mostrar a capacidade de um treinador com oito insígnias!

— Eu também tenho oito insígnias. Se esse for o caso, quem vai lutar com você sou eu — disse Ethan, tomando a frente.

— Eu posso lidar com isso. Ele me provocou! — exclamou Chase, nervoso.

— Então vamos fazer uma batalha em duplas — sugeriu Gabrielle.

— Batalha em duplas? — questionou Ethan.

— Uma luta entre duplas com quatro Pokémon sendo comandados ao mesmo tempo. É uma sensação em Kalos e também um modo de batalha presente na Liga Pokémon de Hoenn — explicou Gabrielle.

— Região de Hoenn... Me parece um lugar bem interessante... — comentou Ethan, levando a mão ao queixo.

— Temos quatro treinadores com vontade de batalhar. Eu acho que é uma boa — disse a jovem.

— Eu acho uma excelente ideia! — Joey parecia empolgado com a ideia. — Eu vou poder aproveitar a oportunidade pra derrotar o meu maior rival.

 

Ethan sacou uma PokéBola e a estendeu na direção do garoto.

 

— Não conte com isso, Joe.

 

***

 

Um dos principais pontos turísticos de Cherrygrove era, com certeza, sua praia a oeste da cidade. Apesar de ser bastante conhecida ao redor do país, a praia não atraía tantas visitas quanto o litoral de Olivine, por exemplo, mas era o palco ideal para o espetáculo que estava prestes a acontecer. Ethan, Joey, Chase, Gabrielle e Elaine conversavam entre si enquanto afastavam-se consideravelmente do centro urbano da cidade, pegando a trilha que levava ao mar. A praia de Cherrygrove era tão tranquila quanto as águas que beijavam sua orla, visto que apenas pequenas embarcações costumavam navegar por ali, muitos deles, barcos de pesca a procura de algo além de Magikarp selvagens, como tesouros presos por entre os corais de Corsola por debaixo da baía.

Foi Joey quem sugeriu que caminhassem descalços pela areia, muito pelo fato do garoto não querer sujar seus tênis — mania muito parecida com a de Ethan. A areia fofa massageava as solas dos pés dos jovens e o barulho das ondas do mar causava até mesmo um certo frio na barriga para Chase e Elaine, que ainda não tinham visto o mar tão de perto, mesmo que aquele nem se comparasse com o oceano que banhava as rotas marítimas de Hoenn ou Alola. O sol não estava tão quente, o que fazia os garotos se sentirem a vontade e bem dispostos. Logo que encontraram um bom lugar, mais ou menos no meio da praia, dividiram-se em duplas. Joey e Gabrielle de um lado e Ethan e Chase de outro.

 

— As regras são simples. Cada um de nós só pode usar um único Pokémon, sem substituições. A dupla que tiver os dois Pokémon derrotados, perde — explicou Gabrielle.

— Eu e a Gabi estamos sempre praticando nessa modalidade... É um treino a mais pra Liga Johto! — exclamou Joey. — Vocês não vão ficar com medo, né?

 

Chase puxou Ethan pela manga da camiseta. O garoto abaixou e ouviu o sussurro secreto que o menino emitiu em seu ouvido, o que chamou a atenção de Joey e Gabrielle. O garoto concordou e colocou a mão no bolso do shorts, sacando uma PokéBola.

 

— Estamos prontos! — exclamou Ethan, apontando a cápsula bicolor na direção dos oponentes.

 

Joey e Gabrielle se entreolharam sorrindo e fizeram um breve aceno de cabeça.

 

— Muito bem, lá vamos nós! — bradou Gabrielle arremessando a PokéBola para o alto, em um movimento copiado por Joey e pelos oponentes do outro lado do campo.

 

Um breve segundo de apreensão se sucedeu antes de o forte brilho que emanou das esferas se dissipasse e revelasse quatro criaturas prontas para o combate. Do lado de Ethan e Chase, havia Takara, o Pikachu, e a armadura escarlate de Scizor que encaravam os dois oponentes do campo de batalha de Joey e Gabrielle. O Pokémon do garoto era um roedor bípede de pelos alaranjados e bochechas amarelas e um rabo, cujo formato da ponta era um grande raio elétrico. Seu parceiro era um pequeno Pokémon de pelagem branca com triângulos vermelhos e azuis ao redor do corpo. Ele também tinha um longo pescoço longo e um par de asas nas costas que lhe davam um ar angelical, apesar de encarar os oponentes com um olhar sério.

 

Ethan sacou sua PokéDex e apontou para os Pokémon em sua frente, mas antes de prestar atenção em qualquer informação vinda da voz robótica, não deixou de se surpreender com a PokéDex que Chase retirou da mochila. Parecia até mesmo um pequeno diário. O garoto o virou na vertical e abriu a capa do caderno, que se revelou ser um pequeno computador de mão, que logo revelou a imagem de Raichu na tela.

 

Quando a eletricidade se acumula dentro de seu corpo, fica mal-humorado. Também brilha no escuro — leu Chase. — É a forma evoluída do Pikachu? É a primeira vez que eu vejo um Raichu de perto...

— Que PokéDex esquisita essa sua — comentou Ethan, conferindo o seu próprio dispositivo.

Raichu, o Pokémon Rato. É a forma evoluída do Pikachu. Quando seus níveis de eletricidade aumentam, seus músculos são estimulados e ele se torna mais agressivo do que o de costume. Se as bolsas elétricas em suas bochechas ficarem totalmente carregadas, ambas as suas orelhas ficarão em pé. — informou o dispositivo.

 




Ethan o apontou para o segundo Pokémon.

 

Togetic, o Pokémon Felicidade. É a forma evoluída do Togepi. Dizem que aparecerá diante de pessoas bondosas e atenciosas e as encherá de felicidade. Fica desanimado se não está com pessoas gentis. Ele pode flutuar no ar sem mover suas asas.




— Togetic e Raichu contra Pikachu e Scizor. Essa batalha vai ser bem interessante... — comentou Joey para Gabrielle.

 

Scizor, no entanto, não parecia estar interessado tanto assim na batalha. Olhava para os lados, batia suas asas e movia-se de um lado para o outro de forma hiperativa. Usava suas pinças para socar o ar em sua frente, tentando chamar a atenção de Togetic para toda sua força. Takara, o Pikachu de Chase, encarava o colega sem entender o que estava acontecendo.

 

— Parece que seu Pokémon está bem disposto, hein? — observou Joey para Ethan.

— Um pouco até demais... — respondeu Ethan meio sem graça. — Acho que ele ficou muito tempo lá no laboratório e deve estar querendo desenferrujar.

 

Gabrielle soltou um suspiro impaciente.

 

— Vocês falam demais. Togetic, ma chérie, comece com o AncientPower no Scizor!

 

O Pokémon da jovem criou uma bola de energia prateada na frente de seu corpo e a arremessou na direção de Scizor, que prontamente desviou voando para cima. Pikachu, no entanto, foi atingido por estar próximo do alvo.

 

— Takara! — exclamou Chase, surpreso.

— A regra número um de uma batalha em duplas é estar sempre atento ao que acontece no campo de batalhas — comentou Gabrielle. — A sintonia é importante.

— Tipo assim. Raichu, Quick Attack! — ordenou Joey.

— Togetic, Yawn!

 

Raichu disparou em uma investida veloz contra Pikachu, que conseguiu desviar por pouco ao ouvir o grito de seu treinador, jogando seu corpo para o lado direito. O Pokémon de Joey levantou uma nuvem de areia quando errou o ataque.

 

— Scizor, avance com Metal Claw! — exclamou Ethan.

 

Um rastro veloz espalhou areia para cima e para os lados, impedindo a visão geral. Togetic flutuava no ar tentando captar a presença do oponente. Foi surpreendida quando Scizor apareceu em sua frente com suas pinças brilhando em um tom cinza-metálico, atingindo-a com um ataque direto, fazendo-a voar atordoada alguns metros para cima.

 

— Raichu, Thunder no Scizor! — exclamou Joey.

— Takara, Zippy Zap! — gritou Chase por de trás da nuvem de poeira.

 

As bochechas de Raichu acenderam em meio à nuvem de areia. Takara percebeu e disparou em direção ao oponente, com o corpo coberto por eletricidade. O oponente foi empurrado alguns metros para trás e, naquele instante, perdeu a paciência e a concentração, fazendo o Thunder falhar. Aquele Pikachu era mais irritante do que ele pensara.

 

Togetic bocejou em um ataque Yawn bem no rosto de Scizor, que foi pego de surpresa. O Pokémon de Ethan balançou a cabeça e deu um sorriso para sua oponente. Ele realmente não a estava levando a sério.

 

Bullet Punch! — exclamou Ethan.

— Evasiva, mon chèrie! — gritou Gabrielle.

Thunder Wave! — ordenou Joey.

Electro Ball! — pediu Chase, apontando para Raichu.

 

Scizor atingiu um soco no rosto de Togetic, que não conseguiu desviar a tempo. No entanto, foi atingido pelo raio elétrico de Raichu, que paralisou seu corpo. O Pokémon escarlate sentiu seus músculos travarem, mas uma moleza tomou conta. Seus olhos ficaram pesados e ele caiu para frente. O Yawn o botou para dormir.

 

O Electro Ball de Pikachu atingiu o rosto de Raichu. Togetic parecia abalada, mas se posicionou imponente no ar, diante de seu único oponente disponível: O pequeno Takara.

Pikachu encarou Raichu e Togetic de forma séria, sem dar para trás.

 

— Scizor, isso não é hora de dormir! Scizor! — chamava Ethan para o Pokémon que dormia tranquilamente apoiando a cabeça em cima de uma de suas pinças.

— Dois contra um é covardia! — exclamou Chase para Gabrielle.

— Não é uma batalha de dois contra um. Tem dois Pokémon no campo, mas que pena que só um está disponível pra batalha... — sorriu a garota de forma maliciosa. — Togetic, Metronome!

Agility! — Exclamou Joey para seu Pokémon.

 

Raichu disparou veloz, correndo com auxílio de suas quatro patas, e começou a girar ao redor de Pikachu, tentando confundi-lo e ganhando tempo para o Metronome de Togetic carregar. Takara não sabia para onde olhar. De onde viria o ataque, da Togetic voando na sua frente ou do Raichu que viria com um ágil ataque rápido?

 

— Scizor, acorda! — implorava Ethan, sem resposta.

— Takara, Thundershock no Scizor! —

— O quê?! — exclamou o mais velho. — O que você tá fazendo, Chase?

 

Pikachu olhou para o seu treinador por um instante. Chase mantinha a seriedade que transmitia confiança ao Pokémon. Não precisou de muito mais; de suas bochechas, faíscas elétricas escapavam enquanto os pêlos amarelos pelo corpo de Takara se arrepiaram. Pikachu curvou-se e disparou um poderoso choque elétrico na direção de Scizor, que foi atingido em cheio e despertou, berrando de dor. Olhou furioso para Pikachu, mas sua atenção foi desviada quando da boca de Togetic, saiu um Solar Beam mirado na direção de Scizor. Raichu se lançou na direção de Pikachu, atingindo-o em cheio com o Quick Attack, fazendo-o com que Takara desse um grito e viesse ao chão com violência. Scizor foi atingido pelo golpe de Togetic.

 

Os dois Pokémon, do lado de Ethan e Chase, ficaram visivelmente machucados. Levantaram-se com dificuldade, sua respiração era pesada. Os músculos de ambos Pokémon tremiam, mas a vontade de vencer os fazia querer ficar em pé.

 

— E-Ethan, me desculpe por ter acertado o Scizor, eu não pensei...

— Tá tudo bem, Chase. Você foi bem inteligente.

 

Chase olhou para o rapaz de forma surpresa.

 

— Acha mesmo?

— Bem... O Scizor acordou não foi? — e deu um sorriso. — Vamos dar nosso melhor. A gente pode até cair, mas vamos causar bastante dano neles.

 

Chase assentiu com a cabeça, em afirmação. Gabrielle soltou uma bufada de ar pelo nariz e um sorrisinho tomou conta de seus lábios.

 

— Parece que eles não vão desistir tão fácil.

— É assim que eu gosto. Não esperava menos do meu rival.

Let’s Go, Pikachu! Pika Papow!

— Scizor, Metal Claw!

— Togetic, Hyper Beam!

— Raichu, Thunder!

 

Scizor colocou as pinças a frente de seu corpo e enrijeceu sua armadura escarlate feita de aço e então saltou para frente, partindo veloz em direção à Togetic que disparou o Hyper Beam ao mesmo tempo em que o Thunder de Raichu e o Pika Papow de Pikachu se encontravam no ar.

 

A explosão que se sucedeu foi surreal. A grossa camada de ar fez subir uma parede de areia que se espalhou em uma violenta onda de poeira por todos os lados, quase fazendo com que o boné de Ethan saísse voando. Os quatro treinadores tossiam e tentavam proteger os olhos com os braços. Podia-se ouvir um intenso falatório que ia aumentando aos poucos. Demorou alguns instantes para que a poeira cessasse e todos pudessem ter claramente um resultado.

 

Do lado de Ethan e Chase, Pikachu e Scizor permaneciam caídos ao chão, inconscientes.

Do lado de Gabrielle e Joey, Togetic e Raichu também estavam caídos inconscientes.

 

Uma ovação foi ouvida. Os quatro treinadores perceberam que estavam sendo assistidos pelos moradores e visitantes de Cherrygrove. Ethan e Chase olharam um para o outro e coçaram a cabeça, constrangidos, em um movimento idêntico e completamente intuitivo.

 

— Foi uma bela batalha. E com um resultado incrível!

 

Forrest aproximava-se com Sunny ao seu lado. Os dois sorriam.

 

— Vocês sumiram. Bom ver vocês de novo — cumprimentou Ethan enquanto retornava seu Scizor para a PokéBola.

— Ei, Forrest! Eu tenho algo pra falar pra você — disse Joey aproximando-se do moreno, guardando a PokéBola de Raichu no bolso.

— Por que não passamos no Centro Pokémon para recuperar os Pokémon de vocês? Depois dessa batalha, eles mais do que precisam de cuidados — sugeriu Sunny.

— Você tem razão — concordou Gabrielle. — Acho que todos prrecisamos de um descanso.

 

Ethan reparou que Chase olhava para a PokéBola de Takara com certa melancolia. O rapaz ajoelhou-se para ficar mais ou menos na mesma altura que o mais novo.

 

— Aconteceu alguma coisa?

— Eu acho que atrapalhei tudo...

— Você foi incrível, cara! Honrou as suas insígnias. Com certeza o Takara tem sorte de ter você como treinador.

 

Chase olhou para Ethan com os olhos brilhando.

 

— Acha mesmo?

— Joey tem oito insígnias. Com certeza treina aquele Raichu dele há bastante tempo. Takara tomou uma surra, mas conseguiu mostrar que não se brinca com os baixinhos.

 

Em um momento de impulso, Chase abraçou Ethan, quase derrubando-o ao chão. Ao perceber, o menino largou rapidamente e ficou rubro.

 

— M-me d-desculpa...

— Tá tudo certo. É bom receber um abraço de vez em quando... — disse Ethan, visivelmente sem graça.

 

Elaine que assistia a tudo a alguns metros de distância, abraçando firme seu Snubbull de pelúcia, deu um sorriso meigo.

 

— Tô com fome... Será que podemos deixar nossos Pokémon com a Enfermeira Joy e ir comprar um hambúrguer? — perguntou Joey massageando a barriga.

— Eu me junto a você. Tô sem comer nada tem um tempo também — disse Forrest olhando para Sunny. — O que acha?

 

A garota entrelaçou seus dedos da mão esquerda na mão direita de Forrest.

 

— Eu acho que vou comer uns dois hambúrgueres — e riu.

 

Ethan ergueu-se novamente.

 

— Puxa, seja lá o que vocês dois andaram fazendo, com certeza devem ter gastado uma boa energia. O que estamos esperando? Vamos logo!

 

O grupo de amigos virou-se na direção da cidade e caminharam conversando em voz alta em direção ao próximo destino, o Centro Pokémon. Houve queima de fogos, danças tradicionais e um espetáculo com tambores que vibravam na batida do coração, conforme Tuscany prometera  — ela só não conseguiu se divertir tanto depois de perder as finais do concurso Miss Cerejeira para uma garota oito anos mais nova. Cherrygrove podia ser uma cidade pequena, mas com certeza cabia uma enorme diversidade de aventuras dentro dela. Quais serão as próximas histórias a serem contadas e vivenciadas nessa cidade florida?

 

 

TO BE CONTINUED...


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